O retorno às aulas 100% presenciais no Amazonas e os riscos de contaminação da covid-19.

Base Mao
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5 min readAug 20, 2021

Por: Jonas Araújo*

Photo by Adam Nieścioruk on Unsplash

A prefeitura de Manaus e o governo do Amazonas já divulgaram o retorno às aulas 100% presenciais para o dia 23/08. A decisão acontece concomitante à vacinação para adolescentes de 12 à 17 anos. O poder público local se apoia nas “orientações” do MEC e no populismo que tomou conta da vacinação na capital e no interior para justificar a sua tomada de decisão. Contudo, a questão não é tão simples, precisamos analisar o quadro detalhadamente.

Em Janeiro deste ano o Amazonas ocupou a capa dos jornais do mundo por conta da tragédia provocada pelas políticas sanitárias negacionistas. O estado sofreu com a 2º onda de contaminação da Covid-19, dela surgiu uma nova variante do vírus, a P-1, e a crise de oxigênio em Manaus. Esse foi um mês extremamente assombroso, batendo o recorde do número de mortos em toda a pandemia, foram 3556 vítimas da doença(dados da FVS).

Em julho, a variante P.1, rebatizada como Gama pela Organização Mundial da Saúde (OMS), se tornou dominante no país e cerca de 20% dos jovens internados vieram a óbito. A jornalista Nathalia Passarinho, da BBC News Brasil em Londres, ao analisar esses dados entrevistou o infectologista Fernando Bozza, pesquisador da Fundação Oswaldo Cruz e um dos autores do estudo, que disse “A partir do momento em que a P.1 se torna dominante, há um aumento expressivo do número de hospitalizações por semana, do número de pacientes com falta de ar, da necessidade de ventilação mecânica, além de maior mortalidade hospitalar”.

Esses pontos nos remetem a um debate fundamental, a segurança sanitária. A vacinação é um dos pontos importantes mas ela sozinha não resolve toda a questão. Por exemplo, entre dezembro de 2020 e agosto de 2021 os cientistas da Universidade de Oxford examinaram amostras de quase 700 000 pessoas. No estudo concluíram que, para as infecções com carga viral elevada, uma pessoa que recebeu a segunda dose da Pfizer um mês antes estava protegido 90% contra a variante Delta do que uma pessoa não vacinada. Esse percentual cai para 85% dois meses depois, e 78% três meses depois.

Essas informações levaram os trabalhadores da educação a questionarem as medidas de retorno as aulas presenciais sem um estudo sanitária efetivo sobre a circulação do vírus no Amazonas.

Greve Sanitária x populismo sanitário

Diante de um cenário tão caótico, os movimentos e sindicatos de trabalhadores da educação começaram a se articular para abrir mesas de negociação com o governo do estado (PSC) e a prefeitura de Manaus (Avante). As pautas defendidas por essa diversidade de agrupamentos giraram em torno das seguintes questões: Imunização em massa da população; Não ao retorno do ensino presencial enquanto não houver segurança sanitária; Acesso e permanência dos estudantes ao ensino remoto com a democratização de aparelhos digitais e acesso a internet.

Contudo, seguindo a linha do conservadorismo brasileiro, o poder público se apresentou intransigente e fechou as portas para a negociação. Isso fez do mês de maio uma grande arena de debate sobre as políticas sanitárias e sobre o retorno das aulas no estado. A Secretaria de educação da capital anunciou previsão de retorno para o dia 18 daquele mês. O Governador do Amazonas decretou o retorno das aulas nos municípios do interior para o dia 19. Os trabalhadores da educação amplificam suas mobilizações contra o retorno presencial. Por fim, o governo anunciou a vacinação dos trabalhadores da educação para o dia 17 de maio, em seguida, prefeitura e governo anunciam o retorno às atividades presenciais nas escolas públicas da capital para o dia 31.05. Diante desse quadro a Asprom Sindical e o Sinteam realizaram assembleias com seus referidos associados para discutirem o retorno às atividades presenciais e aprovaram em suas instâncias a instalação da greve sanitária.

Uma vez instalada a greve sanitária é importante destacar a motivação da mesma, ambos os sindicatos defendiam que o retorno às aulas presenciais só seria seguro com a aplicação das duas doses da vacina e concomitante a um plano de vacinação em massa. O governo do Estado e a prefeitura, avaliando o impacto do “mutirão” de vacinação dos trabalhadores da educação, resolveram iniciar uma nova fase do esquema vacinal, uma espécie de populismo sanitário, assim, lançaram os mutirões de vacinação que passaram a aglomerar pessoas em larga escala em dias específicos o que gerou, estranhamente, uma pauta positiva para o governo na imprensa local.

Desta forma, nos corredores das secretarias de educação e das escolas da rede pública se iniciou uma ação conjunta para pressionar trabalhadores da educação e estudantes a retornarem às atividades presenciais. Como era de se esperar, o resultado do populismo foi a identificação de 23 escolas com casos suspeitos ou confirmados de Covid-19 (Sinteam).

Atualmente, de acordo com o vacinômetro (G1), no Amazonas, apenas 18,75% da população total está totalmente imunizada e 49,88% parcialmente imunizada. Esses dados mostram o quanto estamos longe do percentual mínimo de pessoas vacinadas para uma certa segurança coletiva. De acordo com o epidemiologista da Fiocruz/Amazônia Jesem Orellana, em entrevista ao site fórum, a estratégia de vacinação em massa para Manaus, que alcance 70% da população e no menor espaço de tempo, de preferência antes do fim 2021, é o caminho potencialmente efetivo em termos sanitários. Além disso, pode oferecer respostas sobre o processo de imunização e suas repercussões sobre novas variantes.

A greve sanitária e a perseguição às lideranças

O cabo de guerra sobre o retorno às atividades presenciais pendeu a favor dos interesses dos governantes, os gestores promoveram pressão sobre a categoria usando os mais variados argumentos entre eles: Corte de ponto, perda de carga dobrada e cargas complementares. O argumento em defesa da segurança sanitária perdeu para as necessidades econômicas. Esse cenário mostra o quão frágil é a condição dos trabalhadores em educação do Amazonas.

O movimento grevista que iniciou com grande adesão foi esvaziando aos poucos, assim, perdendo a força política para pressionar o poder público. A greve durou 11 dias úteis do mês de junho (07 a 20/06) e, no dia dia 21 de junho, diante do frágil quadro de mobilização, em assembleia, a categoria aprovou pela suspensão da greve e a instauração do estado de greve. No mesmo dia, a desembargadora Joana Meirelles, do Tribunal de Justiça do Amazonas, concedeu liminar determinando a suspensão da greve a favor da ação civil pública proposta pelo Estado do Amazonas, onde determina multa diária de 100 mil reais aos sindicatos que mantiverem a greve e autoriza o desconto dos dias de paralisação para os trabalhadores que aderiram ao movimento.

Assim, além de refutar os argumentos dos movimentos e sindicatos sobre os riscos das aulas presenciais com a ampliação da contaminação. O governo do Amazonas e a prefeitura de Manaus realizaram descontos nas folhas de pagamentos para inibir qualquer outra iniciativa da categoria no enfrentamento ao retorno as aulas sem o controle efetivo da circulação do vírus.

*Educador da Rede Municipal de Ensino em Manaus. Integrante do Movimento Escolas em Luta.

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