A gente pode escrever do jeito que a gente fala?

Thalita Gonçalves
banQi
Published in
5 min readAug 9, 2022
Personagem de The Office apontando frase num quadro branco. A frase diz “you’re not starting over”
Você não está começando de novo, você está começando com experiência.

Muito se fala sobre experiência do usuário em compras online, no pagamento de contas e no atendimento virtual. Mas e escrever pensando na experiência do usuário, será que nós estamos escrevendo?

O conflito de escrever pensando em experiência acontece porque durante muito tempo fomos ensinados que a escrita é diferente da fala, no entanto, para desenhar boas experiências, o exercício é justamente o contrário.

Para construir um conteúdo focado em experiência é preciso pensar da seguinte maneira “se esse assunto fosse discutido na mesa de um bar, eu continuaria o papo ou levantaria e iria embora?”

Parece papo de maluco, mas começar a pensar em como vão ouvir e compreender nossas mensagens, também é um processo importante no desenvolvimento da linguagem de produtos digitais e de suas funcionalidades.

Aqui no banQi nós temos um manual de redação que define a nossa voz, explica como adequar o nosso tom, aborda regras gramaticais e entrega outros pontos importantes, que passam bem longe do modelo tradicional das aulas de português que a gente tinha na escola.

Nós escrevemos como falamos, e isso não é errado, isso é pensar na experiência de quem vai ler a mensagem.

E como escrever pensando na experiência?

Boas práticas de UX Writing podem ser seguidas em várias áreas: na pesquisa, no atendimento de bots, nas FAQ’s, nos e-commerces, nas apresentações profissionais e acadêmicas entre outras áreas.

Para começar a desenvolver uma escrita voltada para a experiência, podemos observar papos que temos no dia a dia, por exemplo:

  • Te chamaram para um churrasco e te colocaram num grupo de WhatsApp para dividir os gastos com as bebidas e a alimentação. A mensagem recebida no grupo foi: “Ficou R$ 50 pra cada” . Como você responde essa mensagem?

a)Vou efetuar um Pix para participar.

b) Já vou realizar um Pix.

c) Vou fazer o Pix, já!

Dificilmente as alternativas a e b são escolhidas numa troca de mensagens. Quando precisamos escrever tendo experiência como foco, é esse cuidado que devemos ter, trazer as falas cotidianas para dentro dos textos.

Isso vai variar com a voz de cada marca? Sim, vai. No entanto, uma conversa simples garante uma experiência acolhedora na maioria das vezes

A escolha das palavras importa: os sinônimos existem, mas precisam ser aplicados de acordo com o contexto do usuário.

No exemplo do tópico anterior eu usei as palavras: efetuar, realizar e fazer. Você percebeu?

Embora essas palavras tenham o mesmo sentido, o uso de cada uma delas vai depender do contexto de quem lê.

Como o intuito do banQi é manter uma conversa com quem usa o aplicativo, a palavra “fazer” se encaixa melhor no contexto de um atendimento telefônico ou via bot. É muito mais comum ouvir “Você pode fazer o pagamento até às 16h”; “Você pode pagar até às 16h”, do que “Você deve efetuar o pagamento até às 16h”.

Já os botões de ação nas telas, os famosos call to action, podem ser ainda mais simples, aderindo sempre aos verbos infinitivos.

“Ah, verbo infinitivo, já veio com papo de escola…” Não, não é papo de escola. É uma regra simples de aplicar.

Se você não se lembra deles, eles são todos aqueles terminados em : -ar, -er, -ir. No contexto do banQi os que estão sempre presentes nas ações são os:

  • Continuar
  • Contratar
  • Falar
  • Pagar
  • Fechar
  • Voltar
  • Gerar
  • Ver
  • Fazer
  • Conferir

Construir um conteúdo pensando na experiência é entender para que vai servir aquela funcionalidade:

Recentemente numa pesquisa de conteúdo para construir o fluxo de recorrência de recarga no Bilhete Único e no celular no banQi, surgiram caminhos diferentes de texto.

Sabendo que a principal tarefa da funcionalidade é mandar um lembrete para que quem faz recargas, as ações que tomamos foram:

  • Fazer um bench pra entender como o mercado se comunica
  • Estudar o que faz sentido para o nosso público
  • Testar as opções dentro do nosso padrão de linguagem
  • Identificar oportunidades de conteúdo : “será que isso pode virar uma dúvida no atendimento?”, “se for para atendimento, como o usuário vai receber essa ajuda?”

Para criar o conteúdo é levado em conta:

Qual ponto de desconforto é apontado pelo usuário? — Aqui recolhemos informações mostradas em entrevistas com usuários do banQi

Como os principais concorrentes abordam esse desconforto? — Nesta etapa analisamos as palavras mais usadas no fluxo de recarga e compra em apps concorrentes

Como o fluxo do banQi pode ser construído para resolver o desconforto apontado pelo usuário? — trazemos o sentimento do usuário para o manual de linguagem banQi

Fluxo de pesquisa de conteúdo ux writing
Exemplo de Pesquisa de Conteúdo

Nós estudamos as palavras que o mercado usa: lembrar, repetir e criar . Mas e aí, qual palavra escolhemos? Escolhemos: ativar.

O mercado usa termos interessantes, mas que para o contexto do usuário banQi, poderiam ter outro sentido. Nosso papel aqui era informar que ativando o lembrete, o usuário apenas receberia mensagens sobre a recarga, mas não ativaria recargas automáticas.

O texto também precisava estar alinhado ao componente na tela, o toggle switch , que em testes foi descrito pelos usuários como “botãozinho de liga e desliga” .

Para reforçar a funcionalidade também incluímos um texto de apoio na tela de seleção do período de envio do lembrete, a mensagem construída foi a seguinte: “Vale saber: o lembrete só avisa, não faz recarga automática.”

Ela não estava presente nos alinhamentos iniciais de desenho das telas, mas se fez necessária depois do estudo de conteúdo que identificou que na concorrência um dos principais motivos de contato com o suporte era para confirmar se o lembrete faria recargas automaticamente ou não.

A função da área de UX Writing também é garantir que as informações na tela sejam entendidas facilmente.

Mas e como foi construído o texto que não estava desenhado nos primeiros alinhamentos?

Os termos “só avisa” , “não faz”, também foram escolhidos por aparecerem de maneira comum na fala dos usuários banQi em testes moderados, e também nas nossas falas do dia a dia. Você certamente já ouviu ou falou coisas como:

  • “Só me avisa quando chegar”
  • “Isso não faz muito barulho não, né?”
  • “Vou só avisar minha mãe que já tá na hora do remédio”
  • “E depois dessa reunião, o que a gente faz?”

Analisar o comportamento do usuário e o contexto das palavras que ele usa, mostra que escrever como falamos não é errado, é começar a desenvolver uma conversa de fácil compreensão e oferecer uma boa experiência para quem vai consumir o conteúdo.

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Thalita Gonçalves
banQi
Writer for

Content Designer | UX Writer contadora de história e cheia de graça| Portfólio: https://thaligrf.wixsite.com/thalitagoncalves