Futebol gay: um drible contra o preconceito

Conheça a história do Alligaytors, time que nasceu com a força da representatividade LGBT.

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Atados Histórias
6 min readJul 30, 2018

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Foto: Acervo

Considerado como um dos esportes mais democráticos do mundo, o futebol ainda é um território hostil e intolerante quando se trata da presença de homossexuais dentro dos gramados. Especialmente no Brasil, onde a atividade é tão difundida, praticamente é impossível ver exemplos de jogadores gays atuando profissionalmente. E quando há, muitos optam por não assumir publicamente a condição sexual para não serem alvos de chacotas. O simples fato de não se enquadrar no esteriótipo de “macho” já faz com que o jogador sofra perseguições homofóbicas por parte dos torcedores. Uma realidade danosa, fruto de uma cultura machista profundamente enraizada na sociedade.

Na verdade, todo esse ambiente adverso contribui para afastar cada vez mais homens gays do futebol — tanto no nível profissional quanto no nível amador, restringindo assim, a atuação de potenciais talentos nas quatro linhas.

Luigi Girotto, fundador do time. Foto: Acervo

O representante médico Luigi Girotto, de 40 anos, sabe o quanto prejudicial pode ser a questão da homofobia no meio futebolístico (e também fora dele!). Homossexual assumido e praticante do esporte, quando criança já experimentava contra si uma série de atitudes preconceituosas por parte dos demais garotos, sendo frequentemente preterido nas equipes em que tentava jogar.

A minha experiência na infância com o esporte foi traumatizante, me sentia frustrado. Comecei então a não frequentar as atividades de educação física da escola por conta dos comentários e da não identificação com o grupo. De fato, você acaba se afastando”, confessa.

Mesmo com a experiência negativa vivenciada no passado, foi justamente no futebol que Girotto viu a chance de superar seus traumas, e tendo algumas equipes gays como exemplos, teve a iniciativa de criar com mais dois amigos (Robson Carvalhaes e Rick Melo) um time exclusivo de homossexuais. Surgia assim, em 2017, o Alligaytors Futebol Clube, primeiro time gay da zona norte carioca.

A iniciativa de Girotto e companhia chamou tanto atenção que logo na estreia do time apareceram mais de 40 pessoas para treinar. Pouco tempo depois, outros entusiastas foram se juntando ao grupo. O universitário Saymon Gomes, de 20, foi um deles.

Saymon Gomes, na direita da foto. Foto: Acervo

Apaixonado por futebol, o jovem viu no Alligaytors a chance de fazer aquilo que mais gostava sem ter que precisar esconder a orientação sexual.

“Respiro futebol o tempo todo. Poder fazer isso sendo gay é fantástico!”, revela o atual meio-campo da equipe.

Antes de chegar no Alligaytors, Saymon até tentou jogar em times héteros, mas logo que sua condição sexual era revelada acabava sendo menosprezado pelos companheiros.

“Cheguei a entrar num time, mas o fato de ser assumido ecoava, então a galera ia me excluindo. Era difícil fazer amizades. Até que me desliguei do time”, relata.

O exemplo do meio-campo do Saymon comprova os obstáculos enfrentados pelos homossexuais quando ousam entrar no meio futebolístico, e desnuda também aquela velha ideia de que homem gay não se interessa por futebol.

Para o co-fundador do Alligaytors, a importância de se ter um time gay vem justamente no sentido “de proporcionar um ambiente de inclusão, de desmistificar o pensamento primitivo de que gays são sensíveis e não podem jogar futebol, de se fazer valer a vontade de praticar o esporte; é uma forma de representatividade”.

De fato, é o espírito de representatividade que move os Alligaytors (os jogadores), podendo ser percebido tal como no significado do nome. Alligaytors faz referência ao termo em inglês “alligator”, que significa jacaré. Girotto associa, metaforicamente, a resiliência e a necessidade de adaptação deste animal em viver num ambiente tão desfavorável (embaixo d’água) com as dificuldades encontradas pela comunidade LGBT de forma geral.

Fotos: Acervo

E é com a bandeira da representabilidade e com a bola no pé que o Alligaytors vem conquistando o seu espaço, marcando presença nas principais competições gays do país. Em abril deste ano, por exemplo, a equipe representou o estado do Rio (junto com os Bees Cats, time da zona sul) na Champions Ligay — campeonato que reúne 16 times gays das principais cidades brasileiras — realizado em Porto Alegre. Na próxima edição do torneio, que vai ocorrer no mês de novembro, em São Paulo, o grupo já confirmou participação.

Vale ressaltar que o futebol apresentado pelo rapazes do Alligaytors não deixa a desejar em relação ao modelo de jogo exibido pelos times tradicionais. Girotto explica que o que os diferencia é mais a questão da empatia, de se colocar no lugar do outro, o cuidado em não machucar o jogador adversário, além, é claro, a forma irreverente de se comportar dentro de campo, pois somente por intermédio de um time gay é possível assistir uma comemoração ao som de Shakira, Beyoncé ou Anitta. E por falar em irreverência, o time tem como madrinha a famosa drag queen Suzy Brazil, figura bastante conhecida no meio LGBT.

Atualmente, o Alligaytors tem uma média de 65 a 68 jogadores e, dentre esses, 22 são voltados exclusivamente para as principais competições; a faixa etária é variada, vai dos 20 aos 36 anos. O elenco conta com um técnico voluntário e um espaço exclusivo para os treinamentos. Aliás, o espaço foi cedido graças a atitude de um empresário que se solidarizou com a causa dos rapazes; no caso dos uniformes também receberam ajuda — foram confeccionados a pedido de um comerciante da redondeza.
Em relação aos treinos, eles acontecem todas as sextas-feiras, das 21h às 23h, no campo Mania de Bola, no bairro de Oswaldo Cruz. A propósito, é relevante mencionar que hetéros também são bem-vindos. Muitos jogadores acabam levando os amigos para assistirem ou participarem dos treinos; porém, nos campeonatos, somente gays atuam.

Ao analisar a rápida trajetória do Alligaytors — o time foi criado em outubro do ano passado, Girotto acredita que o grupo é afortunado, e reconhece que muitos times gays que estão há mais tempo em atividade na cena esportiva gay não tiveram (e ainda não têm) a mesma sorte que a deles. Apesar das dificuldades, ele espera que o movimento possa se fortalecer cada vez mais.

A verdade é que todo esse movimento vem ajudar na democratização do futebol, trazendo para este meio esportivo um grupo que sempre foi “colocado para escanteio”. Trata-se da vontade e do direito de jogar futebol. É como diz Girotto: “futebol é pra mina, pra mano e pra mona”.

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