Raquel Rosenberg
Bancada Ativista
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8 min readJun 22, 2016

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A revolução é proporcional ao tamanho da crise

Primeiramente, Fora Temer!

Quando fui convidada pra escrever este artigo sobre a minha perspectiva da crise política brasileira, só consegui pensar “meldels, o que é que eu vou falar?!” Imagino que esse pensamento esteja passando frequentemente pela cabeça de várias e vários brasileiros: o que está acontecendo no Brasil?

Com certeza temos mais questionamentos e dúvidas do que respostas, mas muitos destes questionamentos são reflexões importantes que vão muito além de estar de um lado ou de outro ou de defender um partido ou sua oposição. Vivemos momentos complicados, mas de uma luta extremamente necessária, pois o retrocesso que vejo hoje em meu país achei que jamais veria com meus próprios olhos. A sensação é de medo, angústia, impotência. Mas, acima de tudo, é de que nós, jovens, não podemos ficar parados — precisamos agir agora!

Onde tudo começou?

Parece que faz pouquíssimo tempo que estávamos tomando as ruas de todo o Brasil em Junho de 2013, lutando não só contra o aumento da tarifa do busão, mas contra a violência e repressão policial que foi escancarada durante as manifestações. Logo virou uma grande mistura de pautas que ninguém mais estava entendendo do que se tratava — gente com cartazes contra corrupção, pela melhoria da educação e da saúde, por equidade de gênero, pelos povos indígenas e meio ambiente, enfim, todo mundo parecia querer mostrar que estava indignado com alguma coisa. Acho que foi no dia 17/06/2013, quando milhões de pessoas pararam o Brasil, que percebi a força que tínhamos nas ruas, mas também a enorme diversidade de pautas e questionamentos da sociedade brasileira.

Quando Dilma Rousseff foi eleita com 51,64% dos votos válidos contra 48,36% para Aécio Neves nas eleições mais apertadas desde 1989, época em que o país estava saindo da ditadura, pensei que a porcentagem de pessoas insatisfeitas estava grande demais. A enorme e absurda campanha midiática, manipulada pelos poucos meios que dominam a comunicação do país, foi a principal responsável por reforçar os movimentos pró impeachment que surgiram a partir de então.

A partir de março de 2015, uma oposição começou a ir às ruas sem outro projeto que não fosse pedir, aos berros, a renúncia ou a destituição de uma presidente eleita pela maioria dos votos. Pessoas à beira de um ataque de nervos, pedindo absurdos como a volta do governo militar, que queriam porque queriam, no grito, aquilo que lhes foi negado pelo resultado das urnas.

O buraco é mais embaixo, mas onde começa?

Longe de mim querer discutir sobre os detalhes técnicos dos enormes escândalos de corrupção em quase todos os partidos, da maior crise econômica do país dos últimos anos ou sobre os mais de 40 milhões de brasileiros que saíram da pobreza durante este governo. Tudo tem dois lados da moeda, e sempre haverá pontos positivos e negativos em uma avaliação.

Uma grande massa de pessoas que não defendia um lado ou outro foi cooptada pelo discurso midiático “contra a corrupção” e passou a defender o impeachment como a solução para todos os problemas do Brasil. Hoje sabemos que o MBL (Movimento Brasil Livre) recebeu financiamento de partidos como PMDB e PSDB para as manifestações organizadas pelo “movimento” que se dizia “apartidário”.

Não são apenas os escândalos de corrupção, mas as consequências indecentes do sistema de financiamento das campanhas eleitorais, o colapso dos partidos politicos que já não nos representam em quase nenhuma instância, a crise terminal do chamado ‘presidencialismo de coalizão’, que estabelece e consolida a chantagem e a troca de interesses como princípios básicos da atividade parlamentar. Praticamente tudo no sistema politico brasileiro hoje é um absurdo e não responde às necessidades e demandas que trazemos.

Nós, jovens mirando o diálogo que vai além de direita ou esquerda, precisamos articular e pensar conjuntamente qual o futuro da política e construir a política do futuro.

E agora, onde estamos?

