Em Busca da Experiência Perfeita

Maria Fernanda Belatto
Astella
Published in
7 min readNov 26, 2020
Photo by Kristopher Roller on Unsplash

Todos conhecemos, ou pelo menos deveríamos conhecer, a sensação de ter uma boa experiência em contato com uma marca e ficar realmente encantado. É um misto de surpresa, satisfação, alegria, confiança e gratidão. Essas emoções podem ser fruto de um atendimento ágil, de qualidade, transparente e tantos outros aspectos. Não por acaso, saber como encantar é a peça-chave para fidelizar clientes e se destacar no mercado.

Mas como fazer isso? Como proporcionar experiências perfeitas que marquem pessoas que são totalmente diferentes, com gostos e expectativas específicas?

Para encantar clientes, antes é preciso entender que tudo é serviço.

O primeiro passo para criar experiências perfeitas é compreender que tipo de serviço a sua empresa oferece, mesmo que você venda produtos digitais, equipamentos, roupas ou qualquer outro tipo de material físico. Trata-se de uma mudança de paradigma, uma vez que serviços e produtos muitas vezes foram e ainda são vistos de formas separadas e até mesmo opostas. Porém, um produto nada mais é do que o avatar de um serviço.

Quando pensamos na origem do termo “avatar”, a compreensão sobre isso se torna mais fácil. Avatar é um termo que tem origem no sânscrito significa descida, manifestação. E é assim que enxergamos um produto: a manifestação ou materialização de um serviço.

Já o termo serviço define a ação de servir, ou seja, trabalhar em favor de alguém, de um grupo de pessoas ou de uma organização. Assim, o serviço determina a função e a experiência que um produto, marca ou negócio proporcionam.

Lógica Serviço-Dominante

Estamos cercados de avatares, ou seja, de produtos que representam serviços. Basta pensar nos smartwatches. Muito mais do que um relógio, esse equipamento é o avatar para uma infinidade de serviços que podem acessados a partir dos aplicativos disponíveis. Os usuários podem receber chamadas telefônicas, acessar redes sociais, descobrir o melhor caminho para chegar a um destino e até mesmo adotar um estilo de vida mais saudável.

Quer outro exemplo? Olhe para a caneca mais próxima. Mais do que um recipiente para servir chá ou café, as canecas podem despertar emoções, levar aconchego, marcar momentos importantes como uma viagem ou ainda virar um porta-canetas. Ou seja, o valor nunca está no produto em si, mas nos benefícios que ele oferece às pessoas.

Essa é a lógica serviço-dominante, que não ignora a existência dos produtos, mas muda o foco do objeto para seu verdadeiro propósito: o serviço prestado e a experiência das pessoas. Por isso, considera que tudo é serviço.

O design de serviço é a disciplina que se baseia nessa lógica e visa proporcionar a melhor experiência possível, integrando o olhar do cliente às possibilidades de implementação. Dessa forma, o design de serviço cria um super-arco para produto, marketing, vendas e customer success que, geralmente, são silos operando com filosofias diferentes. Equipes desalinhadas, além de sofrerem com retrabalho e inúmeros conflitos na tomada de decisão, correm um risco muito mais grave: perderem o foco na entrega do serviço para o cliente.

Quanto custa esse desalinhamento para a sua empresa? Alinhar as áreas, processos e sistemas sob uma perspectiva global do serviço prestado ao cliente é buscar a experiência perfeita.

Mas afinal, como encantar clientes com experiências perfeitas?

Antes de mais nada, é preciso entender que projetar uma experiência é impossível. Experiências são individuais e únicas, dependem do próprio usuário, do seu repertório, gostos pessoais, estado de espírito, além de uma série de fatores externos que não estão sob o seu controle, como acontecimentos do dia e até condições climáticas.

O que podemos (e devemos) fazer, é projetar as condições ideias para que a maioria das pessoas tenham experiências positivas e marcantes com um serviço.

Dessa forma, projetar as condições ideais para criar a melhor experiência possível inclui o planejamento de todos os pontos de contato entre a sua marca e as pessoas. É preciso prever possíveis incidentes no decorrer do caminho, antecipar-se à resolução e, indispensavelmente, alinhar os processos e as pessoas envolvidas.

Mas, como pensar em tudo isso sem antes entender muito bem o indivíduo que usufrui do serviço? Querer criar as condições ideias para uma boa experiência sem antes conhecer quem são os usuários é como comprar um presente para um desconhecido: as chances de erro são enormes. Por isso, o design de serviço começa com o entendimento das necessidades, motivações e desejos das pessoas. Para isso, existem três etapas fundamentais:

1. Pesquisa Etnográfica

A etnografia é um método de coleta de dados desenvolvido pela Antropologia que se aplica muito aos desafios em negócios. Etnografia significa a descrição de um povo. É um tipo de pesquisa qualitativa, cujo foco é o estudo de aspectos culturais e comportamentais de grupos sociais.

Nessa modalidade de pesquisa, o pesquisador despende tempo para observar rotinas, relações e interações do grupo social ao qual pertence a persona.

Além da observação, é necessário realizar entrevistas em profundidade para investigar os porquês relacionados aos fatos. Uma entrevista de profundidade tem um roteiro de perguntas abertas previamente definidas com o objetivo de obter insights sobre o comportamento das pessoas no que tange os negócios. Esse é um momento de escutar ativamente muito mais do que falar.

