Por que não devemos temer um golpe

ou: o que a professora Marilia não entendeu sobre o movimento

André F. Faust
5 min readJun 21, 2013

Quero começar explicando que meu texto não vai de encontro com o da professora Marilia nem com seus ideais. Ele é mais… tangencial. É difícil respondê-lo integralmente e ser sucinto, mas vou tentar, pra isso é importante que leiam o texto dela primeiro: https://medium.com/primavera-brasileira/dfa6bc73bd8a.

Primeiro de tudo vamos a alguns dos fatos. A professora fala que existem pessoas sequestrando o ato do MPL (Mov. Passe Livre), mas não é bem assim. Fala que os protestos são cheios de pessoas despolitizadas, mas não é bem assim. E também fala de fascistas puxando o hino nacional, mas - deus - não é bem assim.

O movimento de protestos que toma conta do Brasil começou sim com o MPL, mas foi só o ponta-pé inicial. Depois de verem muita gente indignada nas ruas outras pessoas se juntaram. As reivindicações aumentaram não por que as pessoas são má intencionadas, mas por que elas estavam de saco cheio por muito mais que um aumento na passagem.

O “sequestro” do movimento é uma jogada política. Esquerda, direita, centro, cima e baixo vão tentar se tiverem a chance. Atualmente essa situação está realmente complicada. O oportunismo de partidos, nos primeiros dias, foi identificado e neutralizado: isso foi ótimo. Agora as pessoas estão hostilizando qualquer bandeira que não a deles… isso é anti-democrático…. e ruim. Não vou opinar mais sobre até que ponto um lado ou outro tem razão mas invariavelmente: não é só um lado que ta jogando aqui, e isso é importante (anotem)

O número de pessoas despolitizadas no movimento é muito grande realmente, mas isso não é assustador. A verdade é que o Brasil É um pais de pessoas despolitizadas, ninguém espera que isso mude da noite para o dia. Uma prova de que não mudou é a “anti-democracia” que eu citei no ultimo parágrafo. A professora Marilia acha isso estranho por motivos históricos e porque ela é militante. Os protestos que ela ia eram uma decisão consciente e política de defender algo em que ela acredita. E ISSO É OTIMO. Essa onda de protestos, por outros lado, não é uma decisão consciente. É um reflexo.

É como encostar o dedo em uma frigideira quente. Reflexo é o que nos faz tirar o dedo dali. Só depois nossa consciência reconhece que estava quente e entende a ação. O momento em que estamos é, como já disse: critico. Tiramos o dedo e agora estamos pensando. Prova disso é que agora que as confusões internas estão aparecendo. Mas o que salvou nossa mão do fogo foi o reflexo, lembrem-se dessa linda metáfora também.

Por fim, para não me alongar, o fascismo. Esse é curto, uma vez que, apesar de ser verdade que os fascistas tinham esse habito, cantar o hino “em si” não é um ato fascista. Da mesma forma que usar branco em passeatas não é “em si” coisa de gente sem causa. Ou ainda: usar jargões de futebol não é necessariamente um defeito social… é só uma manifestação do contexto… da mesma forma que usar jargões da internet. Ou vai me dizer que a comunidade feminista não gosta de falar sobre roupas curtas na marcha das vadias? (a qual eu acho super válida)

Em resumo, até aqui, meu argumento é que: O texto da professora Marilia diz muitas verdade mas cuja conclusão me fazem sempre pensar que “não é bem assim”. E é nesses momentos que lembro que o demônio esta nos detalhes.

Agora vamos aproveitar a deixa do fascismo ali em cima para falar o que mais me incomodou no texto. Ele é sensacional. Apesar de ser uma leitura de quase 20 minutos ele me prendeu o tempo todo. Se eu não acreditasse tanto na veracidade dos fatos apresentados eu brincaria dizendo que é também um dos melhores contos que eu já li. Mas assim eu desmereceria o texto da professora. Essa sedução toda, entretanto, foi o que deixou as minhas luzes amarelas, quase vermelhas de tão laranjas ao ler.

O argumento que permeia todo o texto, e é um dos fatores responsáveis por me prender na leitura, é o argumento do medo. Medo que a própria autora tem. E medo que eu reconheci pois já vi no discurso de amigos meus sobre o mesmo tema: Medo de que todo esse povo que esta nas ruas não esteja andando pro lado deles. Meus amigos, entretanto, são da extrema direita.

Diferente da professora esses meus amigos falam das manifestações nesse tom desde seu inicio. Afinal, para quem é de direita, pessoas na rua pedindo passe livre sempre tem uma tendência ao canhotismo. Da mesma forma, quando começou a ouvir gritos menos marxistas na rua, a professora Marilia, que já se declarou “de esquerda” no texto, ficou com medo de que as pessoas ali não estivessem seguindo seus planos.

Essa semelhança no tom da direita e da esquerda que é o ponto em que eu gostaria de concluir meu pensamento. Voltemos a primeira coisa que pedi para lembrarem: todos os partidos políticos vão tentar puxar a sardinha. É a mesma coisa, só que em esferas diferentes. Quem se identifica com algo, esquerda ou direita, ou determinado partido, vai ver esse tanto de gente andando por ai e querer eles seguindo num caminho que se alie aos seus interesses. Isso, como já disse, era de se esperar, mas, como o medo da professora e dos meus amigos pode provar, não é algo que vá ou deva acontecer.

Voltamos a minha linda metáfora: essa movimentação começou com um reflexo. Esse reflexo não pensou em partido, cor ou lado. Ele só fez. Saiu. Gritou. Fez acontecer algo que eles ouviam em filme e achavam bonito… e talvez nem tenham percebido ainda que fizeram: Deixaram o governo com medo do povo. Sim, o governo. Não a direita golpista ou a esquerda comunista: o governo. Todos os níveis, todos os eleitos. “Os políticos de carteirinha estão com o cu na mão.”

Talvez alguém tente um golpe por causa do caos que está acontecendo. Mas seriam tão oportunistas quanto os saqueadores de loja durante os protestos. Não estão manipulando as pessoas que estão andando. Podem se aproveitar delas, mas ninguém deve culpa-las caso aconteça, pois como eu já disse: eles são despolitizados, agindo instintivamente… por enquanto.

Tiramos nosso dedo da frigideira e agora estamos pensando. Eu penso que dias melhores virão. Que os protestos vão passar. As pessoas vão conseguir uma coisa ou outra. Talvez uma lei, talvez um Renan fora da presidência. De qualquer forma vai passar. O que importa realmente é o que fica nessas pessoas que saíram na rua. Fica o sentimento de poder fazer algo. Fica a vontade de se politizar. Se eu estiver certo veremos o resultado nas urnas logo ano que vem. E eu torço para estar certo.

A esquerda e a direita continuarão brigando pelo movimento. Em parte por que é bom pra eles, em parte por que ainda veem as coisas de forma maniqueísta. A melhor coisa para esse movimento é continuar uma colcha de retalhos. Um mundo de cinza. Assim o movimento dura mais e a semente do “politizar-se” encontrará mais terreno fértil. Lutem por isso quem esta indo as ruas. Lutem por isso e garanto que teremos uma nação de pessoas melhores. E dessa forma um país melhor no futuro.

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