27. Teste

André Monsev
Delirium Oficial
Published in
11 min readSep 20, 2018

Graças a uma ajuda desconhecida, o prédio onde fica a Estação de Rádio foi mudado de lugar, permitindo com que as ondas sonoras voltassem a atingir o seu dispositivo.

Agora o AVdD faz parte do OVERCAST: overcast.com.br
Conheça os podcasts de alta qualidade que aceitaram se rebaixar e figurar em um mesmo ambiente que o medíocre e às vezes até mesmo detestável A Voz de Delirium.
Se você gosta do AVdD — e esperamos que sim — certamente irá se deliciar com a agradável companhia do radialista Ceará no Informe do Almanaque do Jovem Fazendeiro, por exemplo.

Vá, escute, divulgue e sorria!

deliriumoficial.com

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Twitter: @avozdedelirium
E escreva para a estação: escrevaparadelirium@gmail.com
Escrito, editado e produzido por: André Monsev e Lucas Kircher em 2017
Capa: trecho de pintura de Edward Hopper

Se você gostou desse texto, recomende ele com aplausos. Isso ajuda a espalhar a palavra d’O Grande Pássaro pelo Medium!

Leia o episódio:

Cíntia, você acha mesmo que essa ideia idiota vai dar certo?

Já são vários programas que não conseguimos transmitir para eles…

Veja só, já estamos no episódio 27 e as reclamações são de que as transmissões pararam no 13.

Ok, tudo bem, tudo bem, eu entendi. Só estou querendo dizer que acho que só mudar o prédio de lugar não vai adiantar de nada, e além do mais…

Espere um minutinho aí Cíntia

Eu acho que deu certo…

Parece… sim! De fato, parece ter dado certo!

Olá, ouvinte! Bem-vindos de volta a mais um A Voz de Delirium!

Se você possui uma mesinha de cabeceira ao lado da sua cama, deve ter percebido que de ontem pra hoje apareceu ali um panfleto com design desastroso convidando você para visitar o Museu de História Artificial. Essa ação de marketing é mais uma tentativa d’O Governo de criar incentivo à cultura para pensarmos com nossas próprias cabeças, votarmos com consciência quando a ameaça da próxima Eleição surgir e aprendermos de uma vez por todas que Poesias são desprezíveis.

Foi portanto, motivado pelo aroma de tinta fresca do panfleto, que decidi vestir meu Oxford nos pés, sobrepondo o par de meias coloridas, ligar para Cíntia Firme e avisar que eu estaria então indo em direção ao Museu de História Artificial para continuar o programa de lá.

Quando adentramos o Museu de História Artificial, criado graças ao Fundo de Incentivo à Loucura da Parma Drogas, entramos não apenas em um ambiente de temperatura módica e regulada como também em um espaço de história módica e regulada.

Porque é aqui, no Museu de História Artificial, que somos poupados do que de fato ocorreu durante a fundação de Delirium. Ao invés disso, vemos como um triângulo brilhoso e sem fundo se materializou anos atrás nos céus da cidade e deixou todo mundo com um sorriso implantado no rosto. Podemos desfrutar da história de vida feliz de Max, o Urso Bipolar, e da opção que ele tomou de bom grado em dedicar sua existência a entreter aos visitantes do Zoológico e Centro Psiquiátrico de Delirium.

Isso tudo só é possível porque o Fundo de Incentivo à Loucura permite a contratação de historiadores recém formados pela Universidade Não Regulamentada do Opinistão. É lá que se desenvolve o melhor da História Artificial, que havia sido escondida de você todos esses anos e agora, enfim, ressurge nos holofotes graças ao período de alta luminosidade. E também ao YouTube.

Conversamos com um dos historiadores que realiza o trabalho de organizar e idealizar a História aqui no Museu de História Artificial, e ele nos explicou um pouco de como é o trabalho científico de produção por trás da História que vemos pronta para o consumo nas exposições do Museu.

Para a conversa, enviamos Repórter, que sentou na única cadeira colocada em cima de um tapete persa bem no meio de uma sala em que não era possível enxergar o teto.

