DE TODOS OS AMORES DO MUNDO, CAPÍTULO PRIMEIRO

Nada, não há nada de especial em minha história e por isso nela há tudo de especial. Nada e tudo, a mais perfeita das dicotomias.

Daniel Souza
Base Mao

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Preciso confessar uma coisa. Aliás, nada do que eu disser aqui será de alguma forma inédito. São apenas palavras jogadas ao vento, um grão de areia em meio a um árido deserto. Bom, eu não tenho nome, mas calma, não sou um ninguém. Tenho rosto e corpo, mil faces e mil braços, e usei todos para abraçar o mundo. De presente ele me deu tapa chamado realidade.

Mas qual seria mesmo a minha confissão?

Ah, sim, quase me perdi em meio aos devaneios todos. Sim, eu tinha algo a dizer antes da digressão. Bom, a confissão é que eu já me apaixonei. Sou tão trivial quanto você que está aqui lendo e imaginando até onde as palavras o levarão neste texto sem nexo. Sou um mapa que vai desenhando suas curvas ao bel prazer daquele que porta a pena e o tinteiro. Sou um sopro, um leve toque do destino.

Minha paixão foi como a sua, tão forte quanto uma tempestade e tão bela quanto um jardim florido. Mas tão breve quanto a linha da vida. Amei e desamei como um carretel desenfreado, sendo desnudado até não sobrar nada. Mas agora você deve estar se perguntando, o que de especial há no amor se todos nós já passamos por isso? Nada, não há nada de especial em minha história e por isso nela há tudo de especial. Nada e tudo, a mais perfeita das dicotomias.

Esse amor me deu tudo. Tudo o que sou, o que sei, e o que serei passa por esse amor, pois ele é o fino retrato de minha parca existência. Da sua, da minha, da nossa. Reles mortais caminhando em corda bamba. Minha paixão foi turbulenta, instável, cheia de declives e nada regular. Minha paixão foi como a sua, tão simples que nem merecia tal escrito. Mas cá estou eu, destilando palavras e torcendo para que alguém que leia possa me entender.

Vamos a ela.

Ela tinha olhos negros, cabelos esvoaçantes e grandes lábio carnudos. Era tão bela e graciosa quanto a luz daqueles pontinhos que brotam no céu quando cai a noite. Foi paixão ao primeiro porre. Sim, estava bêbado, manco e trôpego, sem chão e com os olhos semicerrados. Um retrato de quem sempre fui. Assim nos conhecemos, de lados opostos, mas ao mesmo tempo tão grudados quanto linhas paralelas. Eu aqui e ela lá. E com meus mil braços tentei laçá-la. Com um único toque, me refugou. Eu então chorei.

Chorei como uma criança perdida. Afinal, eu havia perdido tudo ao primeiro toque. Me queimei em suas chamas, apagadas por minhas lágrimas que me tomaram por inteiro. Sobrevivi ao primeiro contato, e quando estava são novamente, não via a hora de passar por tudo aquilo de novo e de novo. Não me cansava de sofrer, sofrer o sofrimento mais belo e real que já havia experimentado. Tinha o mundo em minhas mãos, mas o refutei por ela.

Só pensava nela. Todo dia, o dia inteiro.

Mas quem era ela afinal?

Ela era tudo e eu nada. Sua grandiosidade me inebriava, tão alta que não conseguia enxergar seu rosto, mas mesmo assim sabia o quanto ela era linda. Meu coração disparava o tempo todo, e eu não conseguia entender a razão dela estar triste. Sim, depois de muito insistir ela falou comigo, me tirou no ponto escuro em que estava e me disse que também sofria, assim como eu. Falou que muitos a refutava, a maltratava, e então me lembrei que um dia também havia feito o mesmo. Me encolhi em mim mesmo e me desculpei por tamanha insensatez, ela, com um sorriso imaginário me disse que tudo ficaria bem.

Sua voz acalmava as feras.

Contei então pra ela o quanto eu já sofrera. Falei de meus medos, de minhas inseguranças, de meu desapego. Do quanto vivi na linha tênue de minha própria existência, e de toda a tristeza que já havia passado. Ela me ouviu atentamente e disse novamente que tudo ficaria bem. Em sua grandiosidade a abracei e senti o calor de sua pele me tomar por inteiro. Queria morar naquele abraço para sempre, pois ele me fazia sentir tão bem quanto nuca havia sentido antes. Meu peito disparava ao compasso do dela.

Segui então falando o quanto tudo parecia perfeito agora. O quanto tudo havia se encaixado. Ela acariciou meus cabelos e me contou uma história, que agora compartilharei com vocês. Me disse que um dia uma pessoa, assim como eu havia a procurado. Os dois então se envolveram, e ela lhe mostrara tudo, os limites do mundo, a grandiosidade das coisas, o sentido das dúvidas. Deu tudo de si, e quando não havia mais nada, fora traída. Aquele que prometeu amá-la sucumbiu ante as sombras, e a culpa havia lhe tomado por completa. Será que ela se entregou em demasia? Será que faltou algo para salvá-lo daquele destino? A culpa pairava sobre ela, e então me confessou outra coisa. Ela amava o mundo inteiro, mas poucos correspondiam a esse sentimento.

Eu então disse que a amava.

Em resposta ela falou: “Eu te aceito.”

Perguntei seu nome, mas já sabia da resposta. Ela me olhou, sorriu novamente e me disse: “Eu sempre estive com você. E sempre estarei por aqui.”

As sombras agora pareciam distantes. A escuridão que tanto incomodava, agora havia sido tomada por uma luz. Sabia que não a teria para sempre, e que muitos ainda a procurariam. Mas aquele sentimento, aquela paixão precisava perdurar. Tudo o que sou hoje passou por ela, aliás, se cá estou, isto também passou por ela. Ela me salvou, e aqui em meio a esse relato, só posso lhe falar uma coisa. Espero que um dia você também seja tomado por esse amor, o tanto quanto eu fui.

Seu nome era o mais belo de todos.

Me faz tremer até hoje.

Belo e singelo como tudo nela. Seu nome…

Esperança.

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