Recorte etário —

William de Jesus Silva 3B
autistascontracovid19
10 min readJul 23, 2020

Introdução

O Comitê de Autistas contra a COVID-19 (CAVID) realizou entre os dias 26/05 e 21/06/2020 um levantamento com 195 autistas de vários pontos do país sobre os impactos causados pela pandemia de SARS-CoV-2 (causador da COVID-19). A maioria dos entevistados é proveniente do estado de São Paulo e tem idades entre 18 e 40 anos ou mais, o que denota a quebra de um mito muito comum dentro da comunidade autista: o de que seria uma condição exclusivamente infantil e predominantemente masculina.

Nesta seção, a proposta é fazer um recorte dos impactos da pandemia de acordo com a faixa etária dos entrevistados, analisando com maior especificidade a pandemia e suas capilaridades.

Entre os 195 entrevistados pelo CAVID, a maioria numérica declarou ter entre 29 e 40 anos de idade (82 respostas), enquanto 72 se enquadravam na faixa entre 18 e 29 anos, 21 se declaravam com idade superior a 40 anos e 14 tem idade entre 12 e 18 anos. 6 pessoas preferiram não responder. Isso nos leva a chegar à conclusão de que autistas adolescentes e jovens estão sub-representados dentro do levantamento, atestando o predomínio de autistas enquadrados nos dois intervalos de tempo superiores (18–29 e 30–40).

Perfil 12–18 (14 entrevistados)

Entre os entrevistados com idade entre 12 e 18 anos, o perfil é majoritariamente masculino, heterossexual e branco: 10 se identificam como sendo do sexo masculino, 9 se consideram heterossexuais e 12 se declararam brancos. Todos os entrevistados nesta faixa etária disseram morar, ao menos, com uma pessoa (8 moram com 3 ou mais pessoas, enquanto 1 mora com 2 pessoas e 5 com uma pessoa).

No que tange ao recorte regional, há um predomínio da região sudeste, com 8 respostas (sendo que 4 advém de Minas Gerais, 3 de São Paulo e 1 do Rio de Janeiro). Depois, vem a região Sul, com 5 respostas (4 vindas do Rio Grande do Sul e 1 de Santa Catarina). O Nordeste está representado com uma resposta, vinda de Pernambuco. Não foram computadas, dentro desta faixa de idade, respostas vindas das regiões Norte e Centro-Oeste, indicando uma sub-representação e um flagrante predomínio dos estados mais ao sul no mapa.

Todos os entrevistados estão cursando o ensino básico (7 estão no Ensino Fundamental, 6 no Ensino Médio e 1 não respondeu). No campo profissional, apenas uma entrevistada está no mercado de trabalho, como atendente em comércio varejista.

Já no campo específico sobre o autismo, 11 dos 14 entrevistados tem diagnóstico formal, contra apenas dois autodiagnosticados e 1 não respondeu. 11 entrevistados declararam possuir Plano de Saúde, mas apenas 3 fazem acompanhamento psicossocial. Para 13 entrevistados (a quase unanimidade dentro desta faixa etária), a pandemia causou, sim, algum tipo de mudança drástica nas suas rotinas.

Nos campos envolvendo reação da família e discriminação, 10 dos 14 participantes declararam que suas famílias aceitam a condição, ante 2 com ressalvas, 1 que não aceita e 1 não respondeu. A quase unanimidade dos entrevistados com 12–18 anos declarou ter sofrido algum tipo de discriminação (13 respostas). No que se refere ao tema Neurodiversidade, apenas um entrevistado declarou conhecer o referido modelo, enquanto 13 afirmaram não conhecer o conceito.

18 a 29 anos (72 entrevistados)

Existe um predomínio da região sudeste, com 48 entrevistados (33 de SP, 7 de MG, 7 do RJ e 1 do ES), enquanto a região Sul aparece com 8 respostas (5 do PR, 2 do RS e 1 de SC), o Centro-Oeste aparece com 7 respostas (quase todas vindas do DF, e 1 de GO) e o Nordeste com 6 (3 do CE, 2 de PE e 1 da Bahia). A região Norte é “lanterna”, com 3 representantes (2 do Pará e 1 do Amapá).