Com o impeachment e a posse do presidente interino Michel Temer, no dia 12/05, chegamos literalmente à lama, ao fundo do poço. A dois meses de sediar os jogos olímpicos, nunca senti nosso país tão de cabeça pra baixo. A votação na Câmara do processo de impeachment parecia um filme de terror — a falta de argumentos plausíveis e o uso excessivo de referências à família e a Deus para justificar o voto dos deputados foi vergonhosa. Como podem ser estes os nossos representantes, votados por nós?

No dia em que Temer anunciou sua equipe, não foram só apontamentos como Blairo Maggi, o grande vilão da soja no Brasil, como Ministro da Agricultura, os que mais chocaram. O presidente interino reduziu de 32 para 23 ministérios, excluindo, por exemplo, o Ministério da Cultura, das Comunicações, do Desenvolvimento Agrário e das Mulheres, Igualdade Racial e Direitos Humanos, além da extinção da Controladoria Geral da União (CGU). Muitos dos ministros apontados estão sendo investigados pela Operação Lava Jato, o escândalo de corrupção que assola o país, e dois inclusive já caíram. Mas a maior cara de pau foi, sem dúvidas, não apontar NENHUMA MULHER para sua equipe.

Em paralelo a isso, o crime ambiental que aconteceu em Mariana em novembro de 2015 com o rompimento da barragem de rejeitos de mineração controlada pela Samarco, acarretou no maior desastre ambiental da história brasileira e pouco se debate sobre o assunto. Muitos dos parlamentares integrantes das três comissões responsáveis pelo caso (na Câmara Federal e nas Assembleias Legislativas de MG e ES) receberam doações de empresas do Grupo Vale para financiar suas campanhas eleitorais. Tais doações somaram R$2,6 milhões e são legais. A “punição” da Samarco foi realizar um pagamento de uma caução socioambiental de R$1 bilhão e um novo acordo em 2016 aumentou a quantia para R$4.4 bilhões até 2018, o que não chega aos pés do valor calculado pelo impacto causado. Só para comparar, quando a plataforma da BP explodiu no Golfo do México em 2010, a empresa foi condenada a pagar 42.2 bilhões de dólares, mesmo sem ter afetado o abastecimento de água em localidade alguma, como aconteceu em diversos municípios no caso brasileiro.

Pra completar, após a divulgação do caso de 33 homens que estupraram coletivamente uma vítima de 16 anos e divulgaram o vídeo, enquanto o país se comovia em apoio à vítima, muitos machistas a culpavam pelo uso de drogas, os locais que frequenta ou as roupas que veste. Enquanto isso, o Ministro da Educação, Mendonça Filho, recebia em seu gabinete dicas para melhorar a educação de Alexandre Frota, ator brasileiro que já fez declarações em tv aberta relatando “brincadeiras” que insinuam até caso de possível estupro.

Tem algo de bom nisso? #pelamor

É claro que tem, e se o foco é na solução e não no problema, conto aqui algumas das iniciativas que me inspiram e me permitem respirar no meio desse mar de insanidades.

A primeira reação da mulherada à visão de Temer sobre a questão de gênero, no dia 20/04, veio após a matéria publicada na Revista Veja que tinha como título “bela, recatada e do lar”, e indicava como positiva a postura apática e acanhada da nossa então futura primeira dama Marcela Temer, como se toda mulher brasileira devesse aspirar a isso. A revolta em redes sociais foi tão grande que nesse dia só vi posts com fotos de mulheres empoderadas e mobilizadas usando a #belarecatadaedolar e ironizando esta imagem ultrapassada da mulher brasileira. Tudo isso mesmo antes da falta de representação das mulheres nos ministérios.

O estupro coletivo no Rio de Janeiro gerou um sentimento de revolta nas mulheres brasileiras, e campanhas em redes sociais, debates em espaços públicos e manifestações de rua têm levantado a bandeira pelo fim da cultura do estupro, posicionando-se contrárias a projetos de lei que propõe, por exemplo, a proibição do aborto mesmo em casos de estupro.

Os secundaristas estão dando uma lição de organização e resistência em todo o Brasil! Na luta por uma educação pública, gratuita e de qualidade, estudantes ocuparam diversas escolas em todo o país e resistem bravamente mesmo diante da enorme e escandalosa violência e repressão policial que sofreram e continuam sofrendo constantemente nas ocupações.

