Análise | Death’s Gambit (PC)

Uma bela jornada entre os significados da vida, da morte e do arrependimento, mas que conta com pequenas imperfeições.

Rafael Smeers
Aventurine Brasil
12 min readAug 30, 2018

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Art © by White Rabbit

Lançado em 14 de agosto de 2018, Death’s Gambit é o primeiro jogo da desenvolvedora independente White Rabbit, que agora busca aprimorar imperfeições causadas por um “limite” de data de lançamento. Uma parte considerável do conteúdo do game também acabou alterado ou removido devido ao ocorrido.

Categorizado como um RPG de ação e aventura, o título explora mecânicas da série Souls em conjunto a intensas batalhas 2D e uma narrativa repleta de significados. O game foi publicado pela Adult Swim Games, a mesma responsável por publicar Pool Panic e Battle Chef Brigade.

Death’s Gambit está disponível para aquisição via Steam ou GOG (PC/macOS/Linux) e PSN (PlayStation 4). O jogo não conta com modo multijogador local, e nem multijogador online.

O título conta com localização (incompleta) para o Português Brasileiro.
Esta análise
contém spoilers leves.

Enredo

Um compromisso com a morte

O jogo se passa em Leydia, região de um planeta medieval alienígena. A história acompanhada pelo jogador começa quando Sorun, o protagonista, morre em uma batalha e se encontra com a Morte em pessoa. Aproveitando da situação, a Morte resolve fazer uma proposta ao guerreiro: a sua vida em troca da eliminação de entidades que desafiam o serviço da morte e perambulam por Leydia, os Immortals (pois é, o termo é um tanto quanto comum no enredo em geral).

Sorun assina um contrato com a morte com o seu próprio sangue, é transformado em uma espécie de morto-vivo (que quando derrotado tem sua alma transferida pela Morte para outro corpo, já uma espécie de imortalidade) e controlado pelo jogador, avança pela região de Leydia. Conforme o enredo avança, o protagonista descobre seu verdadeiro objetivo, e figuras importantes para o aprimoramento das habilidades de Sorun são encontrados, revelando mais sobre os acontecimentos que levaram ao apocalipse da sociedade, além de exporem seus próprios objetivos.

Os personagens também mudam seus diálogos com Sorun conforme ele derrota Immortals e assim alcança maiores números de FEA (Abreviação de “Fear”, em Português, Medo). Quanto mais FEA o jogador tiver, mais eventos anormais Sorun tende a presenciar, forma pela qual o acesso a áreas especiais acontece. A única forma de diminuir FEA é rasgar o contrato com a Morte (visível no inventário do jogador) e entrar em um modo de permadeath (vida única). Se o contrato for rasgado, a FEA de Sorun passa a diminuir cada vez que um Immortal é derrotado, desta forma evitando o acontecimento de eventos específicos.

Conforme o jogador (ou melhor dizendo, Sorun) é derrotado e sua alma troca de corpo, intervalos de tempo fazem com que o passado do personagem seja revisitado, e seus maiores arrependimentos, revividos. Este é um dos fatores utilizados pelo jogo para abordar o terror da imortalidade, e as trocas de corpo de Sorun também são usadas para construir algumas mecânicas de gameplay.

Os pontos negativos da imortalidade não só são constantemente abordados através de diálogos e exemplos, como vividos pelo personagem (que nem mesmo alcançou imortalidade completa ainda) durante sua aventura. Trancafiado em uma cela, por exemplo, as únicas opções do jogador para escapar das grades são utilizar uma pena de corvo (item que permite retornar à última estátua utilizada) ou o suicídio através do uso de uma faca encontrada na própria cela (conveniente coincidência).

Ao longo do tempo, Sorun também procura por seus familiares. “Vivendo” na incerteza do que poderia ter acontecido com eles, este ponto também atua como responsável pela construção da falta de sentido da vida para o protagonista. Se seus parentes estiverem mortos, não seria a vida uma maldição em vez de um benefício? Se estiverem vivos, não seria a espécie de imortalidade uma garantia de que ele um dia jamais poderia vê-los mais?

