Nosso desafio com squads, cultura e agilidade em meio a uma pandemia

Claudio Santos
b2w engineering
Published in
12 min readMar 24, 2021

Se procuramos pelo termo “squads” na internet, os resultados que mais aparecerão no buscador serão aqueles relacionados à definição do termo e a cases de sucesso para você se inspirar na hora de montar um “modelo revolucionário” de gestão de equipe. Ao clicar em um dos links dessa segunda opção, serão dois os exemplos que aparecerão na tela com maior recorrência: o do Spotify e do Nubank.

Sei disso pois, quando foi me apresentado o desafio de desenvolver um modelo de squad na B2W Digital dentro do time do Marketplace, fiz o que acredito que todos que já passaram por uma missão gigantesca e semelhante a essa fizeram. Correram para internet e estudaram as cartilhas desses dois gigantes.

Implementar um modelo de squad é muito mais do que juntar negócios e desenvolvedores. Ainda mais falando de uma das maiores empresas de tecnologia do país. Mesmo que eu seguisse estes manuais de sucesso à risca, ainda teríamos muitos quilômetros para caminhar, além de estabelecer uma cultura de melhoria contínua entre todos os envolvidos, que é uma das premissas deste tipo de modelo.

Por isso, mesmo com um norte bem definido, teríamos muito trabalho pela frente.

O Desafio

O principal desafio encontrado foi agilizar o processo da área de Produtos. Essa é uma área que recebia tanto demandas dos stakeholders quanto novas features e projetos de muito tempo de estudo para serem encaminhados para a “Tecnologia” transformar em um produto pronto e sem erros.

E neste ponto, as prioridades muitas vezes não eram as mesmas. Note que na frase no início do parágrafo anterior há o verbo “agilizar”.

O conceito de agilidade geralmente é mal interpretado, pois está diretamente ligado a velocidade. O melhor sinônimo a ser empregado aqui seria se tornar eficiente durante a mudança de curso.

E aqui peço a atenção de vocês leitores para explicar essa definição: não adianta ser rápido em executar se não é eficiente em mudar a rota ou mesmo o desafio. É isso que dá a vantagem ao negócio.

Existirão experimentos neste processo? Sim e serão bem vindos como aprendizado, tornando-se variáveis de correção desta rota.

“Se for falhar, falhe cedo, falhe barato e aprenda rápido”

Aliás, a principal função da gestão deste modelo organizacional é promover um ambiente seguro para testar “o novo”, com garantias de evolução contínua. Percebe-se que nos experimentos, o aprendizado é muito maior do que em receitas de sucesso.

Celebratio Grid
Celebration Grid (Fonte: https://agilers.com.br/agilers/celebration-grids-do-management-3-0-funciona-mesmo/)

Outro ponto de atenção é quando uma determinada feature iniciava seu desenvolvimento. A área de Negócios mudava alguma informação por força da dinâmica do mercado e, com isso, iria mudar também o desenvolvimento. Muitas vezes este processo de alteração perdia seu “time” de vantagem competitiva, pois era preciso finalizar o desenvolvimento em andamento para aplicar as modificações.

Neste sentido, precisávamos diminuir as distâncias de comunicação e alinhar todos em uma mesma prioridade. Desta forma, a entrega em prazos mais aceitáveis seria uma realidade fácil de alcançar, segundo o “manual das Squads”.

Patrocínio

Me cabe aqui um destaque muito especial. Nada disso funcionaria sem um bom patrocínio. Embora “Squads” e “Agilidade” se direcionem para a autogestão. Um patrocínio forte é vital para sua implementação e, neste caso, tivemos muita sorte de contar com o apoio de um diretor e outros dois grandes gerentes que tinham a mudança como foco e um time de projetos focado na capacidade de mudar de Scrum Master para Agilista. Vale lembrar também que nada daria certo se todos os outros envolvidos no processo não tivessem abraçado a ideia de “fazer diferente”.

Mãos à obra

Iniciar a implementação da squad não foi um processo tão simples quanto unir todo mundo em grupos, pois existe um fator complicador extremo nisso: pessoas! Muito embora não seja surpresa nenhuma, pessoas são muito complexas. Alguns comportamentos são imprevisíveis e causam muitas alterações neste modelo organizacional.

