Subvertendo o sistema: por que devemos empreender com propósito

Isabella Saldanha
banco next
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4 min readJun 25, 2019

Não houve um momento na minha vida em que acordei, me olhei no espelho e pensei: agora sim, vou me tornar empreendedora. Quer dizer, eu sempre soube que não ia dar certo trabalhar pra alguém, sempre fui muito boa com regras, mas também questiono absolutamente qualquer coisa da qual discorde minimamente. Basicamente, uma chata. Acho que pra ter seu próprio negócio todo mundo precisa ser um pouco chato, especialmente questionador.

Veja, eu venho de uma família de mulheres, professoras do ensino público, sou do subúrbio do Rio de Janeiro, uma casa em que nunca faltou nada, mas também nunca sobrou qualquer coisa que fosse, por isso sempre soube que o ser empreendedora não cabia dentro da minha realidade.

E aí eu comecei um canal no Youtube com o Felipe, que hoje é meu sócio, e só pra encurtar a história, afinal, você pode saber mais dela nesse mundão da internet, hoje sou dona de uma das únicas produtoras do Brasil que atende exclusivamente para internet. Ainda assim não me sentia exatamente contemplada pela palavra empreendedora, que cada dia mais me parecia soar e ser vivida quase como o fim em si. Ora, empreender não deveria ser consequência de de fato ter um negócio e querer mudar ou fazer algo para o mundo?

Foi por isso que quando recebi o convite do next pra participar do Festival Path, tinha certeza que precisaria assistir todo conteúdo possível que pudesse me fazer refletir e ressignificar essa palavra.

Assim que sentei pra assistir o primeiro painel, sobre empreendedorismo de base, comecei a refletir sobre o lugar de privilégio necessário pra se auto intitular empreendedor, sobre como se perceber como tal é questão também da forma como a gente é construído pra pensar nos nossos lugares sociais. Por que a gente só discute empreendedorismo quando falamos de nascidos ricos? Por que minha tia, que faz e vende bijuterias, não é também empreendedora?

Ser empreendedor não deveria ser o fim, mas sim a consequência do que você faz e acredita. Eu nunca tinha me definido empreendedora porque nunca senti a necessidade de fazê-lo e porque acredito que hoje, na era dos empreendedores digitais, me colocaria em um status do qual não faço e não quero fazer parte. Porque pra mim, empreender tem a ver com propósito.

Explico.

Toda e qualquer oportunidade que eu tenho, enquanto dona da Apartamento Filmes, trago mulheres incríveis, que fazem trabalhos impecáveis, pra dentro de um mercado que só olha pra homens. Uso, o tempo todo, o sistema que desfavorece mulheres para construir coisas ao lado dessas mesmas mulheres. É fazer o dinheiro girar dentro de um ecossistema que você acredita que deveria estar funcionando cada vez melhor.

Em um mundo em que o empreendedorismo parece ter ganhado status de ser um campo por si só, preciso dizer que empreender é inerente a qualquer um que comece o seu próprio negócio, não importa com quanto investimento inicial, por quais motivos ou como seja feito; você pode ter uma produtora de vídeo, como é o meu caso, uma loja de roupas, uma pousada ou fazer bijuterias e vender como minha tia, em todos os casos temos coisas em comum, mas que não se encerram em si, entendem? Porque também tem suas próprias especificidades.

E isso me leva a uma das reflexões que o fim de semana do Path me trouxe: se existem tantas camadas de complexidade em se ter um negócio, por que eu ouvi tantas vezes que marcas precisam trazer obviedade e clareza junto a elas? Se por trás de marcas, como a minha, temos seres complexos como eu, pra mim não faz o menor sentido que a identidade das nossas marcas seja tão superficial porque isso faz com que seja praticamente impossível que consumidores, enquanto seres complexos, se identifiquem com essas marcas. Talvez, portanto, o maior desafio de uma marca grande hoje seja se tornar real, que também quer dizer tornarem-se complexas, mas principalmente quer dizer viver na prática os discursos que pregam e divulgam nas redes e campanhas.

Criar significados para campanhas e não aplicá-los no dia a dia da sua empresa, na vivência dos seus funcionários, vai inevitavelmente fazer com que a sua marca fique cada vez mais longe do público que quer atingir. É necessário desmistificar quem é a pessoa (ou as pessoas) por trás de cada marca porque só assim é possível se aproximar de verdade de quem vai trabalhar contigo ou consumir os produtos que sua empresa quer vender.

Quem empreende, sabe que empreender não tem nada de tão glamuroso quanto a gente tem visto nas redes, que a rotina é de muito corre e de muito MUITO suor. Só a gente que acorda todo dia pra dar conta de um trilhão de coisas que permeiam tantos campos diferentes sabe que no fim do dia a gente tá ali sendo financeiro, comercial, redes sociais, produtores de conteúdo e tantas outras coisas que são o que pra mim todos nós temos em comum.

Durante o Festival Path comecei a me perguntar se também não seria responsabilidade nossa mostrar mais o que quer dizer de verdade empreender e foi com a companhia do Next que entendi que se nós não começarmos a contar a nossa perspectiva do mundo empreendedor, vai continuar faltando diversidade e representatividade nesse meio.

A internet permite isso, que a gente possa comunicar-se com nosso público sem precisar de aprovação de ninguém se não ele próprio pra continuar essa comunicação e isso muda tudo. Isso muda toda a relação de consumo, mas principalmente modifica a produção do conteúdo em si.

Por isso, depois desse fim de semana, o que eu sei é que a gente que é gente de verdade precisa começar a pensar o que realmente significa empreender, pra contarmos a nossa história, do nosso ponto de vista e pra podermos dividir isso com outras pessoas reais que estarão do outro lado prontas pra nos ouvir.

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Isabella Saldanha
banco next

produtora executiva na Apartamento Filmes, poliamorista e a maior entusiasta da produção dedicada de video pra internet que você vai ver ❤