O ‘MITO’ DO SOL E DA LUA

Arte Escrita
anevasconcel
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7 min readJan 25, 2019

22 de janeiro de 2019.

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“Não tenhas medo de iluminar, é na escuridão que brilham as estrelas.”(Callegari)

Conto: O ‘Mito’ do sol e da lua

Houve uma explosão assombrosa, o universo estava saturado das bombas tecnológicas desenvolvidas pelos humanos, a vida perdia suas gotas de sangue que eram trocadas por líquidos que faziam rodar os motores robóticos, o sangue esfriava a cada dia, dando espaço ao calor das máquinas que conquistavam os espaços humanos.

Quase não se raciocinava, o motor original se aposentava, a ideologia nova era a de que não se precisava pensar reflexivamente, nem enxergar com os olhos nus, qualquer resposta estava disponível em máquinas da nova geração, nascidos da bolha da super informação, o viajar por páginas e páginas é raro; sem tempo para fantasias, ocupados pela intensa escravidão de uma ambição em desenvolver tecnologias ansiosas por recriar o universo, explicar a sua origem e substituir as almas que por entre os seus caminhos trafegam, a terra se perde na razão de ser.

O homem, por longo tempo, ultrapassou as barreiras quase impossíveis na mente de remotos antepassados, conquistou parcialmente o espaço, tirando seus pés do solo do então planeta terra, recriou uma imitação de vida que se deduz desalmada, que anseia chegar ao posto de criador de almas, uma fórmula jamais desmistificada até então, mas, cheia de crenças e razões que possuem algum sentido lógico e valor sublime, resumidamente, inexplicável.

Apesar dos grandes feitos dos filhos do misterioso universo, a espécie humana sempre esteve em guerra, talvez seja esse o motivo de não se compreender as peças que faltam do quebra-cabeça da vida, as peças não se entendem, nem sempre se encaixam, nem sempre estão dispostas a ocupar o espaço que lhes são destinado, essa é a tradução do egoísmo máximo, quando cada peça volta seus olhos para as próprias ambições, relutando e devastando para alcançar tão pequeno valor que jamais ultrapassará a maior charada do invisível, que reluta em revelar-se. As peças estão soltas e distantes, por toda a extensão terrena. Se as guerras são a destruição da espécie, esta espécie é que destrói a si e as demais peças que pertencem ao mesmo conjunto de respostas tão pesquisadas.

O universo gira aos olhos humanos conforme é conduzido pela posição da natureza, os impactos sofridos por esta são a simples reação às ações em terra. A luz tem se acendido dia a dia, tem forçado os caminhos ignorados pela mentalidade convergente ao sangue robótico.

Tantas mortes, tanto desespero por recriação, imitação da origem fonte natural, por uma sombra de uma ignota perfeição que esgotou as persistentes e piedosas luz do sol e luz da lua. O alcance à casa dos pais das luzes não está à disposição para especulações e ousadas convicções de ultrapassar o que nem mesmo há certeira explicação, ao quebrar-se as lógicas do pensamento humano, sem concretas respostas, com pontas soltas e muitos questionamentos, pouco se tem.

O sol não abriu a porta de sua casa, deixou seus raios que iluminam toda a terra longe dos novos humanos, a lua, aderindo a razão solar, imitou a mesma posição — sendo clara em sua exigência às estrelas para que seguissem o mesmo –, e foi assim que houve na terra um primeiro dia, e uma primeira noite, sem luz após o princípio que se diz.

O que é a noite sem a luz da lua e das estrelas? Basta desligar a falsa luz que ilumina um quarto, deixá-lo em total escuridão, fechar as janelas, as cortinas, e tapar qualquer buraco que permita a luz entrar… fechar os olhos, deitado no chão, com a mente totalmente consciente, de olhos fechados, ainda que a impaciência, o medo e a ansiedade relute, é possível compreender, essa é uma pequena experiência que denota o mundo sem luz.

Algumas cidades estavam iluminadas pelas luzes artificiais, mas algo ocorreu, a explosão afetou todo e qualquer canto da terra, olhos não humanos podiam ver braços mecânicos e pernas mecânicas espalhados pelo chão. Os humanos, desesperados, saíram às cegas de suas casas, aglomerando-se pelas ruas obscuras; suas cabeças elevavam-se ao céu à procura da lua, das estrelas, ou do sol. Em suas mentes tinham a certeza de que era dia, então, era o tempo em que o sol trabalhava, mas onde o sol estava ninguém sabia.

Muitas horas se revelaram com o tempo, todos perderam a noção de dia, e de noite, nada robótico funcionava, nenhuma tecnologia acessível, e a escuridão persistia em cegar os olhos humanos, as famílias foram se perdendo, crianças longe dos pais, mães com suas barrigas quase a dar à luz, homens intelectuais tentando recriar luz… nada era possível fazer.

Em algum lugar da terra, em fazendas e campos longe das cidades, alguns obtiveram luz, fizeram fogueiras e se reuniram com o intuito de aguardar que o fim do mundo retirasse as suas almas dos corpos.

