Desapego X Mudança

por Rafaela Asprino

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4 min readNov 30, 2016

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Aos pés do Huayna Potosi, Bolívia, 2015

Talvez o poema de Elizabeth Bishop, A Arte de Perder, explique, talvez o budismo já o diga, mas o conceito explícito de desapego está na alma desta cicloviajante. Fez da vida sua morada. O nomadismo só aumenta seus laços com a essência da vida. Talvez por isso ela olhe bem dentro dos nossos olhos e nos trate como se fossemos velhas amigas, pois é intima das estradas e dos climas adversos, das altas montanhas, das cores do amanhecer, do oxigênio de um novo tempo, mais coerente e harmonioso com a vida. Rafaela Asprino, uma cicloviajante experiente nos conta como foi “largar tudo” e partir todo dia.

Caminho de Santiago de Compostela, 2013.

É comum ouvirmos a expressão “largou tudo” quando alguém muda radicalmente de estilo de vida.

Mas do que é realmente necessário se despojar para viver uma nova história?

Trabalho, dinheiro, conforto, são alguns dos bens mais caros ao homem moderno. A princípio pode parecer que estes são os bens mais difíceis de se desapegar. Por outro lado, a necessidade deles está associada aos valores morais, culturais e sociais que somos ensinadas e cultivamos em nossa vida. Eles refletem a imagem que fazemos de nós, e consequentemente a imagem que desejamos que os outros vejam em nós.

Patagônia Argentina, 2009.

Quando conheci Antonio Olinto e o seu “Projeto de Cicloturismo”, meu ser estava aberto para receber o novo, me senti como se estivesse atravessando um portal para um “universo paralelo” que eu ainda não conhecia. Atravessar o tal portal foi como virar uma página do livro da minha vida, onde as páginas em branco me possibilitariam escrever a história que eu quisesse sobre mim mesma, independente do que eu tinha vivido até então. Foi assim que assumi o “guidão da minha liberdade”.

Quebrada de Humahuaca, Província de Jujuy, norte da Argentina, 2015.

Posso dizer que a vida nômade veio de encontro a valores que eu já tinha, mas que estavam abafados e até escondidos pelo dia a dia de um estilo de vida convencional, por isso nem foi tão difícil passar a morar em um motor home e me adaptar às restrições materiais e desafios do novo estilo de vida. Por outro lado, depois de tantos anos, ainda me percebo tomando atitudes impulsionadas por antigos valores, aos quais certamente ainda estou apegada, e que preciso mudar para conquistar uma vida mais equilibrada, saudável e feliz.

“É na simplicidade das coisas pequenas que reside a liberdade.”

Observar nossas atitudes e entender os valores atrelados à elas é o primeiro passo para encontrar o caminho da mudança, para compreender o que é realmente necessário deixar para trás pra viver uma nova vida. A rigor, todos os dias, todas nós temos nossas páginas em branco a serem escritas, bem como a responsabilidade de bem escrevê-las. E, transformar os próprios valores, talvez seja a tarefa mais difícil para alguém que queira escrever uma história diferente.

É natural que, mesmo quem busca por algo novo, tenha dificuldades em operar mudanças, pois isso significa transformar a base onde apoiamos nosso ser, significa perder o que somos para alcançar o que queremos ser. Como um inseto que troca seu exoesqueleto para poder crescer, é importante ter a coragem de deixar algo para trás a fim de receber o novo, mesmo que isso signifique tomar riscos, afinal não há como voar sem tirar os pés do chão.

No documentário da viagem “Entre salares e desertos, montanhas e vulcões — do altiplano andino ao Atacama em bicicleta” Rafaela e Olinto comentam como uma viagem de bicicleta pode ser um instrumento para reflexão e mudança de valores.

Trailer do documentário: https://youtu.be/9id6TQoCG6Q

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