Logo no início, optamos por mapear todas as pessoas e os possíveis grupos ou squads que fariam sentido, pensando no fluxo de trabalho como um todo. Neste momento, as técnicas de Management 3.0 nos ajudaram bastante e meses pós-expediente para traçar a mudança organizacional.

Estudo de possibilidades de Squads e suas interações (arquivo do autor)

Lembro que fazíamos isso dentro de uma sala envidraçada enquanto todos iam embora. Curiosos olhavam para saber o que diabos três gerentes ficavam trancados jogando algum tipo de jogo de tabuleiro ou RPG. Quem dera fosse isso.

A maior preocupação neste momento eram os sistemas internos ou de micros serviços que não são descentralizados e podem ser alterados por um time sem impacto direto no outro.

Ou seja, não éramos tão parecidos assim com nossos modelos já citados (Nubank ou Spotify). Aliás éramos bem diferentes até da nossa irmã, a Ame Digital, que já nasceu neste cenário privilegiado.

Cada vez ficava mais claro que tanto nossa própria cultura como nossos sistemas internos e legado nos levavam a desenhar algo bem mais distante dos modelos genéricos, direcionando os esforços para um modelo customizado com a nossa cara e realidade.

Fizemos algumas dinâmicas utilizando mais ferramentas do Management 3.0 para identificar motivadores e como poderíamos melhorar cada um dos pontos apresentados. Assim como para alguns assuntos, já definimos o grau de delegação, utilizando o Delegation Board.

Dinâmica de motivadores intrínsecos (arquivo do autor)
Dinâmica de motivadores intrínsecos (arquivo do autor)
Dinâmica de motivadores intrínsecos (arquivo do autor)

A ideia com isso era mitigar o maior número de problemas de organização e relacionamentos possíveis e mapear áreas que poderiam ser problemas em um futuro próximo.

Obviamente problemas existiram logo na largada. Por exemplo, não tínhamos UX/UX Writer para todas as squads planejadas até o momento. Desta forma, deveríamos ter pessoas em outras squads trabalhando em conjunto, o que não foi um problema até uma parte do processo.

Depois de meses com rascunhos, dinâmicas e análises, chegamos à definição do Dia D, porém o mundo forçosamente mudou. Chegou o Covid-19.

Um cenário caótico

Assim como todo mundo, não sabíamos se ficaríamos em casa uma semana ou um mês. Fato é que esse novo modelo organizacional precisava ser colocado em prática. Tínhamos em mente sempre o “Manifesto Ágil” e não mais os manuais de squads, voltando às raízes de agilidade para seguir em frente:

· “Indivíduos e interações mais que processos e ferramentas;

· Software em funcionamento mais do que documentação abrangente;

· Colaboração com o cliente mais do que negociação de contratos;

· Responder a mudanças mais do que seguir um plano”.

Já estávamos em desvantagem de novo com as interações prejudicadas neste cenário de pandemia, entretanto, responder às mudanças faz parte do conceito de Agilidade. Então fomos em frente.

Go for Launch and Litoff!

Reuniões virtuais com todos para explicar o novo modelo organizacional. Sempre enfatizando que agora a direção era de autogestão e horizontalidade de comunicação.

As decisões do que fazer e como fazer são tomadas em cada squad. Os gerentes estavam cada vez mais próximos e as dúvidas poderiam a todo momento ser solucionadas pelos Líderes de Chapter ou Tech Leaders. Enfim, um cenário da perfeição organizacional na prancheta sendo colocado em prática.

Neste primeiro momento, rodamos um Moving Motivators, também do Management 3.0, para entender como estava a motivação intrínseca de todos. E os resultados nos animaram ainda mais:

Radar de motivadores intrínsecos (arquivo do autor)

Meta e curiosidade foram as maiores pontuações, onde a meta foi definida como “para mim é importante saber que posso focar e canalizar as energias em uma direção” e curiosidade como “para mim é importante explorar e investigar novos temas”. Era claro que um time com foco e disposto a explorar novos temas e soluções estava alinhado com o desafio das squads.

As nossas ferramentas Jira e Confluence foram grandes aliadas na documentação e na organização de estórias e épicos alinhados às nossas diretivas de valor da Companhia e organização das sprints, além de tarefas que estavam planejadas. Ou seja, tudo certo para nosso Moonshot.