No que tange ao gênero, levando em consideração o recorte binário clássico, as mulheres formam maioria simples (29, contra 28 homens). Autistas não-bináries somam 5 respostas, enquanto aqueles enquadrados na categoria “Outros” (leia-se Xenogênero) somam 4. A sub-representação neste grupo etário ficou entre agêneros e indivíduos de gênero fluido (1 resposta cada).

No campo da Orientação Sexual, a prevalência de heterossexuais se repete, com 32 respostas, enquanto 10 se declararam bissexuais, 9 homossexuais (7 gays e 2 lésbicas), 8 pansexuais, 6 assexuais, 3 na categoria “outras orientações” e 2 demissexuais. Entretanto, mesmo com mais entrevistados, o subgrupo de heterossexuais não é hegemônico, pois perde para todas as outras orientações, se somadas, resultando em 40 respostas fora do arcabouço heteronormativo.

No campo Raça/Etnia, repete-se a prevalência de autistas brancos. Enquanto 23 se declararam pretos e pardos e 4 não declararam raça ou etnia alguma (ou seja, dos 72, 1 em cada 18), 45 se declararam brancos.

Ao menos 1 em cada 5 autistas de 19 a 29 anos declarou morar com uma pessoa (14, no total), enquanto 1 em cada 3 autistas dessa faixa etária declarou morar com 2 pessoas (24), enquanto 25 declararam morar com 3 ou mais pessoas e apenas 8 moram sozinhos (ou 1 em cada 9 deste grupo).

No campo profissional, apenas 28 trabalham, enquanto 44 não estão no mercado de trabalho, o que nos leva a deduzir que uma parte expressiva deles é dependente financeiro de alguém. No que se refere ao nível de escolaridade, existe uma prevalência de autistas no ensino superior (36, ou 50% dos entrevistados estão na graduação e 10 na pós-graduação). 22 estão na Educação Básica (20 estão cursando o Ensino Médio, contra 2 no Ensino Fundamental) e 4 cursam o Ensino Técnico/profissionalizante (1 em cada 18).

Na segunda seção, referente ao contexto psicossocial, 51 autistas possuem diagnóstico formal, enquanto 20 são autodiagnosticados e apenas 1 não respondeu. A maioria não possui plano de saúde (39), contra 33 que possuem. 2/3 dos entrevistados dessa faixa etária (48) fazem acompanhamento psicossocial enquanto 1/3 (24) não o fazem, o que influencia nos campos seguintes.

No que diz respeito ao acompanhamento remoto, a maioria simples (42) não tem acesso a essa modalidade, enquanto 30 tiveram acesso. Isso nos leva a crer, com relação a itens anteriores, que mesmo aqueles que possuem plano de saúde tem tido dificuldade para ter acesso a algum tipo de acompanhamento não presencial.

Quanto à mudança de rotina durante a pandemia, 8 em cada 9 autistas deste grupo (64 de 72) tiveram mudanças drásticas nos costumes, enquanto apenas 8 não sentiram reflexos. Como conclusão, o fato de a pandemia ter modificado, de algum modo, a rotina de quase todos, mesmo entre aqueles que tiveram acesso a modalidades remotas de acompanhamento médico ou psicossocial e quem está no mercado de trabalho.

Existe um empate entre os autistas que tiveram aceitação total de sua condição por parte da família e aqueles cuja aceitação foi parcial (com ressalvas): 26 para cada subgrupo. 9 afirmaram que a condição é rejeitada pela família, enquanto 4 tiveram uma rejeição parcial. 7 preferiram não responder. A utilização da etimologia de ressalvas foi necessária para trabalhar critérios envolvendo margem de erro e transitoriedade. Não obstante, 60 entrevistados declararam não ter sofrido algum tipo de discriminação, frente a 10 que sofreram e 2 que não se manifestaram sobre esse assunto. Isso indica uma surpresa, pois mesmo aqueles que sofrem discriminação dentro da própria família parecem não ter tido esse problema externamente.

Embora a maioria dos 72 entrevistados dessa faixa etária não conheça o modelo da Neurodiversidade (37 respostas), essa hegemonia não é absoluta, pois 33 declaram conhecer o modelo proposto.

