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Na selva

Sacripanta
bardosbardos
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3 min readNov 13, 2018

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Nomes de lugares estranhos, verbos com origem obscura, ditados esquisitos, traduções de títulos de filmes, listas de livros mais vendidos, estamos cercados de coisas que parecem regidas pelas artimanhas do acaso, que tendemos a apenas aceitar e não perguntar muito, afinal, o número de livros de autoajuda e consultórios psicológicos não diminuiu o número de pessoas insatisfeitas –nem o número de pacientes. A quantidade de possibilidades de entretenimento não nos tornou mais divertidos ou bem humorados, e a queda do consumo de tabaco não nos fez mais saudáveis. Não sei o quanto dessas afirmações são verdadeiras, mas eram esses os pensamentos de Cláudio Abelardo, um rapaz insatisfeito com o aparente caos que ele via florescer à sua volta.

Num mundo aberto a tantas possibilidades, e à presença de tantas coisas naturalizadas e sem resposta e sem necessidade de respostas, com tantos bares e boates e amigos, por que era tão difícil ter bons momentos? Por que era tão difícil encontrar alguém? E ele não pensava em namoradas, ou necessariamente em mulheres, a questão dele não era tanto a carência de ter alguém a seu lado, mas uma carência de encontros. De bons encontros. Que podiam ser casuais, aleatórios, mas que contivessem, em si, um sentido.

Sábado passado ele foi a um bar novo, com amigos e amigas de um amigo. Foi horrível. Ele sentiu-se em um episódio de Friends, mas com um roteiro péssimo e piadas ruins. Cada um esforçava-se por contar histórias mais engraçadas que o outro, fazer tiradas bem humoradas, ou falar de amenidades. Isso é bom para quebrar o gelo e Cláudio Abelardo, além do nome engraçado, também tinha algumas boas histórias meio inventadas para contar, mas o problema é que eles ficaram naquilo a noite inteira, e quando chegou em casa ele se sentia como se tivesse saído de uma sessão de comédia morna, em que sabia tanto dos personagens quanto sabia antes de ter visto o filme. Nada.

E o problema não era aquela noite ter sido assim, mas a anterior também, com outras pessoas. Assim como aquela festa na outra semana, e a antes dessa, de forma que ele não conseguia se lembrar mais de nenhuma pessoa minimamente marcante, a não ser uma garota, porque ela ria esquisito, e de outra cujo tomara-que-caia caiu mais do que ela desejaria –e essa era uma boa lembrança, mas, mesmo assim, insuficiente, era tudo de uma torturante falta de sentido.

É muito fácil trancafiar-se em seu próprio apartamento e tornar sua vida tão profunda como o mural do facebook: repetitivo e cheio de tirinhas de humor que são esquecidas tão logo lidas, e com fotos que não compõem um painel. Trancafiados em gaiolas, e quando saem são como macaquinhos de circo e se esquecem de como lidar com pessoas e ao invés disso fazem um ou dois truques engraçadinhos que vão tornar a gaiola menos solitária por uma ou duas noites, e depois tão vazias quanto antes.

Mas, às vezes, mesmo uma tradução alternativa de filme faz sentido, assim como de vez em quando se encontram livros de autoajuda que autoajudam alguém. O nome dela era Jeane, uma estrangeira de olhos azuis, que carregava suas palavras com uma tristeza sedutora. Jeane conversava, ao invés de fazer coisinhas engraçadinhas em troca de sorrisos ou bananas, e até mesmo falava de fatos pessoais esperando que os interlocutores interviessem, comentassem sobre o que ela contara. Aquilo parecia de fato uma oportunidade de encontro, pensou Cláudio Abelardo, que lá pelo fim da noite conseguiu ficar um pouco a sós com ela. Aproximou-se com seu copo com três dedos de conhaque e falou: Mim Cláudio. Você Jeane.

Foi amor à primeira vista.

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escrito em 26.03.12

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Sacripanta
bardosbardos

Sociólogo de esquerda, terraglobista, cético, ético, etílico, da baderna e gritaria.