40. Carnaval

Carolina Bataier
Piranhas
Published in
3 min readFeb 3, 2023

A asinha de fada enroscou. Ela deu um passo atrás, era um colar de miçangas douradas, iluminando o peito escuro. O rapaz sorria e ajudou a soltar a asa. Na cabeça dele, uma pena de pavão. Ela ergueu a mão até o enfeite:

— Tem anos que não vejo uma dessas. Minha avó usava na decoração da sala.

— Peguei essa da sala da minha avó, acredita?

— Mentira?

— É, mentira — e abriu outra vez o sorriso.

Como se precisasse mentir, ela pensou. Sorriu, também. Passou o dedo pelas gotinhas de água que brilhavam no ombro do rapaz.

— Que bom que parou.

— Ahn?

— A chuva — Ela apontou para o céu. Raios de sol escorriam por entre as nuvens. Três passos atrás do rapaz, Edu bebericava um líquido cor de rosa numa taça de plástico. Os olhares se cruzaram, o amigo lançou uma piscadinha, jogou a cabeça para trás e continuou cantarolando não espero o carnaval chegar pra ser vadia, sou todo dia.

— Tá sozinha?

— Meu amigo tá ali atrás. E você?

— Meu amigo foi buscar cerveja.

Com o som alto, toda a conversa se desenrolava ao pé do ouvido. Ela deu um passo a frente para ficar mais perto do novo conhecido.

— Seu colar tá brilhando.

— Pode pegar.

Rolou as miçangas pelas pontas dos dedos. Ele deu um passo à frente. Ela tocou os pelos do peito úmido, chuva e suor. Ergueu a cabeça e quando ia dizer que os lábios dele também brilhavam, sentiu a mão na nuca e uma onda de calor lhe correu entre os seios. O beijo tinha sabor de sal e bala de uva verde. De olhos fechados, a lembrança da pena de pavão girava como caleidoscópio, as cores se misturando no fundo dos olhos, do lado de fora as vozes ecoando ao fundo do som do tamborzão. Raios de sol dançavam macios sobre os ombros, as pernas se batiam no ritmo na música, sentia nas coxas os pelos úmidos do rapaz, a pele quente. O tempo derretendo como as cores do caleidoscópio imaginário, ela escorrendo junto.

Piraaanha é o nome de um peixe. A voz de Edu estourou a fina camada da bolha de sabão onde o casal se beijava suspenso.

Juro que é! — Jeniffer completou, afastando o corpo do peito morno do rapaz. E, aterrisando outra vez no meio do carnaval, gritou para o amigo:

— A Letícia! — Olhou outra vez para a pena de pavão, depois para o sorriso, deixou sobre os lábios um beijo rápido e segurou a mão de Edu.

Os dois saltitaram, dançaram e cantaram entre as pessoas de todas as cores e brilhos, até avistarem, ao lado de uma barraquinha de cachorro quente, a moça de cabelos descoloridos, shortinho de paetês colados como escamas, mamilos amassados por baixo de duas conchas feitas de tecido e glitter. Ela balançava os quadris, segurava um espeto e mordiscava o salsichão coberto de farofa. Chegaram por trás, cada dando um apertão numa das nádegas da amiga. Ela virou, grito na garganta. Abriu num sorriso os lábios sujos de farofa.

Jeniffer e Edu gritaram primeiro:

— É uma sereia?

Ela soltou uma gargalhada, abrindo os braços para acolher os dois sobre o peito brilhoso:

— Não. É uma piranha.

Edu riu até derrubar o resto do drink rosado nos pés das amigas. Tambores estremeceram o ar enquanto os raios de sol deslizavam cada vez mais fortes entre as poucas nuvens. Os três voltaram-se para onde seguia a multidão e viram figuras em pernas de pau abrindo espaço entre os corpos iluminados de chuva, suor e brilhos de todas as cores. Contra o céu azul, conchas, arcos, flechas, cocares e miçangas dançavam elevados.

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Este texto faz parte da história “O mundo é pequeno para quem é piranha”. Clique aqui para ler o primeiro capítulo.

A foto que ilustra este texto é minha mesmo, de um carnaval passado. Saudades.

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