30 a 40 anos (82 entrevistados)

Nesse, que é o maior grupo etário em termos numéricos, praticamente metade dos entrevistados é residente na região Sudeste (40 entrevistados, sendo que 33 vivem em SP, 5 no RJ, 4 em MG e 1 no ES). O Sul é a segunda maior região em concentração de autistas nessa faixa etária: 16 entrevistados (8 no RS e 4, respectivamente, no PR e em SC), enquanto o Nordeste registrou 11 respostas (8 no CE, enquanto nos estados da Bahia, Alagoas e Piauí, 1 cada), o Centro-Oeste, com 10 respostas (7 no DF, 2 em Goiás e 1 no Mato Grosso do Sul) e o Norte, com 5 respostas (1 em cada estado: Amazonas, Rondônia, Roraima e Tocantins).

No campo Gênero, novamente há a prevalência de mulheres no recorte binário (38 respostas, contra 30 vindas de homens cisgêneros). No que diz respeito ao recorte não cisnormativo, 2 entrevistados são homens trans, enquanto 4 eram não-bináries, 3 são xenogêneros, 1 agênero e 1 se declarou como gênero fluido. 4 não responderam. Quanto à orientação sexual dos entrevistados pertencentes a esta faixa etária, mais da metade se declarou heterossexual (46 respostas), enquanto os demais ficaram dispersos em respostas variadas. Entre os entrevistados que fazem parte do grupo não heteronormativo, 10 se declararam homossexuais (6 lésbicas e 4 gays), 6 se declararam bissexuais (sendo que um deles ficou entre a bi e a pansexualidade), 3 pansexuais, 3 assexuais (tendo 1 assexual romântica) e 1 não respondeu. 12 entrevistados foram incluídos na categoria “Outros”.

No campo Raça/Etnia, como nos demais blocos etários, a maioria dos entrevistados se definiu como sendo branco (57 respostas), frente a 13 autistas pretos ou pardos. A novidade nesse bloco é a presença de autistas indígenas (2 entrevistados) e de autistas com ascendência asiática (3 entrevistados). 5 preferiram não declarar o recorte.

Com relação à convivência, houve um empate entre aqueles que moram com uma e com duas pessoas (23 entrevistados para cada resposta). Neste bloco, a maior parte dos entrevistados (28) afirmaram morar com 3 ou mais pessoas, enquanto 8 declararam morar sozinhos.

No campo profissional, diferente dos dois primeiros blocos etários, a maioria detém ocupação (44 entrevistados), contra 38 que estão sem emprego. Não obstante, mais à frente, tal indicador mostrar-se-á discrepante. No que diz respeito ao nível de escolaridade, a maioria está no ensino superior (agregando graduação e pós-graduação): 57 entrevistados. Com relação àqueles que estão no ensino básico, 18 estão ou já concluíram o Ensino Médio, enquanto 2 estão ou já concluíram o Ensino Fundamental. 5 entrevistados estão no Ensino Técnico/Profissionalizante.

Na segunda seção, repete-se o predomínio de autistas com diagnosticados: 60, contra 17 autodiagnosticados e 5 que optaram por não responder à pergunta proposta. No campo do acompanhamento médico, 38 responderam possuir plano de saúde, enquanto 44 não possuem. Tal maioria se inverte no que diz respeito ao acesso a acompanhamento psicossocial (49 responderam SIM, contra 33 que responderam NÃO), mas não se reflete com relação ao acompanhamento remoto (51 responderam NÃO, contra 31 que responderam SIM). Como em blocos etários anteriores, a mudança de rotina durante a pandemia é uma quase unanimidade: apenas 16 disseram não ter tido alterações de rotina durante a pandemia, enquanto a maioria (66 entrevistados) disse ter tido.

Com relação ao campo de comportamento, 34 disseram que a família aceita a condição de autista, enquanto 26 tem aceitação parcial, 9 não tem aceitação plena por parte da família e 4 tem rejeição parcial. 11 não opinaram sobre o tema. A maioria (59 entrevistados), como no primeiro bloco, sofreu algum tipo de discriminação, contra 16 que não sofreram discriminação e 7 preferiram não responder.

Como nos primeiros blocos etários, o desconhecimento sobre o modelo da neurodiversidade é majoritário: 51 pessoas responderam NÃO e 31 responderam conhecer o modelo.

