O funcionamento (ou não) do Estado Brasileiro

Leo Menezes
O Balaio do Leo
Published in
8 min readFeb 22, 2019

Nesse texto proponho-me a falar um pouco sobre a política, o Estado, e algumas importantes para compreender o caso brasileiro. Quero debater sobre a concepção de política, e falar sobre como a política é algo cotidiano em nossas vidas. Não quero trazer grandes discussões, e muito menos ser dono de “verdades”, apenas apresentar alguns aspectos e apontar alguns problemas.

Para adentrar nessa questão é importante falar um pouco sobre o período de estabilidade política que o Brasil vinha passando desde a abertura democrática e Constituição de 1988. Por estabilidade me refiro à existir um consenso com as regras do jogo pelos ocupantes do cenário político, e o respeito às mesmas. É claro que existem inúmeras críticas aos governos que ocuparam o poder no período em questão, mas o meu texto não está pra apontar e criticar políticas e posições, mas olhar como as desigualdades brasileiras estão afetando o funcionamento do Estado.

Pra início do texto, eu gostaria primeiro de esclarecer sobre o entendimento de política, falar um pouco sobre como a política é algo que está em nossas vidas e não é algo distante, pra poder dizer que é necessário ocupar o Estado para a defesa de nossos interesses.

Primeiro — o que é política?

Muitas são as formas de se compreender sobre a política. Essa palavra tem origem láááá na Grécia Antiga, mais ou menos por volta de 500 a.C, mas fique tranquilo não vou ficar falando sobre esse tempo, o importante é saber que no princípio a política significava: “tudo que se refere à polis” ( polis era o nome de “cidade” em grego), pronto só isso.. nem doeu, né?

Atualmente não existe um consenso sobre a definição de política. Minha intenção é superar a ideia que política é uma coisa que “político faz”, por exemplo fazer parte de um partido, ou “uma coisa que aquele povo lá de Brasília faz”. Política aqui pra nós é a organização do conflito de interesses e do poder numa determinada sociedade. Traduzindo: se eu e uma parcela da população acreditamos que o fim de semana deveria ter 3 dias ao invés de apenas 2, e outra parcela da população acredita que não deva mais existir fim de semana, a política é a forma como vamos organizar e chegar num meio-termo.

Então Política não é uma coisa lá de Brasilia, mas a organização da sociedade e o gerenciamento conflito.

Existem diversas formas disso se dar, tanto através de um Estado democrático, quanto de uma monarquia, ou de formas como nem conhecemos direito. As sociedades indígenas se organizam de um jeito, a China antiga de outro, os aborígenes de outro. A questão é que numa determinada sociedade, os interesses das pessoas individuais são diversos, e a forma como a sociedade encontra pra lidar e organizar tudo isso se chama Política.

Nós aqui, no Brasil e nas sociedades do ocidente encontramos oEstado como a forma principal de organização dos interesses e do poder, e agora a questão é como isso funciona??

Segundo — como funciona o Estado?

Partindo do que foi dito no tópico anterior, diversas são as formas de organizar e estruturar as diferenças de poder e conflitos numa determinada sociedade. Se num passado eram os rei e as monarquias que decidiam sobre as decisões e os rumos da população geral, hoje é no Estado que encontramos a forma básica de colocar nossos desejos e decidirmos sobre os rumos da sociedade que vivemos.

Basicamente no Estado se definem as diretrizes sobre o quais seus cidadãos estão sujeitos para com a sociedade que vivem. Como o Estado fala de poder e decisão, é importante que sejam definidas as regras do jogo. E nesse caso as regras são definidas pela Constituição.

A Constituição nada mais é que as regras e diretrizes da sociedade. Se antes eram os reis que ditavam as regras do jogo, hoje é através das discussões e do debate que as questões vão entrando em pauta e acabam entrando como leis e regras. Esse processo não é simples, pois para se alterar a Constituição é preciso que haja várias votações de uma pauta, passando por todas as instâncias e com uma grande maioria dos votos em todas elas. É onde se encontram todas as leis, é a carta maior de leis da sociedade.

Quero falar aqui da divisão dos três poderes, onde se encontram divididos os processos de escrita e definições das leis, e sua aplicação na prática. Para explicar melhor, vou iniciar falando do legislativo. Lá é onde, basicamente se discutem e se escrevem as leis e suas diretrizes. É através do legislativo que os temas vão entrando em pauta e passam pelo processo de votação. Como o Estado é dividido entre as esferas federal, estadual e municipal, o legislativo se divide entre os deputados federais e estaduais, e os vereadores. Geralmente o legislativo se compõem em câmaras, no Brasil existem duas: a dos Deputados, e a dos Senadores.

Para falar um pouco do senado, a sua importância é que ele seja composto por pessoas mais velhas, e que se manterão a mais tempo no cargo (seria uma câmara superior mais estável), enquanto os deputados são em maior número e legislam sobre assuntos mais diversos. Por isso que é preciso manter a diversidade dos deputados, para que eles representem de fato a sociedade como um todo.

O Executivo, por outro lado, é onde se coloca o Estado em ação, é nele que se executam as políticas públicas, onde se investe em setores, onde se reparte o dinheiro. Ele é composto pelos dirigentes: os presidentes, governadores, e prefeitos; e seus ministros, secretários, e todos cargos que se encontram abaixo. Aqui no executivo é onde os dirigentes têm um valor X financeiro pra governar, e escolhem as pastas que vão compor o seu governo, de acordo com os interesses que considera importante ( ou favoreça aqueles que investiram em sua campanha, e agrade seus eleitores).