Para quebrar um pouco o clima pesado e a seriedade do tema, momentos de humor criam situações únicas e memoráveis, possivelmente um dos motivos pelo qual o jogador acaba incentivado a continuar sua jornada (além de descobrir o destino final e a função de cada peça no fim da missão).

Mesmo com personagens e um mundo bem construídos, Death’s Gambit por vezes (intencionalmente ou não) acaba confundindo o jogador em meio às memórias e às transições entre o fictício e a realidade, que nem sempre são tão explícitas. Existem algumas cutscenes finais que são exclusivas de números específicos de FEA, e como poderíamos esperar de um jogo do gênero, algumas informações sobre a história só são reveladas desta forma e através da exploração de caminhos opcionais. O enredo de Death’s Gambit não é perfeito, mas utiliza de personagens memorávies para abordar reflexões interessantes e constrói uma boa ambientação ao gameplay.

Gameplay

A jogabilidade de Death’s Gambit é outro fator que conta com algumas imperfeições, mas nada que acabe invalidando a satisfação de derrotar um chefe desafiador ou explorar novos cantos. Basicamente, o objetivo do jogador é desbravar o mapa e derrotar os Immortals que encontrar. Para começar, o jogador deve escolher uma classe, que determina seus atributos e equipamentos iniciais. Por se tratar de um jogo no estilo Souls, a tendência é que o jogador espere poder redistribuir seus pontos em algum ponto da campanha. Porém, não é possível fazer isso, e testar diferentes classes e armas se torna um esforço inviável, considerando que um novo save terá de ser criado.

Em sequência, o jogador deve escolher um item inicial. Assim como na franquia Souls, estes itens variam entre bombas e outros consumíveis. Cada arma conta com três ataques básicos (que formam um combo), um ataque aéreo, um ataque de rolamento e um ataque pesado. Cada ação utiliza uma quantia de Haste (barra verde), que gradualmente se regenera. O jogador deve aprender a utilizar sua quantia de Haste de forma cautelosa, cancelando ataques inimigos com ataques pesados e ordenando rolamentos somente em momentos específicos.

Independentemente da arma que escolher, o jogador poderá usar também um arco básico. O arco permite interromper ataques e cortar cordas/correntes distantes, além de levemente danificar o oponente. Por fim, mas não menos útil, Sorun também pode equipar um escudo. O escudo permite bloquear ataques em troca de quantias de Haste, que quando esgotada, acaba forçando o jogador a abrir sua guarda, vulnerabilizando-o por um tempo preocupante.

O jogador pode adquirir novos equipamentos através de NPCs vendedores, itens espalhados pelo mapa, oponentes comuns e versões “heróicas” de chefes (que podem ser desafiadas a partir do momento em que cada um deles são derrotados). Entre estes novos equipamentos, estão também capas, elmos, botas e auras que garantem melhorias na defesa e outras especificidades, mas também exigem um mínimo (puro) em certo atributo para serem usadas.

A classe escolhida pelo jogador também determina um talento inicial especial, que garante bônus de construção de Energy (barra roxa gasta para utilizar habilidades especiais) por ataques específicos. Novos talentos podem ser desbloqueados através da derrota de chefes, que recompensam o jogador com pontos de talento.

Os talentos atuam, em sua maioria, como habilidades passivas de suporte, e determinam como o jogador deve agir. Existem talentos, por exemplo, que aumentam o dano de Sorun após o uso de um ataque de rolamento, e outro que determina um aumento no dano após completar um combo básico.

Falando em habilidades especiais, Sorun pode equipar até três habilidades de uma única vez. Como existem poucas variações de ataques básico, é importante que o jogador saiba fazer uso de suas habilidades. Novas habilidades podem ser adquiridas através de talentos, da troca de Shards em NPCs, ou no túmulo de alguns chefes já derrotados. Estranhamente, algumas armas (como a Halberd, a Spear e a Scythe) demoram bem mais para receber novas habilidades, e por este motivo podem acabar afastando jogadores. Também é possível encantar/aprimorar armas em um ponto um pouco mais avançado do jogo.