Acima de 40 Anos (21 entrevistados)

O segundo menor em termos numéricos na pesquisa, teve um predomínio regional do Sudeste, com maioria esmagadora vinda de São Paulo (10 respostas, contra 3 do RJ e 2 de Minas). O Sul foi a segunda maior região, com 3 entrevistados (1 de cada estado), enquanto as demais regiões (Centro-Oeste, Nordeste e Norte) tiveram 1 resposta cada.

No quesito “Gênero”, houve um predomínio feminino (14 respostas), contra 6 homens e 1 pessoa de gênero fluido. Com relação à orientação sexual, é quase unânime a heterossexualidade (19 respostas), contra 1 bissexual e 1 de orientação indeterminada (enquadrada na categoria “outros”).

Com relação ao recorte étnico-racial, 17 entrevistados se declararam brancos, contra 2 pretos ou pardos, 1 pessoa de ascendência asiática e 1 que optou por não responder. Nesse bloco, inexistem autistas indígenas acima de 40 anos.

No campo da convivência, praticamente todos os entrevistados moram, ao menos com uma pessoa (10 moram com 3 ou mais pessoas, contra 6 que moram com duas e 3 que moram com 1 pessoa). Apenas dois entrevistados moram sozinhos.

No campo profissional, como no bloco etário 30–40, a maioria numérica tem ocupação: 13 entrevistados, contra 8 que estão sem trabalho. A maioria dos entrevistados também está no ensino superior (9 fazem graduação, contra 5 na pós-graduação e 1 no doutorado). 3 entrevistados estão cursando ou já concluíram o ensino técnico/profissionalizante, enquanto 1 concluiu ou está fazendo o Ensino Fundamental (mesmo número com relação ao Ensino Médio) e, curiosamente, 1 respondeu não ter qualificação alguma. Nesse bloco, a formação acadêmica pode ter refletido em encaixe no mercado de trabalho.

No campo destinado ao autismo, há um equilíbrio entre quem tem diagnóstico formal e quem tem autodiagnostico: 10 de um lado, 9 de outro. 2 optaram por não responder.

12 entrevistados afirmaram ter plano de saúde contra 9 que não tem. Não obstante, nem todos que tem plano fazem acompanhamento: dos 21 entrevistados, 10 tem acesso ao acompanhamento psicossocial e 11 não o tem. Os mesmos números foram verificados com relação ao acesso a acompanhamento remoto, estabelecendo, portanto, uma relação de coerência.

Com relação à mudança de rotina, 6 em cada 7 entrevistados desse bloco etário declararam ter tido alguma mudança de rotina, contra 3 que não tiveram alterações significativas.

A aceitação por parte da família foi apontada por 9 entrevistados, enquanto 7 tem aceitação parcial e 3 sofrem rejeição. Nenhum entrevistado apontou rejeição parcial e apenas 2 não responderam. Os mesmos 2 não declararam se sofreram algum tipo de discriminação, contra 13 que a sofreram e 6 que não.

Como nos demais blocos etários, o desconhecimento sobre o modelo de neurodiversidade é presente: 13 não conhecem, contra 8 que o conhecem.

Autistas sem faixa etária declarada (6 respostas)

Em poucas palavras, o perfil dos autistas que não declararam idade é majoritariamente masculino (5 respostas), heterossexual (3 respostas, contra 2 da categoria “Outros” e 1 que não respondeu) e de desempregados (apenas 1 tem ocupação profissional). Em termos de escolaridade, apenas 1 é pós-graduado, enquanto 2 estão no Ensino Fundamental e 1 no Ensino Superior (Graduação). 2 responderam “mãe de autista”, o que nos levou a classificar tal opção na categoria “outros”.

Todos os entrevistados desse bloco possuem diagnóstico formal, mas apenas 1 possui plano de saúde. Há um empate entre aqueles que tem ou não acompanhamento psicossocial (3 x 3), mas esse equilíbrio é quebrado no que se refere ao acompanhamento remoto, pois nenhum deles teve acesso a essa modalidade de atendimento. A mudança de rotina foi percebida por 5 dos 6 entrevistados.

A aceitação por parte da família parece ser quase unânime nesse bloco: apenas 1 pessoa deixou de responder essa questão, mas em contrapartida, 5 dos 6 entrevistados sofreram algum tipo de discriminação. Nenhum deles conhece o modelo de neurodiversidade.

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