CamilaAchutti
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4 min readJun 18, 2019

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E o Path é: Do nóis FOMO para o nóis VAI.

Festival Path. São Paulo, 2019.

São Paulo, início de junho, quase inverno, garoa fina, Festival Path.

A paisagem contornada pela chuva é um clássico paulistano.

E quando falamos de clássicos, falamos também de Adoniran Barbosa, um demônio da garoa.

Antes da pauta de mobilidade começar a andar por aí, antes mesmo de neologismos digitais, existiu Adoniram, que certa vez cantou isso aqui:

“pogressio, pogressio.

eu sempre iscuitei falar, que o pogressio vem do trabaio.

então amanhã cedo, nóis vai trabalhar”

Adoniran, que disfarçava suas teses em versos simples e ingênuos, adorava um caco de linguagem, adorava brincar de escrever errado para escrever verdades.

Foi publicitário antes da publicidade, foi criativo cantando

“Quaiscalingudum, quaiscalingudum, quaiscalingudum…”

Adoniran, estivesse no Path, diria “Do Nóis Fomo para o Nóis Vai”.

Pois bem, expliquemos:

Música, criatividade ou tecnologia, não importa.

Festivais oferecem mais atividades do que conseguimos processar, num reflexo condensado de toda a histeria digital, a qual estamos submetidos diariamente.

É tempo de “pogressio”. É a época do FOMO.

Você sabe o que significa?

É um acrônimo para “Fear of Missing Out” (Medo de Perder Algo, numa tradução livre para português).

O FoMO foi citado pela primeira vez em 2000 por Dan Herman e definido como o medo de que outras pessoas tenham boas experiências que você não tem.

Esse receio, por sua vez, é o gatilho que mantém bilhões de pessoas conectadas em rede o tempo todo, tentando acompanhar e compreender tudo e, acima de tudo, ansiosos por compartilhar como se não houvesse amanhã. Haverá?

Minha primeira palestra no Festival Path estava rolando simultaneamente com outras 8 atividades. Foi da Mariana Ferrão e ela discorria sobre a assimetria entre o queremos das coisas e o que pensamos e sabemos sobre nós mesmos.

Mariana usou da expressão “Unboxing Me” para delinear esse chamado a reflexão, de se aprofundar em si antes de estimular um pensamento pra fora.

É o tal do “conhece-te a ti mesmo…”, expressão grega, que em sua versão completa, concluía, “…e conhecerás os deuses e o universo”.

Isso me leva a primeira reflexão:

Do demônio da garoa, passando pelo medo de perder coisas, voltando aos gregos e deuses antigos, é, foi e sempre será nossa a decisão de transformar FOMO em VAI.

Tirar do passado e colocar nossa perspectiva no presente.

Sabe o que é VAI? Não, claro que não! Acabei de inventar, mas é a noção mais positiva de toda essa troca.

Significa “Valuable Appreciation Interchange”? (Valorizar e Apreciar a troca).

Percebam que é tudo uma questão de intenção.

A gente pode olhar para tudo aquilo e produzir medo e ansiedade, ou, de um jeito mais propositivo, podemos ser gratos pela oportunidade de trocar e sair fora da nossa zona de conforto.

É uma questão de sentir a mudança na pele sabe!? Sentir a velocidade do mundo! Fazer igual o cachorro que coloca a cabeça pra fora do carro, sente o vento e deixa a baba escorrer.

Legal, Camila! Mas como? Me ensina pelo amor de Deus!? Me ensina a babar…

Também não sei transformar medo em valor, interação e troca, mas as 2 afirmativas mais bem-sucedidas que eu venho usando são:

1) aceitar a incerteza como uma oportunidade do novo e, 2) focar mais nas perguntas que nas respostas.

Vou explicar as duas.

1)

Imagina comigo:

Ver um israelense criar água através de uma máquina que usa umidade do ar. Pronto, liga na tomada e tem água.

Aí, depois, você vai para uma palestra cheia de pessoas muito estudadas, cheios das referências e diplomas, ouvir sobre como a psiquiatria tem questionado os resultados dos tratamentos contínuos com antidepressivos e, ao mesmo tempo, negligencia o uso de psicodélicos nos tratamentos (sim, as chamadas drogas “não muito lícitas”, mas ministradas em microdoses).

Nos dois casos, o que se destaca é o ato de questionar certezas.

E, dessa forma, pela via do questionamento estruturado, estamos observando evoluções na tentativa de solucionar 2 dos maiores problemas da humanidade.

Será mesmo que eu não posso ser mais tolerante com a incerteza em prol da humanidade? O que seria diferente se eu tivesse certeza de tudo? Eu te conto.

A criança israelense, hoje fundador da Watergen, estaria, em vez de criando água na umidade do deserto, enxugando o suor das escolhas erradas. Tampouco teríamos descoberto formas menos invasivas de tratar o mal do século: a depressão.

Deu pra entender?

2)

Concentre-se nas perguntas que você tem para o mundo e não em ter todas as respostas.

Teis de Greve foi minha primeira palestra do segundo dia.

Ele é um design de interação holandês que vem tentando tornar visível tecnologias invisíveis como WIFI e NFC através de experiências sensoriais.

Sabe qual a técnica?

Olhar para o passado, para o que já rolou, e pensar nas perguntas que não foram feitas.

Quando criamos modais mais baratos de mobilidade, como as bicicletas compartilhadas, não imaginávamos esse sucesso, mas poderíamos nos perguntar como seria a relação de responsabilidade com aquele modal por parte dos usuários, certo!?

E, assim, de pergunta em pergunta, pensar em como suportar o descarte e o estacionamento delas.

Enfim, temos que colocar a intenção certa todos os dias para ao invés de ficar, ir.

Se no meio do caminho der medo, lembre-se da sabedoria inocente de Adoniran. Lembre-se do “pogressio”, abrace a incerteza e refaça as perguntas.

É isso.

Nóis FOMO, mas nóis também VAI.

Viva Adoniram.

E amanhã cedo nóis vai trabalhar.

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