Da gratidão ao fracasso: minha (curta) experiência como empreendedor social

Gustavo Kremer
Backstage Talks
Published in
8 min readAug 2, 2018

Texto escrito pelo convidado do mês, Pedro Casali.

Construção da sede de uma cooperativa no Norte de Uganda. Março de 2018. Foto por Tucker Cochiarella.

Dezembro de 2017. Eu era formando de Engenharia de Controle e Automação na UFSC, em Florianópolis e já tinha terminado todas as minhas matérias, restando apenas o Trabalho de Conclusão de Curso (o TCC) para o início de 2018. Estava também com 3 grandes amigos em uma premiada startup, sobre a qual faria meu TCC e onde, provavelmente, daria início à minha carreira de Engenheiro. Na teoria, a situação era perfeita. Na prática, nem tanto. Não me identificava com a “causa” da startup e não me via, a médio prazo, continuando na empresa. Eu precisava de uma mudança. Precisava achar algo que me trouxesse maior satisfação e até sentimento de pertencimento. Assim, tranquei o curso e me juntei com um amigo e mais 4 desconhecidos (isso mesmo!) para criar uma organização sem fins lucrativos: a InSpark Lab.

A nossa ideia era simples: ajudar pessoas de comunidades carentes a criarem seus próprios negócios sociais, auxiliando desde a identificação de uma oportunidade até na gestão e coleta de indicadores. Optamos por fazer nossos primeiros projetos no exterior, nas mais adversas das condições, visando nos preparar para sua eventual implementação no Brasil. Passamos por Quênia, Uganda e Índia ao longo de 4 meses para prototipar, aprimorar e validar nossa proposta de valor. Passado este tempo, o grupo se dissolveu, cada um seguiu seus próprios projetos e a InSpark, como foi criada, já não existe mais. Neste texto, irei compartilhar nossos erros e aprendizados (sob minha visão) para auxiliar você, empreendedor(a), com seu negócio — seja ele social ou não.

  1. Escolha bem seus sócios
Facilitando uma dinâmica de grupo com voluntários na Índia. Abril de 2018. Foto por Tucker Cochiarella.

No caso da InSpark, fomos bastante ousados: juntamos um grupo de (praticamente) desconhecidos, de países diferentes e de perfis diferentes, que se conheceram por acaso para iniciarmos o projeto. Cada um tinha seus níveis de conhecimento e de experiência e sua expectativa. Isso gerou um claro desalinhamento e às vezes até frustração desde o começo da InSpark. Sentíamos dificuldades em decidir coisas simples, em ter discussões produtivas, em chegar em comum acordo… Tudo isso fez a rotina de trabalho ser muito desgastante. Com o passar do tempo, a relação entre a gente foi piorando até saturar em meados de abril de 2018, quando optamos por cada um seguir seu rumo.

Não me entenda mal: todos (incluindo eu!) tinham suas qualidades, seus defeitos e um potencial enorme. Infelizmente, não tínhamos muita “química” de trabalho nem muitas similaridades de visão e expectativas em relação à organização. Por isso que não deu certo. A lição que fica, então, é importantíssima: ao começar um negócio, faça-o com pessoas que você confia, que tem entrosamento profissional e que estão com expectativas similares às suas.

2. Identifique-se com a causa

Reunião aberta com a comunidade, no Norte de Uganda. Março de 2018. Foto por Tucker Cochiarella.

É muito fácil gostar da causa de algum projeto social, afinal, todos (espero eu) propõem contribuir para uma sociedade melhor, cada um de seu jeito. Uns preferem trabalhar com educação de crianças. Outros com dependentes químicos. Há até aqueles que preferem lutar pelo direito de animais. A causa de todos é nobre, isso é inegável, mas para começar algo próprio no âmbito social, é preciso que você se identifique com ela. É preciso que, de alguma forma, você também sinta a dor que você quer solucionar.

Muitas vezes, é algo com que você ou alguém de seu círculo próximo, pessoalmente, sofreu. Em outras, é apenas um problema que você possui muita motivação em resolver, por acreditar no impacto que isso causaria. Fato é que pouco importa o motivo, mas a paixão genuína precisa existir — e é esse sentimento que vai servir como combustível nos momentos mais difíceis da empreitada.

