Ateliê TRANSmoras na Virada Sustentável 2019

Programação incluiu oficina com Vicente Perrotta e desfile-performance com Amélie Bertoluzo.

Antonia Moreira
Ateliê TRANSmoras
4 min readJun 3, 2019

--

Final de semana de abril chuvoso no Padre Anchieta, extremo norte de Campinas. A Virada Sustentável 2019 acontecia em diversos pontos da cidade e ali, na periferia da metrópole, aconteceu uma programação com o Ateliê TRANSmoras.

O Ateliê, espaço de produção artística e intelectual transvestigênere de Campinas produz oficinas, residências, talks e desfiles para eventos culturais, presentes em programações como Casa de Criadores e Virada Cultural.

No sábado, Vicente Perrotta, coordenadora do Ateliê, conduziu a oficina Ressignifique, projeto que visa discutir os padrões da moda impostos pela indústria e as estéticas vigentes, repensando o lugar do corpo gordo, preto, trans ou que fuja à norma.

Nós participantes levamos algumas peças de roupa para serem ressignificadas, ou seja, desapropriadas de seu sentido original e recriadas.

Particularmente me decepcionei com meu resultado, caindo na básica “customização”, que já é muito popular. O processo de Perrotta, entretanto, chamado de “upcycling”, é bem mais radical e ligado à reflexão sobre como consumimos as coisas, que são apenas dadas a nós.

Aprendi, ao menos, umas técnicas novas de costura que são tão úteis e práticas que não sei como vivi sem elas até então.

Entre as peças, vi ali um vestido para boneca criado por uma criança e um belíssimo Kaftan pela Matheusa.

Além delas, a oficina também atraiu e costuma atrair, segundo os integrantes do ateliê, mulheres de todas as idades, em especial idosas e mulheres negras, além de pessoas trans, não-binárias e crianças.

Terminamos com uma sessão fotográfica da Rafa Kennedy usando nossos looks.

por: Rafa Kennedy

Toda a oficina percorre um caminho para refletir, por a mão na massa e se sentir bem com nossos resultados, pois de qualquer modo ficamos lindas maquiadas — obrigada Amélie — e com novas roupas.

Dia dois: a Febre do Jeans

Uma geração de artistas em Campinas usa a moda para expressar seu desejo de um mundo diferente e para denunciar a violência em que corpos marginalizados estão submetidos.

Amélie Bertoluzo, no domingo, produziu sua estreia nas passarelas com sua “Febre do Jeans’

Também integrante do Ateliê e maquiadora na oficina Ressignifique, a performance, drag e estilista nos apresentou sua coleção no evento de sustentabilidade utilizando peças exclusivamente feitas por jeans reutilizado.

Amélie, em performance de John Wayne na troca das modelos.

Para Amélie, “O jeans é um tecido atemporal, ultrapassa gênero e classes sociais. Tento fazer uma marca democrática, o jeans é um tecido democrático o usei em minha primeira coleção por todo seu significado”.

A reflexão sobre a sustentabilidade é um tema comum às pautas desse ciclo de artivismo. O consumismo, responsável pelos grandes ataques da humanidade contra o meio ambiente, é alimentado pelo capitalismo mas não abrange certos corpos — ditos dissidentes — que não se veem abarcados na ilusão do consumo.

Dessa forma, a sustentabilidade ganha muito mais em aprofundamento epistemológico do que só uma preocupação com as próximas gerações. Ser sustentável nessa perspectiva é, por si só, ser anticapitalista e acima de tudo meio de transformação para uma nova sociedade, o que vai muito além do consumo e abrange as relações de poder e a própria estrutura da sociedade.

“A fervência [cultural] nesse conjuntura abre espaços, é o nosso momento”

Segundo Amélie, o momento em que estamos vivendo é definidor no protagonismo que pessoas tranvestigêneres estão conquistando nos mais diversos campos, sobretudo artísticos.

“É algo que a Érica Malunguinho disse uma vez e faz todo sentido para mim, nós, pessoas trans, estamos morrendo e não é de agora, sempre morreu e nunca foi pouco[…] Quando a violência passou para a branquitude, para as pessoas cis, houve mobilização mas travestis estão morrendo desde sempre. […] A fervência [cultural] dada a conjuntura abre espaços, é o nosso momento”.

Para a estilista, o que aconteceu na Virada foi único, “Estava eu fazendo meu desfile com travestis, com gente preta, gente gorda. A Vicente [Perrotta] com sua oficina no dia anterior. As performances de Weyla Mazarin e Vera. Nós temos que se unir, conquistar e hackear os espaços”.

“É justamente mostrar que a gente também é artista, a gente também é pensadora, a gente também escreve, a gente tem ideias”.

O que fica dessa Virada Sustentável a todos os espectadores e envolvidos é o dever de parar de pensar no individual e começar a pensar no coletivo, pois é no coletivo que uma ergue a outra e todas se apoiam. A gente é incrível e precisamos estar juntas e fortes.

--

--

Antonia Moreira
Ateliê TRANSmoras

Bixa travesty em demolição. Redatora e produtora cultural.