Porém não foi bem assim…

Houston, we have a problem

Inicialmente, definimos o SCRUM como a melhor forma de acompanhar os planejamentos e tarefas em sprints de 15 dias por ser simples e a maioria das pessoas, de alguma forma, já sabia como funcionava.

Mesmo assim, fizemos alguns workshops com os times e, posteriormente, aproveitando a certificação gratuita da CertiProf de Scrum Foundation Certification, promovemos um curso para todos que quisessem tirar seu certificado.

Cerca de 90% dos associados que participaram do nosso curso interno conseguiram o a aprovação. Assim, tínhamos um time engajado e mais motivado. E quase todo certificado!

Porém, a quantidade de cerimônias do SCRUM e seus time boxes (daily, planning, review e retrospectives) ocupavam muito o tempo de algumas pessoas. Informações essas que eram compartilhadas entre as squads, incluindo neste cenário “agilistas” e “líderes de chapters”.

As dailies, principalmente em alguns momentos, ocupavam a manhã toda de determinadas pessoas, geralmente voltadas à QA, que não estavam dentro das Squads e funcionavam como um ongoing, recebendo as atividades prontas para testes. Elas precisavam acompanhar tudo que acontecia.

Algumas pessoas chaves que não se adaptaram ao novo modelo pediram para sair, nos deixando preocupados com o caminho que estávamos trilhando.

Com relação a performance dos times, nas primeiras sprints as entregas eram melhores que o modelo antigo. Ou seja, entregamos mais, porém o custo de pessoas estava bem alto, com insatisfações e não entendimento de alguns papéis, mesmo com o processo rodando a alguns meses. Entretanto a comunicação entre a área de negócios e time de desenvolvimento funcionava como um relógio suíço.

Resolvemos aproveitar melhor as retrospectivas que tratavam de problemas e sugestões de soluções para fora das squads. Com esses feedbacks, decidiu-se mais uma vez mudar algo que veio de um manual de fora, o próprio SCRUM.

Mudamos as cerimônias de planning e review, considerando-as como sessões de comunicação e não mais com foco em planejamento. Hoje, a review é feita em uma live pelo Workplace com transmissão para toda a Companhia.

O refinamento, com um foco totalmente voltado ao planejamento, é feito em uma única reunião com os Stakeholders, Product Owners e Gestão, para o direcionamento de novas diretivas de valor, caso existam. Nesta cerimônia também são tratados os itens não entregues na sprint anterior.

Com estas mudanças, foi otimizado o tempo de todos. Entretanto, tempo não era o problema principal, mas sim alguns papéis que eram trocados ou explorados de maneira equivocada.

Com os Product Owners não foi diferente. O esperado deles era um papel muito mais estratégico e eles estavam muito operacionais. Ficou claro que era preciso entender o que eles também esperavam com o que estavam fazendo. Fizemos uma pesquisa com os POs e Gestão e o resultado foi a confirmação de que precisávamos mudar, e logo.

Análise de expectativa x realidade para POs (Dinâmica de motivadores intrínsecos (arquivo do autor))
Análise de expectativa x realidade para POs na visão da Gestão (Dinâmica de motivadores intrínsecos (arquivo do autor))

Métricas e estimativas

Um outro ponto de atenção foram as métricas aplicadas. Era claro que, além do Manifesto Ágil para direcionar as decisões organizacionais, as pessoas deveriam estar cada vez mais engajadas e motivadas.

Era preciso entender qual a demanda que cada Squad poderia cumprir. Por isso, as estimativas foram, de certa forma, as mais simplificadas possíveis. Ao invés de adotarmos Fibonacci, por exemplo, resolvemos ser mais lúdicos e seguir o caminho com métricas mais simples de tamanho (PP, P, M, G e GG, quebrando as tarefas em duas sprints).

Quando falamos de métricas ágeis, claro que poderíamos focar em outros métodos, porém o principal objetivo era melhorar o planejamento.

Cada desenvolvedor tem seu planejamento e acompanhamos o realizado. Como resultado, temos o delta de carga de cada squad para conseguirmos auxiliar no planejamento das tarefas.

Claro que as estimativas vão se aperfeiçoando com o tempo, sem a pretensão de na primeira ou segunda sprint ter um cenário de esforço completo.

