Andi Porreta

#Resenha: Um Lugar Bem Longe Daqui, Delia Owens

Alex Mendes
Reticências

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Quem tem o hábito de ler sabe como é difícil iniciar um novo livro depois de uma história incrível! Um Lugar Bem Longe Daqui, da autora americana Delia Owens, é um exemplo perfeito. Além de entreter com uma narrativa emocionante e sensível, o livro nos faz entender os impactos que a solidão gera em nossas vidas, sejam eles positivos ou não.

Um Lugar Bem Longe Daqui foi lançado no Brasil em 2019 pela editora Intrínseca. De lá pra cá o livro se popularizou nos grupos de leitura e entrou na lista dos mais vendidos da Amazon. Com tanta popularidade era de se esperar que o livro ganhasse adaptação para o cinema.

Mas, para aqueles que ainda não ouviram falar de Um Lugar Bem Longe Daqui…

O romance conta a história de Kya, uma menina de 6 anos que, após ser abandona pela mãe e irmãos, precisa aprender a lidar com a solidão. Morando apenas com o pai, um sujeito violento que tem problemas com o álcool, Kya sobrevive com muito pouco dinheiro e depende do brejo para se alimentar.

Por morar em um local afastado e pouco valorizado, ela sofre com o preconceito dos moradores da cidade que a chamam de Menina do Brejo — um termo pejorativo para falar da condição financeira e da moradia de Kya. É neste local, aparentemente sem importância e esquecido, que a personagem encontra na fauna e na flora os motivos para sorrir e não se sentir sozinha após tanto abandono.

Em paralelo, o assassinato de um rapaz conhecido provoca rebuliço na cidade e a única suspeita é a Menina do Brejo.

Aqui no Reticências eu publiquei minhas primeiras impressões sobre Um Lugar Bem Longe Daqui. Confira!

Um romance de formação: Bildungsroman

Assim como Charlotte Brontë e Charles Dickens, Delia Owens escreveu Um Lugar Bem Longe Daqui seguindo a forma conhecida no meio literário como bildungsroman ou, traduzido do alemão, romance de formação.

Neste tipo de narrativa o leitor acompanha o crescimento e amadurecimento dos personagens desde a infância até a idade adulta. Isso significa que conhecemos suas construções psicológica, moral, social, espiritual e até política dentro daquele contexto.

Acredito que o formato bildungsroman escolhido por Owens foi proposital, pois a empatia e a identificação com Kya afloram logo nas primeiras páginas do livro.

Aproveitando que estamos falando de estrutura…

O enredo oscila entre os anos de 1952 e 1970. Além disso, o livro é divido em duas grandes partes: o brejo e o pântano. De início não compreendi o motivo desta divisão, já que as palavras são correlatas. Entretanto, após concluir a leitura, encontrei no prólogo as definições da autora para diferenciar ambos os termos. Os esclarecimento que passaram despercebidos por mim embasam a jornada de Kya e transformam o livro em um dos mais emocionantes do ano!

Na primeira parte (o brejo) a leitura indica uma Kya em crescimento, infantil, sem entender os motivos do abandono e sofrendo com a solidão. Já na segunda parte (o pântano), Kya é uma mulher — ainda com cicatrizes que doem — ,mas muito mais decidida e independente que antes.

Com mais de 300 páginas, Um Lugar Bem Longe Daqui não se demora com cenas desnecessárias. Gradualmente e sem muita dificuldade conseguimos personificar Kya, sua família, amigos, moradores de Barkley Cove e o mais importante cenário do romance: o brejo e o universo natural ali contido.

Não existe a possibilidade de você conhecer Kya e não agradecer à natureza por se fazer tão presente na vida daquela garotinha. Aos 6 anos, sua mãe a abandona por não suportar mais conviver com o marido. Na sequência, as cenas apresentam uma sucessão de mudanças que bagunçam ainda mais a cabeça de Kya.

Em meio a discriminação, preconceito e hostilidade da cidade, a menina do brejo aceita o termo e encontra na natureza o que tanto precisa: a companhia das garças, o abrigo sob os sicômoros e muito aprendizado com as criaturas daquele ambiente que assim como ela são marcados pelo abandono.

O brejo se torna um personagem que não a julga e ainda faz papel de mãe e amigo.

Pablo Amargo

Diante de tanta evolução de uma personagem, o restante dos acontecimentos parece perder foco, mas sem prejudicar a narrativa. O assassinato, por exemplo, apresentado no prólogo, é o fio que puxa o desfecho de Kya, mas não o principal. A descoberta do amor, do sexo e as mudanças do próprio corpo também são importantes para a trama. Por fim, a questão da segregação racial é pincelada no romance, mas sem muito desenvolvimento. As poucas pessoas que amparam e ajudam Kya com suas necessidades são curiosamente negras, vistas como gente ruim pela cidade.

Andi Porreta

Solidão e abandono são vistos em quase todas as páginas de Um Lugar Bem Longe Daqui. Evidentemente, me apeguei à Kya e sofri junto — você sentirá vontade de chorar! Mas este romance de formação não poderia ser feito apenas de dor, certo?

Kya transmuta todas as suas dificuldades em arte e usa a escrita e a literatura para concretizar essa virada de página. É como uma flor que tem raízes na lama e a corola está virada para o sol: o que ela precisa vem do chão, mas cresce em direção à luz.

A menina do brejo nunca foi à escola. Aprendeu a ler e escrever com a ajuda de um amigo e, posteriormente, namorado. Ela uniu as observações dos animais e plantas às suas perdas e sofrimento para devolver ao mundo um grito de liberdade concretizado em arte!

Um Lugar Bem Longe Daqui é um livro que comove pela tristeza, mas também nos arrebata com a jornada de uma garota que supera as imposições da vida e ainda assim mantém sua essência.

É importante destacar que o livro aborda temas sensíveis como o abandono paternal e os abusos moral e sexual. Antes de ler este livro, esteja seguro de que poderá lidar com os gatilhos existentes. Estamos em um momento em que evitar prejudicar a saúde mental é prioridade.

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Alex Mendes
Reticências

Publicitário, nortista e designer que trabalha com UX e adora livros.