37. Reforma
A infiltração causada pelas chuvas do início do ano criou uma cascata discreta na sala. Lamentável. O engenheiro explicava que, para garantir a qualidade do serviço, seria necessário abrir uma parede. Vai morrer uma grana, pensou. Mal necessário.
O rapaz desdobrou o papel — a planta do apartamento. Olhou demoradamente, depois deslizou o dedo apontando os locais de intervenção. Ela notou as mãos firmes apoiadas sobre o vidro da mesa a cada gesto contido nas pausas para as análises. Aproveito e refaço o banheiro, pensou. Um espelho maior, uns azulejos, se sobrar dinheiro. Um dia, quem sabe, o sonho da banheira se realiza.
Ele endireitou os ombros. Ela notou os pelos escapando pela gola da camisa. Pequenos cachinhos escuros, como os cabelos. Sentiu a umidade aquecer a nuca, ergue os cabelos num coque. Reformas são demoradas, esse é só o início de uma relação, pensou. Não, não. Com certeza é o período fértil, concluiu.
Enquanto ele listava os profissionais envolvidos na tarefa de reparo do imóvel, o pensamento dela divagou até a gaveta da mesinha de cabeceira.
A necessaire, onde lia-se: Suellen brinquedos & fantasias em letras bordadas em linha lilás. O brinde pela mais nova aquisição, ainda não saboreada. É importante distinguir quando é paixão, quando é só o caso de usar o vibrador, concluiu.
Este texto faz parte da história “O mundo é pequeno para quem é piranha”. Clique aqui para ler o primeiro capítulo.