Repórter ouviu os passos pesados que denunciaram a chegada do historiador, fazendo com que o assoalho tremesse. O homem tinha uma borboleta no lugar da gravata e vestia um jaleco mais preto que o preto. De tão escura, a vestimenta do homem parecia não possuir textura.

O homem parou na frente da cadeira, mordeu uma pêra que carregava na mão e avisou Repórter que ele poderia começar seu questionamento. Repórter limpou a garganta, agradeceu o consentimento do historiador para que a entrevista fosse realizada, e disse que não se tratava de um questionamento, mas sim de uma conversa amigável. O homem enrugou a testa e disse que não existem conversas amigáveis, e deu mais uma mordida na pêra após fazê-la dançar para lá e para cá em sua mão. Repórter se resignou ao motivo de ter ido lá, pegou seu bloquinho e fez então a primeira pergunta.

“Como funciona o processo cient-” — quando Repórter tentava concluir a pergunta, o Historiador se pôs a responder em cima do que ainda estava sendo completado.

“O processo científico de estudar a história é bem simples. Primeiro, se toma de princípio que todo mundo que já viveu está morto, exceto quem ainda vive. É importante então separar os mortos dos vivos na história. Os vivos ainda vivem e podem alterá-la. Os mortos estão mortos e só poderão alterá-la em duas hipóteses: no caso A, os mortos poderiam enviar uma correspondência do Além. Mas é bem sabido dos impostos e encargos dessa operação burocrática. Na hipótese B, os mortos podem ter deixado alguma espécie de simbologia como testamento, mas que precisa de muitos anos para ser compreendida. Na hipótese C, só haveria se houvesse de fato hipótese C.”

O homem fez uma pausa para arrancar mais um pedaço da pêra e limpar o queixo com as costas da mão. Enquanto isso, Repórter transcrevia as respostas como conseguia.

O homem então continuou sua explicação, sem cerimônia.

“Em relação ao processo científico de se estudar história, em segundo lugar, é importante considerar que todo mundo até o ano de 1953 era absolutamente insano”.

Repórter tentou intervir com um “Como assim” e mais uma vez não conseguiu concluir sua questão.

“Por insano eu quero dizer que todo mundo era louco. Irracional.”, o cientista interrompeu a pergunta já com uma resposta, e continuou sua elucubração, “Bom, racional, mas distorcidamente racional. Todo historiador que se preze sabe muito bem que até aquele ano, todo e qualquer material escrito está equivocado. As vertentes políticas até lá são todas malucas, o mundo foi governado por loucos até ali. A partir daquele ano houve o Grande Esclarecimento, similar ao Brilho nos Céus que estamos vivendo hoje, e isso nos tirou de uma era terrível em que alguém poderia te agredir na rua por você soltar uma flatulência ou ameaçar alguém com uma arma. Você entende a gravidade disso? Ameaçar as pessoas com uma arma era inadmissível até então. O motivo científico atribuído a isso é o que eu mencionei: todos eram loucos até então. Totalmente Lelés da Silva”.

Repórter estava paralisado. Eram tantas perguntas a serem feitas que ele resolveu apenas agradecer pela entrevista, se retirar e pedir a demissão aqui da Estação.

Felizmente, lembramos ele que o contrato é irrevogável e que ele tem uma espécie de pacto de sangue involuntário. Além de algo relativo à saúde do filho e da mulher dele. Não lembro bem.

E, bom, pelo menos não vivemos mais naquela era de loucuras!

Vamos agora nos abster um pouco do conteúdo cultural e histórico obtido até aqui, porque acabam de chegar as novidades meteorológicas.

O Instituto de Previsão de Chuvas, Sol e Tempo Agradável Na Sombra emitiu um aviso de caráter emergencial a todos os delirianos. Segundo o Instituto, uma frente de calor está se aproximando da nossa cidade e, de acordo com o termo técnico usado na meteorologia, tem o “objetivo de matar a todos nós.” Adalberta Niña, a porta-voz do Instituto, disse que não há motivos para preocupação ou desespero porque, embora as previsões sejam bastante pessimistas, no fim das contas não há nada que possa ser feito.

