Sob o colchão da sala
Era o início de nossas férias. Estávamos eufóricos. Os próximos dias seriam preguiçosos e mais tranquilos. Por isso, olhamos um para o outro e dissemos vamos colocar o colchão na sala? Foi o suficiente para eu pensar sobre nosso dia a dia.
Em uma sexta-feira que tradicionalmente é das cervejas com amendoim, retiramos os cobertores, limpamos o chão e fizemos uma espécie de ninho sob os travesseiros e lençóis novos. Na TV, zapeamos alguns canais, mas, como sempre, caímos na Netflix, caçando filmes ainda não vistos. Decidimos ficar ali, jogados, sem pretensão de atualizar nada, apenas jogados.
Trouxemos o colchão do quarto e, na tentativa de ganhar mais conforto, fomos dominados pela curiosidade em entender o porquê daquilo ser divertido. Achamos que seria interessante mudar. Me senti quase uma criança ao descobrir que vai montar uma cabaninha com os pais. O dia não estava frio, mas encostei nele e puxei um travesseiro para ficar mais aconchegante. Conversamos sobre nós, as últimas discussões mal resolvidas, falamos até dos próximos passos para o futuro. E o papo entrou pela noite: os astros mais próximos da Terra, as reações da minha família ao conhecê-lo, o primeiro porre juntos, aquela chata da firma, plantinhas, decoração do apartamento e qual pet poderíamos adotar.
Jamais pensei que levar o colchão do quarto para sala nos renderia mais aproximação e cumplicidade. Realocar, mesmo que temporariamente, um objeto interfere em nossos destinos? Teríamos a mesma experiência se mantivéssemos as coisas em seus lugares finais?
Naquela noite, ressignificamos nossos momentos e caímos no sono do olhar um do outro.
O colchão ficou ali até segunda-feira.