Mas, há um porém: querendo ou não, certas causas são muito mais “vendáveis” do que outras e isso faz diferença na captação de recursos e buscas por parcerias. Trabalhar com crianças, por exemplo, chama mais a atenção do que ex-presidiários. Não cabe a mim dizer se isso é justo ou não, estou apenas apresentando a realidade. No caso da InSpark, nossa causa era o empreendedorismo: queríamos usá-lo como única ferramenta necessária para a construção de um mundo melhor.

Alguns de nós éramos forte credores nisso (inclusive eu), mas outros não se identificavam com ela — o que também gerava problemas em nosso dia-a-dia. Além disso, é uma causa que se provou não muito “apelativa” a investidores e patrocinadores. Mas falarei disso depois.

3. Problemas com nosso produto

Reunião com Conselho da cooperativa criada pela InSpark. Março de 2018. Foto por Tucker Cochiarella.

Enquanto empreendedor, é normal sentir receio em relação à ideia. No nosso caso, na InSpark, o receio era generalizado e, de certa forma, justificado. Nós nos propusemos a ajudar pessoas com baixa escolaridade a criar seus próprios negócios, mas não tínhamos muita experiência prática com isso. Tínhamos sim conhecimento teórico, força de vontade e diversas competências, mas ninguém ali tinha começado seu próprio empreendimento. A InSpark foi o primeiro para todos. Entretanto, o maior problema não foi esse. Para os negócios que criamos (agricultura, padaria…), nossa metodologia mostrou-se robusta, depois de vários refinamentos e melhorias contínuas. A maior dificuldade estava, na verdade, nas pessoas.

Com o término de um projeto, dependíamos de pessoas locais para liderarem e executarem os negócios criados. Entretanto, essas pessoas eram, muitas vezes, iliteratos ou com baixíssima escolaridade e, assim, com poucas condições de gerenciar uma empresa. Infelizmente, percebemos isso com certo atraso. Tentamos, mas sem sucesso, criar métodos próprios para sua formação. A única solução que conseguimos conceber a curto prazo foi de dar suporte remoto aos locais, o que vem se mostrando algo válido — mas longe do ideal.

É normal as primeiras versões de seu produto terem falhas — e se você não percebe isso, então o problema é você mesmo. O importante é não repetir nossos erros na InSpark: não se desanime, continue lendo e pesquisando sobre o estado da arte de sua área e converse (muito) com seu mercado. Eventualmente, você chega em um resultado que satisfaz a você e, acima de tudo, a seus clientes.

4. ONG ou negócio social?

Na InSpark, optamos por começar como uma ONG. Como alguns de nossos integrantes tinham experiência (com sucesso) em captação de recursos, estávamos certos de que dinheiro não seria um problema. Além disso, sentimos que os benefícios fiscais e até o próprio rótulo de ser uma ONG também seriam vantagens importantes para a continuidade da organização. Aos poucos, fomos vendo o quanto estávamos errados.

Quando você trata de captação de recursos para uma ONG, você trabalha com patrocínios, doações, venda de produtos e grants. Primeiramente, vimos a dificuldade de trabalhar em um projeto e captar recursos ao mesmo tempo. Nosso time era pequeno e todos se envolviam muito com cada missão, sobrando pouco tempo para ir atrás de grana. Aumentar o time era uma opção, mas não fazia sentido para o estado em que nos encontrávamos. Para os grants, como éramos uma organização recém-criada, não tínhamos os pré-requisitos para a esmagadora maioria deles. Para patrocínios, nós nunca tivemos um retorno claro/direto a possíveis investidores e também não tínhamos muitas credenciais que passassem confiança (eventualmente, até tivemos nosso projeto reconhecido em duas conferências, mas já era tarde demais). Quanto às doações, nunca nos sentimos confortáveis para pedir a amigos e familiares (muito provavelmente por conta da desconfiança no nosso produto, citada anteriormente). Por fim, nunca tivemos tempo de estruturar vendas de produtos (camisetas, por exemplo), até por não trabalharmos no Brasil (onde estava nossa rede).