Não esqueçamos do Judiciário também, que é composto por toda gama de juízes, e faz o trabalho de averiguar as irregularidades do governo, e também de julgar os casos de crime da população. Não vou me adentrar muito no caso do judiciário, mas é importante saber que ele precisa ser “neutro”, e representar os interesses da população independente de forças partidárias.

É preciso que haja um balanceamento entre esses poderes, para que a sociedade funcione adequadamente. Pois, na teoria, um complementa o outro, e quando há desequilíbrio de forças o Estado acaba sempre pendendo para um lado.

Os problemas do caso brasileiro

Diversas são as questões que atravessam a formação da sociedade brasileira, entre elas: o processo colonial e dependente que o Brasil sempre ocupou em sua história; o processo de escravidão; a desigualdade econômica e estrutural que estamos imersos; e a influência do capital financeiro no jogo político, entre tantas outras questões. Isso faz com que a desigualdade no Brasil se reflita tanto na economia, quanto culturalmente.

“ (a) renda média da metade mais pobre da população foi de R$ 787,69 mensais, menos que um salário mínimo. Por outro lado, os 10% de brasileiros mais ricos tiveram crescimento de quase 6% em seus rendimentos do trabalho. A renda média dessa parcela da população foi de R$ R$ 9.519,10 por mês, conforme dados da PNAD/IBGE. O número de pessoas pobres também cresceu no período. Havia 15 milhões de pessoas pobres no Brasil em 2017, o que corresponde a 7,2% da população — aumento de 11% em relação a 2016, quando havia 13,3 milhões. É considerado pobre quem sobrevive com renda de até US$ 1,90 por dia, cerca de R$ 7, conforme critério do Banco Mundial.” (http://agenciabrasil.ebc.com.br/direitos-humanos/noticia/2018-11/renda-recua-e-Brasil-se-torna-o-9%C2%BA-pa%C3%ADs-mais-desigual)

O que isso gera na prática? Primeiro é que o Estado brasileiro reflete a desigualdade em sua composição, além disso aqueles que ocupam cargos políticos no Brasil, em sua maioria utilizam da estrutura política em prol de seus interesses efetivando políticas que favorecem a si e grupos que financiaram suas campanhas. Empresas transnacionais, e até nacionais de grande porte influenciam nas decisões e no jogo político, por terem a capacidade de financiar campanhas e posteriormente terem políticas públicas que as favoreçam.

Outra questão importante é que somos um país dependente. O que isso quer dizer? Que em relação a outras economias mundiais somos um país que não é autosuficiente em sua produção, pois somos um país basicamente exportador de commodities e importador de tecnologias avançadas. Ou seja: Que exportamos grãos, e importamos iphone!! E isso nos torna basicamente um país pobre frente a outras economias mundiais. Só isso já seria um problema em si, existe o fato ainda que no Brasil realizamos uma agricultura extensiva e monocultora, que cria grandes áreas verdes pobres em diversidade, e que avança sobre pequenas cidades, pelas florestas e pelas populações tradicionais brasileiras, gerando grandes impactos socio-ambientais.

Além disso a desigualdade também atinge uma questão cultural no Brasil. Tendo o racismo como um expoente importante na divisão da sociedade. Pelo fato de termos sido colonizados e a escravidão ter sido a base da sociedade, a população negra foi excluída de oportunidades e relegada a uma sub-condição. O sociólogo Jessé Souza, diz que no Brasil se formou uma ralé estrutural, a qual seria a camada mais baixa da sociedade que não está integrada formalmente à economia brasileira, e isso forma uma estrutura que impossibilita e perpetua a sua condição de ralé.

Misturado tudo isso, com a militarização enfrentada no período ditadorial, atualmente o Brasil é considerado um dos países que mais mata e encarcera sua população jovem e negra :

No ano em que o País registrou o recorde de homicídios, atingindo 62.517 mortes em 2016, a violência se abateu principalmente, e novamente, sobre negros e jovens, mantendo o histórico de vitimização concentrado em uma faixa etária e em uma cor, de acordo com o que mostra o Atlas da Violência 2018, estudo elaborado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública. A taxa de homicídios de negros (pretos e pardos) no Brasil foi de 40,2, enquanto a de não negros (brancos, amarelos e indígenas) ficou em 16 por 100 mil habitantes. (https://sao-paulo.estadao.com.br/noticias/geral,taxa-de-homicidios-de-negros-e-mais-do-que-o-dobro-da-de-brancos-no-pais,70002337809)

Ou seja, o que estou querendo dizer é que essa desigualdade que atravessa a sociedade por um todo vai se refletir na composição do Estado brasileiro, veja o gráfico abaixo:

A composição de um Estado que não representa a população do país atravessado pelos fatores econômicos que aprofundam e perpetuam as desigualdades já herdadas e existentes, interferem novamente na composição do Estado e isso cria uma bola de neve.

O Estado que deveria ser por excelência o local para se adequar as diferenças e colocar os interesses da população pobre, preta, indígena, das mulheres, dos lgbtq+, e de todos aqueles excluídos, acaba tornando-se um defensor dos interesses das camadas mais altas da população brasileira. Por isso é preciso que hajam políticas públicas afirmativas para corrigir essas desigualdades, e também é preciso que sejamos atuantes ativamente pelos nossos interesses, porque política é uma coisa que fazemos cotidianamente.

Mas ai fica a questão: como é possível que alguém que ganha um (01) salário mínimo possa concorrer contra um chefe de milícia que acumula poder e dinheiro??
Isso deixaremos para ser tratado em outro tópico…

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Leo Menezes
O Balaio do Leo

Cientista Politico, músico, medium em desenvolvimento