De Olho Na Câmara: Deputados e deputadas atuam da mesma forma no parlamento?

Análise do índice de produção legislativa com os Dados Abertos da Câmara por gênero e bancada

Base dos Dados
basedosdados
6 min readJul 16, 2024

--

Análise e texto por Thais Filipi
Edição por Giovane Caruso
Design e Edição de arte por José Félix

Quando falamos sobre a participação feminina na Legislatura atual da Câmara dos Deputados é importante ter em mente ao menos duas coisas: ela é muito baixa, mas ainda é a melhor da série histórica da Casa. Houve um aumento de 2,7% entre as eleições de 2018 e 2022, que passou de 15% do total da composição para 17,7%, por exemplo.

Há uma infinidade de temas que poderiam ser abordados na relação entre gênero e representação política, mas hoje vamos focar na produção legislativa. Para isso, utilizamos os Dados Abertos da Câmara dos Deputados e pegamos emprestada a metodologia de construção do indicador de produção legislativa do Índice Legisla Brasil, ONG que avalia o trabalho de parlamentares e promove práticas mais efetivas e inclusivas na política. Discutimos também os resultados da análse com a Ana C. Vaz, Consultora da Organização de Estados Ibero-Americanos para a Educação, a Ciência e a Cultura (OEI) e responsável desenvolvimento metodológico e análise dos dados do Índice.

Vamos investigar se a atuação feminina na 57ª Legislatura (a atual) é muito diferente da masculina — no geral e por bancada. Além de considerarmos a pontuação final do indicador, decidimos também explorar as diferenças para cada um dos parâmetros separadamente.

Este artigo é parte da Campanha #DeOlhoNaCamara. O objetivo da campanha é promover uma série de conteúdos para te ajudar a construir suas próprias análises. Confira abaixo os artigos e tutoriais já publicados e não deixe de assinar gratuitamente a BDletter para ficar por dentro das novidades da BD.

Conheça os dados que te ajudam a monitorar a Câmara dos Deputados

Veja nosso tutorial sobre Como Analisar os Dados Abertos da Câmara com a BD

Sobre o indicador

O indicador de produção legislativa é composto por oito parâmetros (ver detalhes no infográfico). Ele foi construído pela iniciativa Legisla Brasil, que tem feito isso desde 2022. O Índice Legisla avalia os deputados em 16 indicadores, divididos em quatro eixos principais: produção legislativa, fiscalização, mobilização e alinhamento partidário (documentação). Ou seja, só vamos reproduzir uma parte do Índice. Mas esperamos que isso inspire vocês a explorar a metodologia indicada e avançar conforme os seus próprios critérios e objetivos.

A produção legislativa na Câmara, por sexo

De modo geral, não há muita diferença na pontuação média dos(as) deputados(as) por sexo no indicador de produção legislativa. A pontuação feminina, contudo, é ligeiramente maior em todos os parâmetros, com exceção na presença em sessões deliberativas. O infográfico abaixo mostra essas informações para Câmara como um todo e para as bancadas parlamentares.

Audiodescrição do Infográfico Título Principal: Produção Legislativa na Câmara Subtítulo: Pontuação média de deputados(as) da atual legislatura nos parâmetros de produção legislativa, por gênero Gráfico Radar: O gráfico radar mostra a pontuação média dos deputados e deputadas em vários parâmetros de produção legislativa, com duas linhas representando mulheres (linha azul) e homens (linha verde). Parâmetros no gráfico radar: Votos em separado, Apresentação de projetos, Relevância das autorias,

Em primeiro lugar, vamos falar sobre o gráfico de radar, que utilizamos aqui. Ele ajuda muito quando queremos comparar diversos atributos de uma única vez — no caso, todos os parâmetros do indicador de produção legislativa. Quem é familiarizado com videogames ou jogos de RPG conhece bem esse formato. Cada um dos eixos mostra a pontuação média nos parâmetros, e a área coberta — nesse caso agrupada por sexo, mostra o perfil de distribuição pelos parâmetros. A pontuação varia de 0 a 1, então caso a média em todos os atributos fosse 1 para um dos grupos considerados, toda a área do círculo estaria coberta; se fosse zero, nenhuma.

