29. Like I just got home

Carolina Bataier
Piranhas
Published in
2 min readMay 10, 2021

Um dos rapazes pousou o cigarro atrás da orelha, esfregou as palmas das mãos, pegou o taco que havia apoiado nas costas duma cadeira e inclinou o corpo sobre a mesa, mirando o alvo. A bola vermelha rolou vagarosa e tocou a verde, que não se moveu. O outro homem balançou a cabeça e se posicionou para uma tacada brusca, mandando para longe as duas bolas e acertando outras três. Ela assistia ao movimento sobre o pano verde. Copo de cerveja numa mão, a outra dançando no ar com o balanço do corpo.

Quando reconheceu as batidas da introdução, ergue o braço e soltou a cabeça para trás. Pela empolgação ao redor, outras pessoas compartilhavam a sensação de ouvir uma música que, parece, sempre existiu. Sentiu o toque no ombro, virou o corpo jogando os cabelos e cantando: It’s now or never, come hold me tight e, então, mostrou as gengivas num riso imenso. Ergue a cabeça para olhar nos olhos do rapaz e se lançou nos braços dele.

Colados, os corpos se balançaram na pista, um pouco da cerveja pingando no chão enquanto as mãos apertavam as costas largas do homem. Cheirava a incenso. Ele deu três passos para trás, levantando o braço dela e fazendo-a rodopiar sobre as pontas do coturno. No segundo giro, ela parou de frente para ele. Uma bata laranja por baixo do blazer marrom. Calça branca. Mais magro do que da última vez. Pele bronzeada, cabelos raspados, um sorriso imenso. Deu mais um giro, e outro, e então a sola do sapato deslizou na poça de cerveja, ela perdeu o equilíbrio, ele segurou pelos pulsos impedindo a queda. Riram. Outra vez, ela se lançou naqueles braços compridos e ergue os pés para alcançar o ouvido.

— Pensei que só te encontraria na sua casa.

— Cheguei mais cedo do que pensava. Vi seu bilhete e corri pra cá.

— Ele me deu um bolo.

— Mas eu vim.

Enfiou o rosto na bata laranja e espremeu os olhos marejados. O cheiro de incenso misturado a amaciante era como chegar em casa.

*

CAPÍTULO 30

Este texto faz parte da história “O mundo é pequeno para quem é piranha”. Clique aqui para ler o primeiro capítulo.

--

--