Contando histórias em UX

Poliana Muniz
Badico Cloud
Published in
7 min readAug 1, 2023
capa do artigo com o título escrito “contando histórias em UX”

Histórias são ferramentas poderosas de comunicação. Uma história bem contada consegue captar a atenção da audiência, envolvê-la emocionalmente e fazê-la lembrar dos principais pontos da mensagem posteriormente.

A NN/g define Histórias de Experiência do Usuário (UX Stories) como uma série de eventos narrados a partir da perspectiva do usuário que apresentam a evolução de uma experiência. Elas podem ser utilizadas em diferentes momentos do processo de design e atender a objetivos diversos. As narrativas podem ser faladas, escritas ou desenhadas.

Para que sejam efetivas e conectadas a experiência em que estão relacionadas, precisam estar baseadas em dados e serem atualizadas continuamente. As personagens, os eventos e os ambientes vão refletir as características, necessidades e desejos dos usuários, as situações e locais em que o seu produto é usado, os sentimentos, emoções e pensamentos que as pessoas têm, e problemas reais resolvidos pelo produto.

Whitney Quesenberry e Kevin Brooks em “Storytelling for User Experience” mostram como as histórias podem ser usadas no processo de design de experiências do usuário:

  • Elas nos ajudam a reunir e compartilhar informações sobre usuários, objetivos e tarefas;
  • Colocam uma escala humana nos dados analíticos;
  • Podem despertar novos conceitos de design e encorajar a colaboração e inovação;
  • São uma maneira de compartilhar ideias e criar uma noção de propósito compartilhado;
  • Nos auxiliam a entender o mundo nos dando insights sobre pessoas que não são iguais a nós;
  • Podem persuadir outros sobre o valor da contribuição ao projeto.

A seguir você verá em quais momentos e com quais objetivos podemos utilizar histórias, quais são os principais elementos que fazem uma narrativa ser boa, algumas técnicas para aplicar e exemplos. O artigo está organizado em 4 partes:

  1. Quais os elementos da história?
  2. Quando usar histórias?
  3. Técnicas para aplicar
  4. Exemplos

1. Quais os elementos da história?

  • Personagem: Pessoa Usuária

A personagem principal, ou múltiplas personagens, precisam estar claras e suficientemente detalhadas, para que quem entra em contato com a história consiga se conectar com empatia.

  • Objetivo e Motivação

O objetivo auxilia na compreensão das tarefas a serem realizadas e as motivações mostram o que baseia o comportamento e as decisões dos usuários. As tarefas e motivações podem ser funcionais, sociais, emocionais ou necessidades básicas.

  • Contexto

A situação, em tempo e lugar, que a história acontece. Descrever o ambiente colabora para a compreensão de onde a experiência se encaixa. Deve ter detalhes para que a audiência consiga visualizar concretamente, se é lento ou acelerado, organizado ou caótico, tranquilo ou com muito estresse, por exemplo.

  • Entendimento (insights)

Momento de compartilhar sobre a compreensão de como os elementos anteriores se relacionam e comunicar os significados da situação. Nesse momento, são revelados aspectos chaves que foram descobertos por meio da pesquisa e análise, que são relevantes para alterar a experiência dos usuários.

  • Visual

Os componentes visuais auxiliam na compreensão da história, captação da atenção da audiência e memorização do conteúdo. Podem ser vídeos, ilustrações, infográfico, animações, entre outros.

2. Quando usar histórias?

  • Resumir resultados de uma pesquisa

Apresentar os principais insights coletados em questionários, entrevistas e conversas em uma narrativa que ilustra os pontos de dor, mostra como a experiência das pessoas acontece atualmente e conecta informações de fontes variadas.

  • Gerar ideias

A narrativa criada a partir da pesquisa pode ser usada como ponto de partida pra pensar e criar novos meios e desfechos colaborativamente. Cada pessoa que tem contato com a história pode imaginar “e se” e contribuir com a elaboração de novas narrativas que impactarão em novas soluções de design.

  • Transmitir conceitos abstratos

Comunicar uma ideia de uma solução que ainda não existe sem listar funcionalidades, requerimentos e cliques em uma interface. Pode concentrar no valor que a experiência entrega.

  • Persuadir pessoas envolvidas no projeto

Quando a audiência é diversificada (gestores de produto, executivos, desenvolvedores e outros) usar histórias pode colaborar para colocar todos na “mesma página”. Assim, todos compreendem e acordam sobre um objetivo comum.

  • Avaliar designs

A partir da história de como o usuário resolve um problema atualmente, você pode comparar com a história do usuário com a solução criada e verificar se as necessidades, desejos e dores foram atendidas.

3. Técnicas para aplicar

  • Montanha

A técnica da montanha é interessante para construir tensão gradativamente em uma narrativa. Primeiro, o cenário e o contexto são apresentados e, em seguida, acontece uma série de desafios menores que vão elevando a tensão até o ponto alto da história, com o obstáculo maior e resolução final.

Cada desafio funciona como um capítulo ou um episódio de uma temporada que apresenta alguns problemas e desafios, construindo a narrativa até o grande desfecho no episódio final.