Sendo assim, eventualmente tentamos migrar para um negócio social. Para isso, precisaríamos mudar nossa proposta de valor e achar um mercado. Nessas discussões, começamos a perder nosso time. Com a mudança desse princípio, alguns se sentiram ainda menos representados e optaram por seguir outros caminhos.

Além disso, sentimos muita dificuldade em pegar o que tínhamos (metodologia, cases, nossa rede) e monetizar. Dentre as ideias surgidas, optamos por seguir em frente com o ensinamento de tudo o que fizemos para jovens estudantes ou recém-formados. A ideia incluía formação em imersão em alguma comunidade, aplicação direta da metodologia e também fazer os jovens passarem por uma jornada de auto-conhecimento.

5. As dificuldades de ser B2C

Partindo dessa proposta B2C, iniciamos um processo de estruturação da proposta de valor, começando por pesquisa de mercado e análise de viabilidade. De cara sentimos uma grande dificuldade: nossa rede, querendo ou não, era muito limitada. Dos 3 que permaneceram na InSpark até então, todos éramos jovens (entre 24 e 26 anos), de classe média-alta, que entraram na Universidade na mesma época (2012/2013) e fizeram parte de movimentos estudantis (MEJ/ AIESEC). Sendo assim, conhecíamos quase que unicamente jovens de perfis similares, dando uma visão muito limitada de nosso público-alvo e que dificultava o entendimento do nosso mercado.

Sendo B2C, sentíamos a necessidade de validar nossa ideia conversando com mais pessoas, de perfis diferentes (mas que não saíssem de nosso mercado), até para entender a “dor” que elas sentem. Isso é fundamental para qualquer negócio, não importa seu nível de maturidade. Sem essa compreensão, ficou difícil ter confiança no produto e foi aqui que ocorreu a gota d’água dos desentendimentos e que culminou na ruptura final do time.

6. O valor da experiência

Conferindo o registro da empresa de agricultura compartilhada criada no Quênia. Fevereiro de 2018. Foto por Tucker Cochiarella.

Muitos não empreendem pelo medo de que o negócio não vá dar certo. Minha opinião é de que isso é até culpa da sociedade brasileira, que criminaliza empreendedores e ridiculariza aqueles que não conseguem “vingar” com suas ideias — e isso sem contar na burocracia e nas instabilidades política e econômica do país. Apesar desse cenário, que faz empreendedores quase sempre terem que nadar contra a maré, vejo, depois de minha experiência, o quanto vale a pena se arriscar. Eu aprendi muito mais nesses 6 meses do que em anos estagiando — e falo aqui puramente da experiência de trabalho na InSpark Lab, sem contar os aprendizados vindos de estar no exterior. Creio, também, que o timing foi perfeito: enquanto estudante, empreender traz um risco muito pequeno e, agora, ainda tenho tempo para me preparar para a carreira que eu quiser — incluindo para empreender novamente (o que certamente penso em fazer).

Tranquei meu curso, adiei minha formatura e, mesmo com o insucesso financeiro, se eu pudesse voltar atrás, faria tudo novamente sem hesitar. Sinto-me, hoje, mais preparado para assumir quaisquer desafios que as vidas profissional e pessoal irão colocar à minha frente e espero que este texto possa contribuir para que você, leitor ou leitora, possa ter pelo menos um pouco mais de sucesso com seus projetos. Contudo, é importante lembrar: empreender na área social traz muita satisfação pessoal mas, muitas vezes, as pessoas que você quer ajudar colocam suas últimas fichas e esperanças em seu projeto. A pressão para atingir suas expectativas é superior do que a que um cliente faz. Aqui, já não se trata mais de um caso de venda ou de fidelização, mas sim de fazer a diferença até entre a vida e a morte. Sem exageros. Tudo isso torna-se ainda mais complexo quando você tem interesses de investidores, doadores e/ou patrocinadores a serem considerados.

Portanto, tome cuidado. Não “se venda” a ponto de criar falsas expectativas, não prometa aquilo que não possa cumprir. Seja genuíno. Seja sincero. Acima de tudo, seja humano, reconheça seu papel como agente de mudança e não desista até que seu propósito seja atingido.

--

--