Quando o código da erro — Uma metáfora para as emoções

Vanessa Mattos
Badico Cloud

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Uma das frases que eu mais ouço nas sessões, vindo dos meus clientes, é “então eu comecei a sentir isso DO NADA”. Essa frase, que geralmente vem como explicação para uma emoção que a pessoa sentiu traduz algumas dificuldades das pessoas em entender e lidar com suas emoções. E a primeira dificuldade evidente é do reconhecimento de gatilhos.

Toda emoção é evocada por algo, não surge do completo nada. Por isso, presume-se que houveram motivações para isso. Ou seja, gatilhos. Aqui estou usando a palavra “gatilho” como significado para uma situação vivida que desperta reações afetivas em nós. Por exemplo: ver alguém de quem gostamos muito pode ser um gatilho para que expressemos felicidade, amor e assim por diante.

Geralmente os motivos que as pessoas utilizam o “do nada” se dá por:

  1. A pessoa não percebeu qual o gatilho que levou aquela emoção aflorar;
  2. A pessoa percebeu o gatilho, mas estranhou a reação do corpo com aquela emoção;
  3. A pessoa vem acumulando gatilhos e a expressão desse sentimento ganha força num momento de vulnerabilidade, o que leva a confusão sobre que gatilho provocou.

A metáfora do código que deu erro

Para ilustrar melhor, aos profissionais da tecnologia, como as emoções não surgem do nada, me propus a criar uma situação hipotética.

💡 Imagine assim: você desenvolveu um site para mim, deixou tudo rodando certinho. Então eu começo a usar e chego um certo dia, lhe chamo e falo: “Olha, o site parou de funcionar do nada”. Certamente você irá pensar: “do nada não foi, precisamos entender o que aconteceu ali”.

Porque você sabe que algo precisa ter acontecido para ter dado erro, seja algo feito por mim ou por outros. Da mesma forma, quando alguém me diz que uma emoção surgiu do nada, eu sei que há algo aconteceu que convidou essa emoção a aparecer. E por isso, voltando ao exemplo, vamos explorar as possíveis causas:

MOTIVOS PRA UM CÓDIGO PARAR DE FUNCIONAR:

  1. Atualização de dependências antigas (na versão 1 funcionava, atualizou para 2 e quebrou): ou seja, o código tá desatualizado.

Quando falamos de saúde mental, isso também faz todo o sentido. Nós vamos viver diferentes fases na nossa vida e cada fase terá estressores novos, situações novas, emoções diferentes sendo despertadas.

Ou seja, não vamos estar preparados sempre para enfrentar essas situações. Na verdade, em algumas delas não teremos nem 1% de preparação. Por isso, cuidar da saúde mental envolve essa ATUALIZAÇÃO CONSTANTE das suas capacidades socioemocionais.

2. Erro humano ao atualizar algum valor ou código escrito erroneamente:

O ponto aqui é que até na nossa atualização podemos errar achando que estamos acertando. Principalmente, se não temos clareza das nossas emoções e como lidar com elas, se tornará mais difícil a gente atualizar de maneira a manter aquilo funcionando devidamente.

E aqui podemos colocar também as más informações e interpretações que nós permitimos acontecer: porque somos vulneráveis a opinião do outro ou porque não temos clareza daquilo que defendemos. Todos esses “valores”, se forem atualizados com erros, podem gerar emoções desconfortáveis.

3. Indisponibilidade de um serviço terceiro (por exemplo, hospedo meu site no google e o google fica fora do ar):

Aqui estamos abordando muito sobre os relacionamentos interpessoais que estabelecemos. Com quem estamos fazendo conexão e o quanto estamos dependendo emocionalmente dessas pessoas?

Assim como, podemos refletir sobre validação e reconhecimento: será que não estamos nos apoiando demais no que os outros pensam e com isso nossa saúde mental cai? Será que não estamos colocando sobre o outro a nossa balança emocional?

Da mesma forma que um código precisará em alguns momentos de um serviço terceiro, nós também precisaremos de pessoas como suporte na nossa vida. Esse não é um convite para abandonarmos isso de vez. Mas entendermos que assim como um código pode se beneficiar precisando de menos serviços terceiros, nós podemos nos beneficiar emocionalmente não depositando tanto nos outros.

4. Falta de pagamento de um serviço terceiro:

Sim, precisamos de pessoas, técnicas, recursos e muito mais. E por isso, a falta de investimento neles também pode ser um problema para nosso emocional. Se evitarmos a qualquer custo conversar com pessoas próximas por acharmos que seremos incômodos e se não buscarmos recursos para lidar com o que sentimos, certamente teremos dificuldades.

Ou seja, precisamos conhecer quais os caminhos que podemos recorrer pra lidar com nossas emoções e pensamentos. Se não estamos investindo em saber esses recursos e usar eles, como vamos passar pelas situações?

5. Infraestrutura não preparada para receber uma quantidade massiva de dados/usuários (exemplo, estou preparado para 100 usuários e do nada começa a vir 5000):

Esse último ponto, me faz refletir em como, muitas das vezes, achamos ter tudo sob controle. E pode ser, realmente, que tenhamos no momento. Mas e quando mais de uma coisa que te abala acontece? E quando os gatilhos são inúmeros?

Nossas emoções serão convidadas a aparecerem nesse momento. E pode ser que venham com tanta força que acharemos desproporcional. A grande questão aqui é que não estávamos preparados para esse grande imprevisto.

E ouso dizer que, na maioria das vezes não estaremos preparados. Mas cuidar da saúde mental é entender suas emoções a ponto de lidar com tudo isso sem sucumbir, sem quebrar. Assim como, lidar com isso já buscando desenvolver novos recursos, procurar atualizar as dependências e avaliar os erros. Ter uma infraestrutura psíquica preparada é isso: desenvolver uma mentalidade capaz de lidar com a situação, mesmo que lhe abale muito. É o contrário de sucumbir ou ser dominado por uma emoção.

Quando eu não sei identificar os gatilhos

É esperado que tenhamos dificuldades em algumas situações de entender o porque reagimos de determinada forma ou porque uma emoção surgiu como surgiu. Isso se dá principalmente porque não é comum — e nem saudável—estarmos toda hora consciente de tudo o que fazemos.

Existem comportamentos que precisam ser automatizados para que não precisemos pensar em tudo. Por exemplo, você não pensa em cada movimento que fará para abrir uma porta, você simplesmente vai lá e abre. Esse é um comportamento que você faz sem uma consciência muito ativa.

Mas o grande diferencial de alguém que desenvolve maturidade emocional e autoconhecimento é que ela consegue:

  1. Primeiro perceber qual emoção surgiu
  2. Depois levantar possíveis gatilhos
  3. Acolher aquela emoção
  4. Auto avaliar como deseja reagir

Isso não significa que sempre saberemos os gatilhos, mas que levantamos possíveis hipóteses e podemos explorar isso numa conversa com alguém ou em uma terapia. Uma pessoa com maturidade emocional é até capaz de afirmar não saber quais foram os gatilhos, mas ela tem consciência de que houveram.

Por isso, parte do processo de compreender e lidar com nossas emoções é reconhecer que elas possuem motivos para acontecer, por mais bobos ou pequenos que você os considere. E através desses motivos podemos aprofundar e entender coisas sobre nós mesmos.

E você, tem buscado compreender o que sente dessa forma?
Espero que esse conteúdo tenha lhe ajudado!

Vanessa Mattos
Psicóloga — CRP 12/19336

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