Durante as batalhas, ataques especiais de inimigos são denunciados por uma barra amarela que carrega ao longo do tempo e por caveiras vermelhas que expõem a área de efeito de golpes mais perigosos. A variedade de inimigos é média, mas existem efeitos interessantes causados por oponentes específicos, como magias que danificam Sorun e deixam a tela de cabeça para baixo, parasitas que devem ser removidos do inventário antes que seja tarde e fantasmas que só se tornam vulneráveis quando expostos à luz.

Os itens consumíveis (como bombas de cristal, de fogo, cristais de luz, o warp orb e o abyssal eye) também tem usos bem interessantes em situações específicas. Basta usar a criatividade e estes itens eventualmente ajudarão o jogador em momentos de aperto.

Existem inúmeros fatores que poderiamos citar em Death’s Gambit, mas com sua jogabilidade constantemente comparada com a série Souls, é importante especificar: apesar de muitos fatores serem sim baseados e parecidos com a série Souls, muitos outros acabam o distanciando do “gênero”. Enquanto efeitos negativos como Curse (Maldição) e Poison (Veneno) funcionam da mesma forma que em outros jogos da série Souls, os “Ídolos da Morte” (equivalente às Bonfires de Dark Souls) não tem função de teleporte, e as Penas de Fênix (equivalente aos Estus Frasks de Dark Souls) contam com variações de efeito equipáveis. Porém, assim como em Dark Souls, a possibilidade de matar NPCs não hostis cria situações especiais e interessantes variações de destino.

Quando o jogador morre, em vez de deixar suas Shards para trás, ele simplesmente perde uma de suas Feathers de cura e não pode utilizá-la até pegá-la novamente ou pagar Shards para recuperá-la. O mapa também funciona de forma diferente. Basicamente, todas as áreas do jogo são interligadas por um túnel principal, onde o jogador pode chamar seu cavalo através de um sino para então manualmente locomover-se de forma mais ágil. O túnel é gradualmente aberto conforme o jogador derrota o chefe principal da região, desce no lado oposto da porta que impede o avanço no túnel e a abre.

Fonte: Neoseeker

Por vezes, basear-se na série Souls (ou pelo menos afirmar isso) parece ter sido o erro do título. A jogabilidade de Death’s Gambit pode desagradar (ou ao menos causar grande estranhamento) aqueles que procuram simplesmente por uma experiência Souls 2D. A ação do título, por exemplo, é muito mais frenética e fast-paced do que em jogos da franquia Dark Souls.

Mas quem procura por um bom jogo de plataforma, não tende a se decepcionar. Existem batalhas criativas e divertidas, e uma curva de aprendizado agradável nas habilidades do jogador fazem da experiência um bom desafio, sem desvios muitos confusos do caminho principal (apesar da sensação de desespero causada algumas vezes pelo enredo).

Complexidade

Além do aprimoramento de equipamentos e do acumúlo de Shards para subir de nível, Death’s Gambit tem um número de desafios extras para oferecer ao jogador. Coletar todos os tipos equipáveis de pena e todos os tomos escondidos de chefes que contribuem para dar mais dano são só algumas das adições que garantem certa complexidade ao jogo.

Desafiar as versões heroicas de chefes já derrotados, explorar áreas opcionais, conquistar baús que só abrem se nenhuma pena tiver sido usada ou que regeneram sua vida rapidamente e desbloquear todas as habilidades e completar o jogo com todas as armas garantem boas horas adicionais de jogo aos interessados. Uma das conquistas do jogo, por exemplo, requer que o jogador complete o jogo em menos de 4 horas. Em tese, isso só é possível através do cancelamento do contrato com a Morte, que como dito anteriormente, acarreta na diminuição gradual de FEA e permite pular partes da aventura, além do fato de que quantias específicas de FEA podem ocasionar cutscenes especiais também no final do jogo.