Ela fechou a nota emitida à imprensa recomendando o parque de diversões aberto recentemente pelo seu primo, na periferia da cidade. A polícia então, ao ficar sabendo disso, abriu uma investigação e, portanto, Adalberta Niña está presa desde então na delegacia sob acusação de nepotismo.

Portanto lembre-se, nada de lutar contra o inevitável. Apenas mantenha-se convicto de que, sim, seus órgãos provavelmente começarão a explodir mais cedo ou mais tarde graças ao calor insuportável e, não, não há a menor probabilidade disso te deixar mais atraente para aquela pessoa que tem te “dado um gelo”. He he he.

Ouvintes, bem-vindos à Biblioteca do Museu de História Artificial de Delirium!

É aqui neste espaço pouco maior que uma ratoeira que diversos livros são colocados em estantes para que cidadãos possam tirar fotos do ambiente e publicar no Instagram. Segundo dados da Secretaria de Cultura e Subversão, só no ano passado foi registrada uma média de oito selfies por dia aqui. Um marco invejável se você considerar o de Cientus, que possui números tão irrisórios que nem irei citar.

Também foi aqui que Bartoloméia teria escrito suas memórias nos Diários de Expedições Extraordinárias.

Como se isso não fosse o suficiente para trazer mais relevância a esse ambiente, aqui você pode encontrar quase toda a coleção do Joia Rara, exceto as Edições Proibidas.

As “Edições Proibidas” foi uma minissérie escrita por Psúrdio Loyola em parceria com um autor desconhecido nos anos 80, mas, segundo a polícia, essas edições foram roubadas da biblioteca por um homem com pouco mais de dois metros de altura e um sobretudo. Desde então, Psúrdio nega ter sequer escrito tal material e alega que tudo não passa de uma confusão de roteiro por parte de quem produz o podcast no qual, segundo ele, é a realidade em que vivemos.

Mas o mais impressionante desse espaço é certamente o silêncio conservado para que seja possível tirar selfies e fazer pequenos vídeos para as redes sociais sem ser importunado, criando assim uma atmosfera fidedigna de um ambiente respeitável. E é graças à impossibilidade de transmitir aromas por redes sociais que os seguidores dos influenciadores que aqui frequentam são poupados de sentir o cheiro insuportável do ambiente, que remete a um misto de querosene com leite estragado.

Um espaço que sem dúvida vale umas três selfies quase idênticas.

Não é só porque estamos dentro do coração da História Artificial Deliriana, que os fatos pararam de ocorrer lá fora, não é mesmo? A história está sempre sendo escrita. A todo o momento. E então ela é, depois, reescrita, para ganhar forma e se encaixar à narrativa que se adequa ao que precisamos lembrar. Ainda assim, ela está sendo escrita. E a melhor forma de ver a história sendo escrita é com o SHOT DE NOTÍCIAS!

Vamos a ele!

  • “Foi um momento sublime”, diz esposa de homem que não desdenhou da opinião política que ela havia emitido no jantar e alcançou então um plano superior de existência. Após o ato, Joaquim evaporou no tempo de um sopro, provavelmente indo para o tal plano superior. As roupas de Joaquim foram transportadas para o Museu de História Artificial e estão expostas temporariamente na ala denominada de “O Homem Que Fez O Mínimo”.
  • Médico erra mensagem por causa de corretor ortográfico escrevendo por acidente “conglomerado” ao invés de “apêndice” e se torna o terceiro maior milionário de Delirium.
  • Startup de jovens irreverentes cria um novo cereal que comerá você no café da manhã.
  • Cientistas descobrem que vegetais também sentem dor da própria forma particular deles e concluem que o mundo é apenas uma esfera de dor, sofrimento e angústia para tudo que nele reside.
  • Time de golf de mão local vence importante campeonato e agora terá de se preocupar com o inevitável crescimento desenfreado de pêlos pubianos.
  • Nova área do Museu da História Artificial é inaugurada. O espaço exibe as cinzas de diversas personalidades, lugares e obras que teriam sido importantes para a história de Delirium caso ainda estivessem entre nós de uma forma menos… poeirenta.