A produção legislativa por bancada parlamentar e gênero

Agora podemos qualificar melhor os nossos achados. Se por um lado não há muitas diferenças por sexo levando em consideração a Câmara como um todo, isso muda quando olhamos para as bancadas. As mulheres do bloco União* e MDB* apresentam maior pontuação no total de substitutivos e de pareceres de relatoria apresentados. No bloco do PL, por outro lado, a pontuação masculina é mais alta em todos os parâmetros, sendo ligeiramente menor somente no total de substitutivos. Na Federação Brasil Esperança, as mulheres têm pontuação média maior na apresentação de projetos, mas os deputados se destacam na apresentação de emendas. A Federação PSOL REDE possui perfil similar por sexo, mas ainda há destaque de maior pontuação média masculina de presença nas sessões deliberativas. O bloco do PSB parece ter dois perfis muito distintos de produção legislativa por sexo. Os deputados se aproximam do perfil do restante da Câmara, ao passo que as deputadas possuem pontuação média mais elevada em todas as frentes. No NOVO, o perfil também é similar, com destaque feminino na apresentação de substitutivos. Vale notar, contudo, que as bancadas da Federação PSOL REDE, PSB e NOVO são muito pequenas (com 14, 14 e 3 parlamentares, respectivamente). Portanto, comparar os resultados médios desses blocos com os demais exige certa cautela.

Discutimos parte dos nossos achados em conversa com Ana C. Vaz, responsável desenvolvimento metodológico e análise dos dados do Índice. Ela chamou a atenção para como as legislaturas femininas são frequentemente mais fiscalizadas nos mais diversos âmbitos: a opinião pública, dentro dos seus partidos e entre os colegas da Câmara. A pressão vinda deste escrutínio público amplo poderia explicar a melhor performance nos indicadores de produção legislativa. E o único indicador que não está acima da média (total de presenças) seria justamente aquele que um viés de gênero poderia explicar. Mais ausências nas sessões deliberativas poderiam decorrer de responsabilidades de cuidado (seja nas famílias das deputadas, já que muitas são mães, seja nas visitas em gabinete).

Mas segundo Ana, além de olharmos para o gênero isoladamente, precisamos entender o contexto dos partidos e da Câmara. Nesse caso, uma forma de enriquecer o entendimento do gênero no Parlamento é entendendo a atuação segundo os contextos específicos de deliberação (se há pautas polêmicas envolvidas ou se há situações de espetáculo midiático promovida pelos partidos) e por algum entendimento mais aprofundado dos partidos, como a noção de tipologia partidária que vem da Ciência Política.

No que diz respeito ao contexto de produção legislativa da Câmara, a construção do Índice do Legisla Brasil teve como cuidado metodológico importante o equilíbrio entre os indicadores, para que nenhum tamanho, posição ou ideologia de um partido tivesse vantagem sobre outro. Por isso, alguns parâmetros como o voto em separado ou o substitutivo foram incluídos, já que poderiam ser encarados como estratégias importantes disponíveis a partidos menores ao propor orientação alternativa à da maioria. Outros objetos legislativos, como a relatoria de projetos importantes, exigem articulação e mobilização de contatos, e portanto, bancadas mais influentes. Como isso se articula com o gênero dentro de cada partido é uma pergunta importante. Será que elas recebem as mesmas oportunidades de protagonismo que os seus colegas dentro de suas bancadas? Essas são perguntas que ficam para outra hora.

Observações importantes

O Índice Legisla Brasil é multidimensional para ser capaz de captar tipos de atuação parlamentar diversos. Logo, uma pontuação “ruim” no indicador de produção legislativa, que usamos aqui, não necessariamente significa uma má atuação parlamentar como um todo.

O indicador também não mede a eficácia das proposições avaliadas, somente o ato de produção. É custoso acompanhar a tramitação dos projetos e medir o empenho colocado pelos parlamentares no que eles produzem. Essa é uma limitação do dado.

#FicaADica: Você pode conferir o código da análise dessa edição para aprimorar e criar novos recortes. Veja o código por aqui.

O que vem por aí?

Se você chegou até aqui, considere seguir a publicação da BD no Medium. Assim, você não perde nenhuma análise, entrevista ou dica.

Na próxima semana, publicaremos a entrevista completa com a Ana C. Vaz, que ajudou a desenvolver o Índice Legisla Brasil, e com a Andréia Pereira, Coordenadora de Conhecimento na Legisla Brasil.

--

--