O cenário de speedrunning do título também promete situações interessantes. Se não forem separadas por categorias específicas, o cancelamento do contrato com a Morte garantirá boa vantagem de tempo em speedruns, mas também o risco de colocar tudo a perder com uma única morte.

Após encerrar a aventura pela primeira vez, também é possível iniciar um New Game+ 1, 2 ou 3, aumentando a dificuldade do jogo. E é claro, os itens e os talentos de Sorun são mantidos, possibilitando adquirir por exemplo a conquista de desbloquear todos os talentos.

Audiovisual

Cenários e faixas sonoras de tirar o fôlego

Se as imperfeições na jogabilidade e no enredo de Death’s Gambit significassem uma compensação em algum outro fator, este fator seria o audiovisual. Os gigantes cenários em pixel art, acompanhados de uma mistura de 3D com 2D e uma trilha sonora épica (e muito memorável) criam a ambientação ideal para o título. A diversidade de cenários, as animações e a atenção aos detalhes (como armas de inimigos derrotados que ao sair voando e bater em uma parede acabam fincadas) também merecem reconhecimento, e provam mais uma vez que a Adult Swim Games sabe escolher jogos com visuais marcantes para publicar.

Curiosamente (apesar de não ser tão raro), o design de vários sprites e materiais de Death’s Gambit foram alterados várias vezes durante o desenvolvimento do jogo. O próprio protagonista conta com dois modelos diferentes; basta procurar por screenshots do jogo e você provavelmente esbarrará com uma versão de Sorun sem adornos dourados em sua armadura.

Death’s Gambit também conta com uma dublagem impecável, que contribui para a caracterização de cada personagem. No final das contas, o audiovisual do game é um motivo e tanto para enfrentar suas imperfeições.

Desempenho

Não houveram quedas de frame rate ou fechamentos inesperados durante nossa experiência com Death’s Gambit, mas tearings aconteceram frequentemente em mapas grandes como Central Sanctuary. Não existe opção de ativar V-Sync, e apesar dos tearings não atrapalharem de forma significativa no jogo, ainda trata-se de um problema; e um problema que poderia ser resolvido de forma fácil. Vários jogadores relataram a existência de ghost hitboxes (“áreas fantasmas de acerto”), e apesar de alguns trechos em que o jogador é punido por se esconder depois de entrar em batalha, foram poucas as vezes em que nos sentimos “injustiçados”.

O time da White Rabbits ainda trabalha na elaboração e aplicação de melhorias e correções de bugs através de atualizações. Desta forma, é possível que em um futuro próximo os tearings também sejam resolvidos, e as hitboxes, aprimoradas.

Resolução utilizada: 2560x1080 (21:9 Ultrawide)
Versão utilizada na análise: 1.02

Análise — Death’s Gambit (PC)

Algumas das análises negativas de Death’s Gambit na Steam vem de jogadores que esperavam por uma experiência metroidvania como a de Dead Cells, ou de jogadores que acompanharam o projeto durante o seu desenvolvimento e acabaram revoltados com o conteúdo removido para cumprir a data de lançamento. Quem procura por um metroidvania não encontrará em Death’s Gambit tudo que gostaria.

Pessoalmente, não tive problemas com a jogabilidade e outras mecânicas do título. O game tem sim suas imperfeições e claros potenciais para melhorias, mas batalhas criativas, em conjunto de uma boa ambientação e de personagens interessantes fizeram com que eu apreciasse o título de uma forma que a maioria parece não ter apreciado.

Talvez o segredo seja experimentar Death’s Gambit sem expectativas ou comparações específicas; simplesmente esperando por um bom jogo de ação em plataforma. Se mesmo assim você se decepcionar, uma coisa é certa: as vistas de Leydia e a trilha sonora da aventura deixarão uma marca em suas lembranças.

Avaliação do jogo segundo o autor da análise: 7/10 —Bom
Análise produzida com cópia digital cedida pela Adult Swim Games.

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Rafael Smeers
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