E esse é o fim do nosso Shot de Notícias! Agora você está enfim informado o bastante para postar seu julgamento a respeito de todos esses acontecimentos nas redes sociais.

Na terceira ala do quinto andar existe, na sétima entrada à direita, três portas. Ao entrar na do meio, se você conseguir subir as Escadas Inacessíveis, há um corrimão vertical. Escalando ele, você enfim chega a uma sala escura onde não há nada. O desapontamento com o ambiente após exercer tanto esforço fará você perceber que deveria ter descido o corrimão vertical. O que faz bem mais sentido.

Descendo o corrimão, portanto, você chega em uma sala oval com quadros de moldura reta colocados no chão. Devido à curvatura das paredes, infelizmente não foi possível pendurar as obras ali e, após tanto trabalho para acessar o ambiente, nenhum funcionário aceitou levar as pinturas para outro lugar.

Nesse ambiente há uma única funcionária que se chama Durvalina Komka.

Durvalina está próxima dos cinquenta anos de vida e é a assalariada com o contrato mais recente do Museu de História Artificial. Quando entramos na sala oval escura, Durvalina se ergue e prontamente faz uma reverência. A Sra. Komka contou que trabalhava no Departamento de Sombras, desempenhando o papel de Sombra De Idosos em uma das avenidas mais movimentadas da cidade mas, devido ao Brilho que não para de brilhar no céu, sentiu que o trabalho a estava exaurindo por completo. Por isso, aos 48 anos e meio, Durvalina se viu na difícil situação de sair do emprego em que exerceu pelos últimos 28 anos para procurar alguma alternativa.

Enquanto conversávamos, perguntei a Durvalina sobre aspirações. A mulher então admitiu, balbuciando com certo embaraço, que já sonhou em ser poetisa, mesmo que isso pudesse lhe custar a liberdade. Afinal, a Poesia pode muito bem ser considerado um ato obsceno, com diversos juízes que consideram a proclamação de poesia um atentado ao pudor e podendo até mesmo ser considerado como tentativa de homicídio.

Após muito custo, deixei aquele ambiente com a absoluta certeza de que o gosto de amargo que sinto na língua é uma das consequências dessa tal de “vida”, que acorda todos os dias com a gente pela manhã. Também cheguei à conclusão que aquele ambiente no qual Durvalina trabalha é um gigantesco desperdício oval e um tanto quanto imbecil, e que não há dúvidas de que eu, como bom cidadão que sou, detesto poesias.

Anos vindo a esse Museu, e eu nunca havia percebido A Janela.

Uma abertura alta, retangular, instalada em uma área de tanto destaque.

Parece até proposital e inconveniente.

Seria uma obra? Seria parte da História Artificial de Delirium?

Bem em frente à janela, ainda no lado de dentro, um banco com as mesmas dimensões de largura dela se estende apoiado na parede. O assento é de quartzo preto. Sento para descansar as pernas. O rodapé da parede abaixo da janela parece um muro minúsculo que esconde uma cidade perdida.

O que há por trás das paredes?, pergunto a mim mesmo.

De onde vem minhas dúvidas e por quê algumas delas só se manifestam como sensações?

Sem focar em ponto algum, minha razão de existir se esvaece como o pólen no ar.

Pergunto a mim mesmo de que serve o conceito da janela. Fechada, se torna desproposital, mas então como posso saber qual o propósito se não consigo enxergar mesmo com ela escancarada?

Afoito, desvio o olhar para o centro da vista e observo todas as matérias possíveis

contra o Brilho dos céus

em absoluto

silêncio.

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André Monsev
Delirium Oficial

ux writer/content designer, co-creator and producer of A Voz de Delirium (in portuguese!) https://linktr.ee/avozdedelirium