O conhecimento sobre o comportamento dos clientes é o ponto de partida para a próxima etapa.

2. Sensibilização e Alinhamento Interno

A segunda etapa para repensar a experiência proporcionada pela sua empresa é realizar uma sensibilização interna dos times, aproximando-os para adotar uma visão sistêmica do serviço, com tomadas de decisão compartilhadas e processos integrados.
Com isso, torna-se possível planejar as etapas do serviço e orquestrar os pontos de contato entre marcas e pessoas, alinhando a promessa de marca e entrega de valor para os clientes. Tais ações irão potencializar os resultados e colocar o cliente no centro da sua estratégia.
Nesse processo, também é importante que haja o alinhamento entre as áreas de marketing, vendas, produto e customer success, tanto filosoficamente, quanto dos indicadores e metas. Dessa forma, todos estarão alinhados estrategicamente para pensar e oferecer a melhor experiência aos clientes.
Outro ponto que deve ser considerado é a construção de um processo comum às áreas para captura de ideias, implementação e change management.

3. Definição de Processos e Ferramentas

Após o alinhamento dos times, é o momento de descrever o serviço em detalhes. Para isso, é possível criar um service blueprint, consolidando todos os pontos definidos a partir da perspectiva do cliente e, não, dos silos. Trata-se de uma ferramenta completa que permite visualizar e detalhar todos os pontos de contato, canais, momentos do cliente, experiências desejadas, processos e KPIs relacionados ao serviço prestado.

Blueprint fictício do serviço prestado pela Netflix desenvolvido pela HOMA. Na parte superior, estão descritos os momentos desse serviço. A partir de cada momento, descrevemos as ações e experiências dos usuários, os pontos de contato da Netflix com os clientes, principais processos e sugestões de KPIs para a gestão da experiência dos clientes.

Esse mapeamento é fundamental para proporcionar experiências encantadoras, adotando uma operação centrada no cliente. Com essa metodologia, é possível identificar os pontos de contato com o seu cliente, as ideias e hipóteses para entregar a melhor experiência em cada etapa. Além disso, a partir do blueprint, é mais fácil priorizar as ideias a serem exploradas com o orçamento disponível e construir um roadmap para todos saberem quais são os próximos passos, dispositivos de mudança e correção de falhas necessários.

Por trás de processos e produtos que entregam valor, existem pessoas e times alinhados em torno de uma estratégia potente, que une eficiência organizacional e experiências significativas para as pessoas. Um bom serviço é a materialização dessa estratégia em experiências perfeitas.

4. Gestão da Experiência do Cliente

Por fim, chegamos na implementação e na gestão da experiência dos clientes. Antes de gerir, você precisa entender como deve ser o avatar do seu serviço para proporcionar as experiências que tanto almejamos. Para o Edson Rigonatti, um produto perfeito tem cinco características:

Proposta de valor clara e percebida: um produto animal tem um posicionamento animal — ele encaixa direitinho na cabeça das pessoas, que entendem imediatamente o que é, como funciona, quanto vale aquilo que está diante dela.

Gostoso de usar: Todo produto gostoso de usar tem um designer por trás — alguém que entenda profundamente de comportamento humano e como os 5 sentidos interagem quando estamos usando um produto. Sabe a diferença entre uma porta fácil de abrir e aquela que você não sabe por onde começar? Ou aquele iconograma esdrúxulo na porta do banheiro que você nunca sabe se é homem ou mulher? Essa é a diferença entre um produto gostoso de usar e um que…bom…você entendeu.

Indispensável: um produto incrível resolve um problema importante, não tem substitutos à altura (seja no nível funcional, emocional ou social) e tem que ser usado frequentemente (a tal da pasta de dente).

Faz a minha vida melhor: o produto perfeito tem um retorno sobre o investimento (ROI) inquestionável — eu gasto menos tempo da minha vida lidando com o problema, eu economizo dinheiro em relação a outras alternativas, eu consigo fazer muito mais do que eu fazia antes.

Não me deixa na mão: grandes produtos são a combinação de engenharia de primeiríssima qualidade (não falha) e um carinho e respeito absurdo pelo cliente.

Os KPIs relacionados à cada momento da experiência no service blueprint indicam o quão próximo o seu produto está dessas características. Para entregar um produto perfeito, prestando um serviço que proporcione experiências perfeitas, a gestão rigorosa desses indicadores é essencial. Talvez você tenha que voltar à pesquisa etnográfica para responder os porquês por trás dos números e seguir evoluindo o seu service blueprint a partir de novos insights sobre o comportamento das pessoas. Assim, o seu service blueprint será um documento vivo que alinha constantemente o seu time em torno do que importa para o cliente.

Em resumo…

Experiências perfeitas e o encantamento de clientes não acontecem por acaso. Diferentes metodologias, ações e reflexões compõem esse processo que possui uma abordagem estruturada como a descrita e um olhar sistêmico para a definição estratégica dos serviços a serem entregues. Isso é a essência do design de serviço: aliar o poder da criatividade inspirada no comportamento dos clientes à tomada de decisões baseada em dados. Uma estratégia fundamentada em experiências perfeitas e uma implementação acompanhada por números são o caminho para que o seu negócio cresça.

Este texto foi elaborado com a colaboração do Edson Rigonatti, sócio da Astella, e da Bruna Plentz, minha sócia na HOMA. Muito obrigada pelos insights e revisões!

--

--