  • Loops aninhados

Nessa técnica pode-se combinar três ou mais narrativas em camadas. A história ou conceito mais importante torna-se o núcleo e as outras histórias se desenvolvem ao redor dela. Em um caso com 3 narrativas: a primeira história iniciada é a última a ser concluída, a segunda iniciada é a penúltima concluída e a terceira iniciada é a primeira a ser concluída, formando o núcleo da mensagem.

Nelise Cardoso esclarece: “Os loops aninhados funcionam um pouco como um amigo contando a você sobre uma pessoa sábia em sua vida, alguém que lhe ensinou uma lição importante. Os primeiros loops são a história do seu amigo, os segundos loops são a história da pessoa sábia. No centro está a lição importante aprendida.”

  • Estrutura da Pétala

Como os loops aninhados, a estrutura da pétala também é uma forma de organizar histórias ao redor de um conceito central. Pode ser relevante quando há mensagens aparentemente desconexas e há a intenção de ligar explicitamente a um conceito central ou revelar como estão interconectadas.

Nesse caso, as pétalas são narrativas completas, que podem se sobrepor ou não, e estão conectas pelo centro. É interessante para mostrar como comportamentos, cenários ou tarefas tem relação com uma ideia.

  • Jornada do Herói ou Monomito

A Jornada do Herói é uma técnica muito popular e presente em contos populares e mitos. Trata-se de uma estrutura em que o herói (personagem principal) deixa seu lugar para atender ao chamado de uma jornada difícil. Após vencer uma grande provação, o herói retorna a sua casa com uma recompensa ou um aprendizado, uma sabedoria.

4. Exemplos

A seguir estão dois exemplos retirados e traduzidos livremente do livro “Storytelling for User Experiences”.

O primeiro ilustra uma história elaborada com o objetivo de servir como ponto de partida em uma discussão sobre design.

Joan estava preenchendo a folha de pagamento enquanto Kathy, a gerente do escritório, estava fora. Kathy deixou uma mensagem para lembrá-la sobre alguns cheques de bônus especiais para aquela semana.

Joan não usava o programa de folha de pagamento há algum tempo e só lembrava que os cheques de bônus especiais podem ser difíceis. Lendo os post-its na parede ao lado do computador, ela procurou instruções e ficou aliviada ao encontrar uma para bônus. Seguindo essas breves notas, ela encontrou a tela certa.

Sua primeira tentativa de imprimir os cheques deu errado e ela teve que reverter todas as transações. Ela pensou um pouco mais e finalmente combinou as instruções nos post-its com as mensagens na tela. No final, ela conseguiu imprimir os cheques, mas também deixou um bilhete na mesa de Kathy para que ela verificasse tudo quando voltasse.

Através da história é possível perceber que o sistema usado para folha de pagamento não é tão fácil para usuários iniciantes, gerando insegurança. Como tornar a experiência menos complicada? Como a própria solução pode orientar as pessoas usuárias iniciantes a preencher o formulário com segurança e assertividade?

O segundo mostra uma história criada para comunicar uma ideia, um conceito de design.

Bob, Carol e seu filho de 17 anos, Robert Jr., substituíram seu antigo sistema de cabo por um novo sistema Acme IPTV. Eles não apenas tiveram acesso a todas as mídias que tinham com o sistema antigo, mas agora também têm canais especiais com conteúdo interativo.

Carol adora novelas. Com o controle remoto interativo, seu programa favorito, All My Restless Children, torna-se um catálogo de compras. Se ela gostar dos brincos da atriz principal, pode encomendá-los. Se ela gostar da blusa, pode pedir também — direto da TV. E a melhor parte é, sem comerciais.

Até Bob está entrando nisso. Durante o programa, ele opta por entrar no competição de carros da novela usando o controle remoto e a interface na tela. O primeiro lugar é o Corvette conversível 1970 da atriz principal.

Robert Jr. entrou em uma competição diferente, onde o primeiro lugar é um jantar para dois com a protagonista feminina. Não jantar com a atriz que interpreta o papel principal, mas jantar com ela como o personagem que ela interpreta!

A ideia dos canais especiais e conteúdo interativo está sendo comunicada através do valor que a experiência gera ao invés das funcionalidades ou sequência de tarefas que seriam realizadas pelos usuários.

Considerações finais

As histórias podem ser grande aliadas para comunicar problemas, soluções e ideias de maneira que a audiência consiga compreender com clareza e mantenha-se atenta e envolvida do início ao fim.

Em resumo, alguns pontos para ter em mente ao planejar histórias para usar no seu processo de design:

  • Definir quais informações deseja transmitir e quais objetivo a serem alcançados com a história;
  • Entender quem é a audiência e qual linguagem será apropriada;
  • Dimensionar o tamanho, a quantidade de detalhes e a sequência em que as informações e ações serão apresentadas;
  • Fornecer apoio visual para assegurar que a seu público continue focado e interessado na mensagem que está sendo transmitida.

Através da prática o storytelling pode se tornar uma ferramenta fácil, acessível e eficaz para a comunicação entre designers e stakeholders.

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