O que podemos aprender e desaprender com o livro “O Teste da mãe”

Poliana Santos
banQi
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4 min readMay 5, 2023

O livro “O Teste da Mãe”, de Rob Fitzpatrick, é uma referência comum ao estudarmos sobre produto e UX. Publicado em 2019, seu objetivo é ensinar como conversar com seu cliente para ter insights relevantes ao criar ou melhorar produtos — ou seja, a proposta do livro é auxiliar os leitores a fazer perguntas melhores para seus clientes. Mas será que ajuda mesmo? Para tentar responder a essa pergunta, vou compartilhar um pouco do que aprendi com ele e também trazer algumas percepções sobre abordagens do livro pela minha perspectiva de pesquisadora.

Conversas são mais úteis quando são sobre comportamentos

“Você sabe que conversas com clientes foram úteis quando elas trazem fatos sobre eles e suas visões de mundo”, ou seja, uma conversa com seu cliente deve ser pautada no comportamento atual dele e não divagar sobre hipóteses ou situações imaginárias.

Em situações hipotéticas a pessoa entrevistada pode apenas imaginar o que faria (e, às vezes, ela nem sabe o que faria) e possivelmente a resposta não estará diretamente relacionada à sua realidade. É muito comum que o entrevistado tente agradar a quem entrevista, mesmo que de maneira inconsciente, especialmente em situações hipotéticas. Os insights da pesquisa vão vir do que a pessoa já faz em seu dia a dia. Justamente por isso é que aconselho que quem faz pesquisa investigue também temas que estejam fora do contexto do seu produto, já que comportamentos e crenças podem transitar entre contextos.

O problema é realmente um problema?

Não basta identificarmos os problemas dos clientes, também precisamos de fato verificar sua relevância no contexto do produto para suporte na priorização de tarefas. Nesse ponto o livro nos ajuda a entender se o problema citado pelo cliente é realmente um problema ou apenas uma reclamação.

E para isso a sugestão é considerar perguntas como “você já tentou resolver esse problema?” e “como você já tentou resolver isso?” No caso de ser apenas uma reclamação, quando pensamos em priorização, com certeza esse ponto vai ir para o fim da lista ou poderá até mesmo ser desconsiderado.

Informações ruins

Aqui conhecemos três tipos de informações das quais devemos fugir: elogios, bobagens (coisas genéricas, hipotéticas e o futuro) e ideias. Mas o que mais me chamou atenção aqui foi a forma de entendimento sobre os elogios e ideias.

“Elogios são o ouro do tolo nas conversas com clientes: brilham os olhos, causam distração e não valem absolutamente nada.” Elogios não guiam o caminho de melhoria do produto. O que nos interessa são os pontos de aperfeiçoamento possíveis.

“Ideias e funcionalidades deveriam ser entendidas, não imediatamente atendidas”. O cliente pode ter ideias sobre e para o produto, mas o que há por trás dessas ideias? Para nós o que importa são suas motivações.

Resultados de uma boa conversa

O livro classifica os resultados de uma boa conversa como fatos e compromissos, classificando-os como:

  • Fatos concretos e específicos sobre o que o usuário faz e por que faz. Ou seja, são dados descritivos das descobertas de pesquisa. E são importantes porque trazem objetividade para a análise.
  • Compromissos são todo tipo de ação/decisão, seja de usabilidade ou de negócio/produto, com base nos dados coletados. São nossas propostas de intervenção e melhorias, o que justifica inclusive a realização do projeto de pesquisa. Pesquisas com valor trazem soluções ou propostas de ação com base nos resultados obtidos.

E quais os pontos de atenção sobre a abordagem do livro?

Ao contrário do que o livro aborda, não é possível uma conversa com seu cliente sem a formalização da conversa para fins de pesquisa. A abordagem do livro dá a entender que por meio de conversas rápidas e informais (sem que a pessoa saiba sobre a finalidade de pesquisa) e sem documentação são suficientes para melhoria do produto.

Inclusive, faz parte da ética em pesquisa (e mais recentemente pelas determinações da LGPD) informar sobre o destino das informações que estamos coletando com nossos clientes. Além disso, com 15 minutos de papo não se cria ou melhora um produto, não é mesmo? Com esse tempo você pode ter insights de melhorias que devem ser aprofundadas e testadas. (E com isso lá se vão horas de entrevistas e/ou outros tipos de estudos que fizerem sentido para o contexto).

Para além disso, existem teorias em metodologia de pesquisa qualitativa que estabelecem diretrizes para condução de estudos com rigor científico afim de garantir resultados confiáveis.

Dessa forma, se você não é pesquisador, vale se debruçar sobre o tema ou conversar com o time de pesquisa da sua organização antes de sair por aí tendo conversas de 15 minutos com seus clientes e achando que vai salvar seu produto.

E se você é uma pessoa pesquisadora, garanta que você tenha um canal aberto para diálogo na sua empresa sobre essa temática. Como pesquisadores é nosso dever profissional não só explicar como fazer perguntas, mas também resguardar a cultura de pesquisa dentro das organizações explicando a importância do método e do rigor científico.

Não se trata apenas de como fazer perguntas ao cliente mas também de considerar a necessidade de um arcabouço metodológico por trás dessas perguntas.

Para saber mais sobre metodologia de pesquisa, considere conhecer esses livros:

  • A Construção do saber — Manual de metodologia de pesquisa em Ciências Humanas (Christian Laville; Jean Dionne) — Editora UFMG
  • Análise de dados qualitativos (Graham Gibbs) — Bookman
  • Metodologia das Ciências Sociais (Augusto Santos Silva; José Madureira Pinto) — Edições Afrontamento
  • UX Research com Sotaque Brasileiro (Cecília Henriques, Elizete Ignácio, Denise Pilar) — Casa Código

Tem alguma sugestão de livro? Conta pra gente nos comentários!

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