Bancada Ativista: Ocupando a política institucional no Brasil

Pedro Telles
Bancada Ativista
Published in
5 min readAug 22, 2016

Originalmente publicado no Open Democracy

Não é difícil perceber que o Brasil, perto de consumar um impeachment presidencial, passa por um momento político difícil. Simultaneamente, a relação da sociedade civil brasileira com a democracia e a política institucional também passa por uma fase turbulenta, marcada por tensões e conflitos, mas que abre espaço para valiosas experimentações na busca por saídas para a crise.

Três décadas após a redemocratização do país, a lógica do governo de coalizão baseado na troca de favores entre partidos e políticos que compõem os poderes executivo e legislativo chegou a seu limite. Os compromissos assumidos por atores da classe política com seus pares, e com as empresas que financiam legalmente e ilegalmente suas atividades, atingiram um nível de profundidade e complexidade que torna praticamente impossível governar a favor do povo. Para chegar ao poder e se manter nele, é preciso governar a favor dos interesses da própria classe política e daqueles que nela investem milhões.

Não por coincidência, isso ocorre no mesmo período em que também esbarra em limites a possibilidade de melhorar as condições de vida dos mais pobres sem afetar diretamente os interesses dos mais ricos. Vimos o êxito de importantes, mas limitadas, políticas econômicas e sociais que reduziram pobreza e desigualdade sem mexer muito com as elites — como o Bolsa Família e a universalização do sistema público de saúde. Agora, chegou a vez de medidas como cotas e reformas na injusta estrutura tributária que cobra mais impostos de quem tem menor renda. E daí emergem disputas — e frustrações — mais duras na sociedade e na vida política.

Cidadãos não tardaram a perceber isso, e a reação vem de duas formas.

Por um lado, cresce a descrença na política institucional, facilmente perceptível em conversas cotidianas e mensurada, por exemplo, no número cada vez maior de votos nulos, brancos e abstenções em eleições. Por outro lado, destacam-se manifestações de rua marcadas pelo descontentamento com a falta de uma democracia real, lideradas por movimentos e organizações tanto da esquerda quanto da direita — tendência observada não só no Brasil, mas em todo o mundo. Há um bom tempo políticos são vistos pela população como os profissionais menos confiáveis no país, e hoje essa percepção talvez esteja mais consolidada do que nunca.

Não há saída fácil para essa situação. Contudo, tendo em vista que a política institucional seguirá sendo determinante para a vida em sociedade, é preciso buscar formas de transformá-la.

Uma parte importante da solução envolve eleger para o poder público pessoas verdadeiramente comprometidas com soluções justas e democráticas, que tenham legitimidade para representar as vozes das ruas, que não estejam presas às velhas engrenagens da política institucional, e que sejam capazes de atuar com razoável grau de independência e autonomia. Em outras palavras, é preciso ocupar a política institucional com gente que tenha sólido histórico de atuação em múltiplas causas, compromisso comprovado com determinados princípios e práticas, e que seja eleita com campanhas que fujam dos vícios tradicionais das eleições.

Foi com isso em mente que um amplo e diverso grupo de pessoas criou a Bancada Ativista, um movimento suprapartidário que busca ajudar a eleger ativistas ao poder legislativo da cidade de São Paulo nas eleições de 2016. Não é uma tarefa simples — afinal, para além do contexto de crise descrito acima, trata-se da maior cidade da América Latina, onde o jogo eleitoral é barra-pesada. Ao mesmo tempo, o potencial transformador é bem concreto, e traz motivação em meio às más notícias.

A Bancada Ativista tem três objetivos específicos. O primeiro, e mais óbvio, é o de atrair votos para candidatos alinhados a uma série de princípios e práticas, que têm a confiança do movimento por seu histórico de atuação na sociedade civil e na vida política, e que apresentam real potencial de oxigenar o cenário político da cidade. Isso é feito com trabalho voluntário de muita gente que age independentemente dos partidos políticos aos quais os candidatos estão filiados, constituindo uma forma de campanha eleitoral que não passa pela estrutura partidária tradicional (hoje vista com ceticismo por muitos brasileiros, apesar de sua importância). A Bancada Ativista também mobiliza apoio técnico para as candidaturas, e oferece suporte social e emocional na jornada eleitoral que não é fácil para ninguém.

O segundo objetivo específico é o de construir relações de cooperação e aprendizagem com os candidatos apoiados, suas equipes, e as várias outras organizações e movimentos que também procuram formas de desatar nós que vemos na política. Os problemas que temos só serão resolvidos com muitas cabeças pensando junto e muitas mãos trabalhando junto. Diversas outras iniciativas que nasceram recentemente com motivações semelhantes às da Bancada Ativista podem ser destacadas — entre elas a Muitxs, movimento que busca eleger ativistas em Belo Horizonte, e o Voto Legal, aplicativo que facilita as doações de cidadãos aos candidatos que apoiam (algo importante dado que o financiamento empresarial foi proibido). E vale dizer que partidos políticos também são atores fundamentais, é claro, apesar de limitados e insuficientes — e o diálogo com pessoas que os compõem é igualmente crucial.

O terceiro objetivo específico é o de garantir que todo o processo seja devidamente registrado e gere aprendizados relevantes não apenas aos envolvidos, mas a um grupo mais amplo de pessoas interessadas em política e democracia. A Bancada Ativista é, antes de qualquer coisa, um experimento em constante construção e reconstrução — e que se aventura em alguns territórios pouco conhecidos na política brasileira, tendo em vista que a figura de um “comitê cívico de campanha” como esse sequer é prevista na lei, o que nos coloca em uma posição interessante (e por vezes arriscada) para inovar e aprender.

Se atingirmos sucesso razoável nesses três objetivos específicos, eles nos levarão ao objetivo geral mais amplo de desenvolver um formato colaborativo, pedagógico, suprapartidário e efetivo de campanha eleitoral cívica que poderá ser replicado e aperfeiçoado em futuras ocasiões. Em uma realidade na qual campanhas eleitorais são conduzidas por estruturas e processos vistos como anacrônicos e corrompidos, isso pode ajudar não só a eleger candidatos capazes de virar o jogo, mas também a (re)conquistar o interesse de muitas pessoas que estão afastadas da política, contribuindo para o fortalecimento da democracia. O caminho é obviamente longo, mas as reações positivas que temos visto às atividades da Bancada Ativista tanto em redes sociais quanto em novos e tradicionais veículos de mídia nos mostra que não é um sonho tão distante assim.

No Brasil, e ao redor do mundo, é cada vez mais forte o chamado por sistemas políticos capaz de nos entregar uma democracia real e profunda. Também é cada vez mais latente a necessidade de um sistema político capaz de garantir justiça social e ambiental, reduzindo desigualdades, eliminando a pobreza, e fomentando um modelo de desenvolvimento que conserve e regenere a natureza. A Bancada Ativista não resolverá todos os nossos problemas. Mas, ao lado de vários outros experimentos que têm surgido por aí, pode fazer a diferença. Sem falar que seria incrível ver a política institucional ocupada por ativistas com quem vamos juntos para as ruas.

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