Para o não conhecimento da humanidade, uma semana se apreterou-se sem as luzes do sol, da lua, e das estrelas. Condição natural para alguns humanos, os deficientes visuais, estes que já estavam habituados a uma vida sentida não dependente da luz, embora, assim como os demais, necessitassem da luz do sol e, também, da lua. A fome já fazia os corpos desfalecer, a insanidade se apossou de muitas mentes, mortes acidentais e por atos de desespero ocorreram, nada havia de se fazer, o império do obscuro estava decidido a manter a terra em jejum de luz, era o caos da incompreensão, sem sol, e sem lua, qualquer objeto que fizesse fogo logo perderia sua função sem o calor do sol.

Os já convencidos com seus olhos em trevas — Os filhos do escuro — receberam uma mensagem do universo, suas mentes foram tomadas por uma única e temorosa voz que lhes falou sobre a ausência do sol e da lua, explicou-lhes que a lua e o sol se recusavam a iluminar vidas que se esvaziavam de sangue, vidas que trocavam seus corpos por peças maquinais, abastecidas por líquido frio.

“Conduzam as vozes, todas que puderem, para que cantem a canção do ‘agradecimento’, somente assim, por tempo que não revelarei, será possível que a lua e o sol retornem a jorrar luminoso. ”

Os homens de ciência tentavam reunir pedaços de suas tecnologias, chegaram a pensar em criar um sol e uma lua, insistiam em identificar objetos que encontravam pelo chão, passando a mão e reconferindo com as demais opiniões, por mais que tentassem, foram convencidos pelas limitações de que não seria possível, precisariam de fonte de luz, de fonte de energia, e teriam que enxergar cada pedaço de matéria prima para poder fazer um sol e uma lua que ao menos se aproximassem das formas naturais.

O pensamento “fim do mundo” agora tomava todas as mentes e afligia todos os corações, menos os filhos do escuro, estes tinham uma missão que logo colocariam em prática.

A mensagem do universo foi transmitida pouco a pouco; alguns riram com a certeza de que os filhos do escuro estavam loucos, mas, quando os primeiros ensandecidos decidiram seguir as orientações do universo, outros despertaram para o mesmo caminho.

Sem muita demora os grupos tornaram-se numerosos, foi necessário, primeiramente, fazer alguns ensaios que ocorriam quase que sincronicamente em cada canto do planeta terra, até mesmo os animais pareciam treinar a canção do ‘Agradecimento’. Após todo o mundo ter marcado na mente e na alma, a canção, os filhos do escuro conduziram a ópera final.

Canção do Agradecimento

Oh, sol, como a tua luz não há outra

Oh, lua, como a tua luz não há outra

Somos gratos pelo o calor que toca nossa pela

Somos gratos pela claridade e pontos estelares

Nossos dias e nossas noites são muito mais claros

Agradecemos ao brandor da lua

Agradecemos a energia do sol

Suplicamos que retornem

Só somos vida, só temos sangue

Com as luzes do Sol e da lua.

Talvez tenha sido esse o único momento em que, se não toda, a maior fatia da humanidade, com sangue vivo em seus corpos, estiveram unos, todos voltados para o mesmo objetivo que lhes era comum, com o coração, a mente e a alma ensaiados em uma luta sem armas, o único instrumento que se utilizou foi a voz, numa ópera de agradecimento.

Esplendoroso foi, o universo quase chorou ao assistir o espetáculo ao lado do sol, e da lua, as vozes humanas alcançaram o coração pulsante de luz das fontes de iluminação natural. Havia alternância nos timbres, ensaiaram tão bem em meio ao desespero que ao universo deu a impressão de que a canção era cantada há séculos.

Todas as cabeças, novamente, voltadas para o céu; os olhos sedentos de luz, as vozes, interpretando o desespero, fizeram o maior e mais belo espetáculo apresentado ao universo, este os fez compreender, com um fluxo de luz em suas mentes, que eles eram apenas um dos frutos que recebiam os benefícios do sol, para o dia, e da lua — com suas estrelas -, para a noite.

Foram horas e horas de canção, até que os corpos caíram todos ao chão, a terra estava tomada por corpos — alguns mortos há dias –, animais tristonhos e esquecidos, peças e máquinas se misturavam com os corpos no tabuleiro voltado para o céu. Algum tempo se passou, não se sabe ao certo quanto, e a escuridão, aos poucos, cedia espaço para uma lua que, receosamente, dava as caras.

Quando os corpos se edificaram, a luz do sol feriu todos os olhos, as mãos humanas criou um pouco de escuridão, uma fraca barreira aos raios solares.

Vagarosamente foram reacostumando o corpo, e os olhos, com o calor, e com a iluminação, incontáveis mãos em direção ao céu estavam, em posição de reverência à luz.

Anne Twain.

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Espaço dedicado a conteúdo literário. Contos de ficção e fantasia, poesias, gotas de horror e um pouco de filosofia e artigos. De: Ane Vasconcel e Anne Twain.