Acompanhamento de métricas de planejado x realizado (arquivo do autor)

Um ponto de atenção é que as métricas de realizado e planejado nunca foram utilizadas para comparação entre desenvolvedores ou mesmo squads. O objetivo de cada uma define seu próprio ritmo de trabalho.

Estas são as métricas operacionais que norteiam a melhoria do planejamento. Como mencionado anteriormente, ainda há as métricas estratégicas que são totalmente alinhadas aos objetivos da Companhia. Em nosso caso, Vender Mais, Atrair mais e Operar Melhor.

São avaliadas as estórias e seus épicos, relacionando quais são ligados aos objetivos de valor, direcionando a cadeia de valor ao desenvolvimento.

Pessoas, o bem mais valioso de todos

O Manifesto Ágil é a bússola de todo o processo de mudança organizacional com o pilar central sendo as pessoas.

Em uma das retrospectivas, a gestão recebeu o seguinte feedback: “a gestão não se importa com as pessoas”. Essa reclamação foi como um sinal de emergência sendo aceso na nossa frente. As entregas iam bem, continuamos entregando mais do que antes, mas será que estávamos esquecendo as pessoas em algum momento?

Se as equipes não estivessem em trabalho remoto, bastava um café com alguns para entender o que estava acontecendo. Só que nesta nova realidade fica muito mais difícil avaliar o que acontece.

Com este sinal de alerta ligado, mudamos o formato da cerimônia de retrospectiva. Geralmente ninguém da gestão participa, sendo um momento seguro da squad.

O status atual exigia que alguém da gestão direcionasse a pauta não com as squads, mas com cada grupo ou tribo. Back-ends, Front-ends, UX, QA e Líderes foram ouvidos sem censura e o resultado foi muito importante.

Ficou claro que, embora as entregas estavam sendo feitas com sucesso, existia problemas de sobrecarga de pessoas, papéis sendo ocupados nas lacunas de tomada de decisão e impedimentos que não eram tratados.

Era necessário refazer todos os acordos. De todos os feedbacks nasceram novas necessidades e novos desafios. Desta vez, ampliamos o acordo com todos fazendo de modo colaborativo esse novo modelo de papéis e responsabilidades, com todos participando desse processo horizontalmente.

Papéis e responsabilidades colaborativo (arquivo do autor)

Um Padlet foi criado para votar, criticar e avaliar todas as propostas baseando-se nos feedbacks de todas as reuniões de retrospectivas. Essa foi a maneira encontrada para renovar os acordos, com foco novamente nas pessoas.

Pra finalizar

Esta não é uma receita de bolo ou mesmo um manual de como fazer ou não fazer. O relatado até aqui foi nossa experiência dentro do Marketplace, sem receios dos erros que aconteceram, pois estes foram utilizados como aprendizado. Sempre que necessário vamos mudando a rota, como está no Manifesto Ágil.

A pandemia criou um cenário precário quando o assunto é interação humana, mas abriu um outro leque de inovação e precisamos abusar disso de todas as formas.

Os feedbacks precisam ser mais criativos e a comunicação muito, muito mais fluída. Não cabe mais a escada especialista passar para o coordenador que passa para o gerente que passa para o diretor. Perdemos tempo com isso e tempo é muito caro.

Se posso deixar um conselho é de que realmente indivíduos e interações são mais que processos e ferramentas, podemos ter os melhores escritórios com os melhores equipamentos e softwares de apoio, sem as pessoas engajadas e motivadas no propósito de mudança organizacional alinhado a cultura da empresa, é praticamente impossível a melhoria.

O espírito de “dono do negócio” deve sempre nortear e, nisso, posso dizer que temos as pessoas certas hoje.

Outro ponto que vale ressaltar, os modelos Nubank, Spotify e Ame Digital são um grande sucesso. Acredito que na realidade e na cultura deles, com certeza adaptações devem ser feitas para adequar a sua realidade. Não dá pra tirar da prateleira e colocar pra rodar direto, na minha opinião, ou pelo menos na experiência que tivemos.

Temos falhas ainda, embora nossas entregas são muito maiores e melhores do que no passado recente, mas sabemos onde devemos melhorar e seguimos em frente.

Quem sabe, em um futuro próximo tenha mais novidades deste nosso modelo organizacional, por hora vamos evoluindo!

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