Ciranda Brasileira, 15 anos de arte e vida

Claudio Barría Mancilla
astrolábio
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5 min readOct 9, 2017

[Vídeo] O projeto para crianças e adolescentes de classes populares no Rio de Janeiro que virou programa de formação artístico-cultural para a vida inteira. A fundadora do Instituto de Arte Tear apresenta vídeo sobre a experiência que se tornou referência em arte/educação.
por Denise Mendonça

Comemorar é viver em comum uma memória, commemorare. É reviver e ressignificar momentos que nos deixaram marcas. É recordar (e reacordar e refazer acordos pelo coração), desnovelando a vida pelos fios da memória. Memórias pretéritas que nos reinscrevem no presente, tecendo nossas existências.

Assim inicio desembaraçando o fio do tempo, desenredando a teia da história cirandeira que teve seus começos em 2002. Tempo em que se comemorava ainda os 500 anos do redescobrimento da Terra Brasilis com novos ares que o país respirava na esperança de uma outra República. Tempo de festa pelas conquistas do ECA, da Cultura, do PENTA, mas tempos também de turbulências pela violência do tráfico nas comunidades de favelas do Rio, tirando direitos de ir e vir, de sonhos e voos da meninada.

Com a fundação do Instituto Tear (neste mesmo ano) tivemos, pela primeira vez um apoio financeiro, através do Nutrir (Programa social da Nestlé) para realizarmos um projeto que possibilitasse meninos e meninas de classes populares terem a arte como direito de expressão e de narrativa de reexistência. Nasce o Ciranda Brasileira. Ganha esse nome pelo fluxo e dinamismo das cirandas presentes em tantas culturas nossas, pela pluralidade e diversidade dos brasis desta terra. Mas não só pelas danças. Também dos cantos, dos ritmos, dos gestos, das falas, das visualidades e histórias, das manifestações múltiplas que nos contam de nosso jeito de ser diversamente brasileiros. Nasce da querência de ver esta Ciranda solta, Brasileirando num só coração.

Rua dos Cataventos — Espetáculo da Cia Cirandeira

Rua dos Cataventos — Espetáculo da Cia Cirandeira

O projeto de formação artístico-cultural foi composto por uma equipe multidisciplinar de profissionais (arte/educadores, artistas, pedagogos, psicólogos, assistentes sociais e sociólogos). Tendo a Arte/Educação na centralidade de suas ações como campo de conhecimento, expressão e produção, a iniciativa surgiu coincidente ao propósito da fundação do Instituto Tear: movida pelo sentido de contribuir ao enfrentamento da desigualdade, violência e para a construção de uma sociedade mais solidária, democrática e cidadã, sobretudo num tempo em que o Rio de Janeiro vivia momentos de grandes tensões sociais.

Começa em março de 2002 com 4 grupos de adolescentes, formando os Brincantes (grupo de dança, teatro e circo), os Menestréis (canto e percussão), o Artecidade (artes visuais) e os Catadores de Histórias (grupo da arte da palavra). Cem meninos e meninas ao todo e todos adolescentes moradores de comunidades de favelas localizadas na Grande Tijuca.

Ao longo de seus primeiros dez meses, o trabalho entrelaçou os fazeres e saberes desses meninos e meninas, culminando num espetáculo no Teatro Municipal de São Paulo pelos 80 anos da Semana de Arte Moderna e dos 80 anos da Nestlé do Brasil.

A partir de então, consolidava-se uma metodologia de múltiplas linguagens da arte ancorada em princípios éticos estéticos desenvolvidos em cada gesto e ação em prol de uma educação estética, humanizadora, sensível, transformadora, levando muitos de seus primeiros participantes a permanecerem no Ciranda durante oito a dez anos. Em quatro anos de projeto, formou-se a Cia Cirandeira que até 2012 pode vivenciar várias montagens de espetáculos, gravações de CDs e Dvds, em particular a Rua dos Cataventos e Marias Brasilianas com grande sucesso de público e de crítica.

Enquanto alguns cresciam e tomavam seus rumos na vida (a grande maioria tornando- se artistas e arte educadores), outros embarcavam no agora programa de formação continuada Ciranda Brasileira, que continua pela sua Roda de Fiar a levar crianças, adolescentes e jovens ao encontro de suas histórias e sonhos, pela Arte e, como prática artística, ampliando suas lentes de mundo e possibilidades, e poetizando suas formas de ser no mundo.

Marias Brasilianas — Espetáculo da Cia Cirandeira

Marias Brasilianas — Espetáculo da Cia Cirandeira

Pelo acúmulo de vivências e experiências de grande riqueza e beleza ao ter em quinze anos formado tantos cirandeiros e atravessado tantas realidades políticas sociais, culturais e econômicas do país, atualmente o Ciranda Brasileira se apresenta com outros arranjos:

Atendendo crianças de 5 a 11 anos nos grupos de Artes Integradas e adolescentes e jovens de 12 a 18 anos no grupo Tribo Arte (um coletivo de criação em teatro, dança e música).

Além de outras ações como o Tear de Histórias e o Pé de Livro integrando o programa que se alastra em iniciativas que cirandoleiam pela cidade, ocupando seus lugares brincantes, de histórias e memória.

Mudamos de casa, testemunhamos mudanças em nossa cidade, os tempos são outros daqueles de sua nascente, mas a essência primeira do Ciranda Brasileira permanece: a de sonhar meninos e meninos redesenhando, reinventando, remodelando, recompondo, pelas suas próprias vozes e marcas, caminhos e possibilidades de se reconhecerem e serem reconhecidos como sujeitos livres, críticos, sensíveis, plenos, solidários, capazes de ousar seus destinos, sendo a arte farol e expressão.

E é pelas vozes de muitos desses meninos e meninas que escrevemos uma história que hoje precisa ser comemorada e um milhão de muitas vezes rememorada para não deixar de rodar esta Ciranda no mundo.

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Claudio Barría Mancilla
astrolábio

Educador, músico e pesquisador chileno residente no Brasil desde 1995. Doutor em Educação pela UFF, sócio fundador da Pluriverso e pesquisador do NIRA-FFP/UERJ