A Bancada Ativista, lançada no dia 12/06 em São Paulo, é composta por um grupo de cidadãos com atuação em múltiplas causas sociais, econômicas, políticas e ambientais que se uniu para dar suporte a candidaturas ao legislativo, visando a oxigenação da câmara dos vereadores e o aprendizado coletivo, pois acreditamos que somente novos nomes, propostas e formas de atuação na política serão capazes de regenerar esse sistema. Eu assino embaixo e voto ativista!

O #OcupaMinC surgiu como o principal movimento de resistência contra o governo de Temer, e ocupou a sede do Ministério da Cultura em pelo menos 27 cidades em todo o Brasil. Com a pressão popular, o Ministro da Educação interino anunciou a recriação do Ministério, mas o movimento continua, a luta é maior e os ocupantes dizem que só sairão dos prédios quando o governo ilegítimo for deposto. Não reconhecemos Michel Temer como presidente do Brasil! E o espaço público é o lugar da luta política!

Pra onde vamos então?

O acirramento cada vez maior dessa polarização na política brasileira enfraquece práticas de participação social propositiva e de engajamento, o que torna o nosso desafio gigante. O que está acontecendo no Brasil hoje vai muito além da discussão partidária, o buraco é muito mais embaixo. O sistema precisa ser mais dinâmico pra conseguir atender às nossas demandas! Por isso, temos uma urgente necessidade de uma profunda reforma política.

Pensar que o espaço público é o lugar da luta política, como está acontecendo com o #OcupaMinC me fez refletir sobre um vídeo que assisti há pouco tempo e nos faz pensar sobre o que é a tal da democracia que todo mundo diz estar lutando por.

#WhyDemocracy1: https://www.youtube.com/watch?v=k8vVEbCquMw

#WhyDemocracy2: https://www.youtube.com/watch?v=UoP_mSIHqTY

O verdadeiro governo está nas ruas. A luta pela democracia não tem data para terminar. Pois a realidade é que não podemos mais lutar por um sistema de representação partidária, precisamos criar e propor aquilo que acreditamos ser democracia — e essa democracia precisa ser um novo modelo que se adeque às novas tecnologias e formatos de se fazer política que estão surgindo.

O sistema político da forma como está colocado em todos os países que reconhecemos nos tempos de hoje como democracias na verdade é a República de Governo Representativo. Tal sistema não foi uma conquista do povo, as eleições não garantem que tenhamos políticos preparados, o poder não está nos cidadãos. Está em seus representantes, mediados por partidos políticos que escolhem seus candidatos de acordo com a capacidade de serem eleitos, não de governar; e por programas eleitorais que não são cumpridos. A polarização entre partidos insiste que a sociedade precisa estar divida em polos opostos e incita o ódio e a violência.

Em Atenas, onde surgiu a democracia, o sistema funcionava de maneira inversa ao que vivemos hoje. Ao invés de elegerem representantes com confiança total para que estes fizessem as leis, os atenienses desconfiavam de seus representantes, que eram escolhidos por sorteio entre pessoas capacitadas, e precisavam aprovar em Assembleia toda e qualquer lei ou medida adotada pelos representantes. Mas quem participava dessas Assembleias e era considerado cidadão? Eu mesma, mulher de 26 anos, com certeza não me enquadraria nesta categoria.

As Repúblicas de Governo Representativo duram pouco mais de 200 anos, exatamente o mesmo tempo que durou a democracia de Atenas. Chegou o momento de entendermos que lutar pela democracia não é lutar por impeachment ou não, e sim entender que este sistema como um todo está falido e precisamos construir e fazer funcionar juntos uma democracia ou sistema diferente, adequado aos tempos de hoje. Não só podemos, como precisamos mudar este modelo que está posto.

Está na hora de olharmos para frente e entendermos que esta crise enorme talvez seja a nossa maior oportunidade para construir o sistema político que sonhamos para o Brasil. Afinal, dizem que a revolução é proporcional ao tamanho da crise vivida. Se vivemos seguramente a maior crise desde a ditadura militar, que tal começarmos juntos uma revolução do tamanho que o país precisa, liderada em espaços públicos por nós, cidadãs e cidadãos?

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