VIDA E MORTE DE FALUN GONG

Daniel Souza
Base Mao
Published in
3 min readApr 20, 2021

Falun Gong pensava acreditar na verdade. Caminhava todo santo dia, fazia dieta, se preocupava com a saúde. Tinha manuais e mais manuais sobre vida saudável, sobre reeducação alimentar. Falun Gong meditava, pensava no espírito, nos chacras, e em como cada movimento poderia interferir numa boa espiritualidade. Falun Gong era jovem, e queria viver mais que seus pais. Acreditava que se colhia o que se plantava. Descobriu tarde demais ser muito ingênuo.

Falun Gong morreu atropelado. Despedaçado em várias partes por sua própria soberba, Falun Gong esqueceu que o mundo não girava ao seu redor. Tinha muitos seguidores, milhares que acreditavam que a vida era isso, um emaranhado de normas e regras visando uma sobrevivência patética. Todos que o seguiam também foram atropelados e despedaçados. Nem Falun Gong e nem seus seguidores estavam prontos para o que viria.

Compaixão e Tolerância eram amigos de Falun Gong, ambos professores de redes sociais, detentores da verdade absoluta. Estavam sempre lá quando solicitados, e por muito se faziam presentes nas casas de seus discípulos. Não raro apareciam na tv, nos programas sensacionalistas, inflando o peito e cuspindo frases feitas. Falun Gong era mais tímido, não gostava de se misturar, viajava pouco e costumava se fazer presente entre os mais ricos, que o exibiam como um troféu. Digamos que fosse mais elitizado.

Mas os três caminhavam juntos, sempre de mãos dadas. Eram unha e carne, e seus discípulos, montados na grana, pagavam o que fosse para tê-los presente, nem que fosse apenas por aparências. Eles não pareciam se importar, ficavam felizes com cada trocado, com cada moeda dada em nome deles. Mas com o tempo foram perdendo fama, sendo cada vez menos solicitados e quase caíram no esquecimento. Viraram post motivacional no instagram, frases feitas e porções de textão no facebook. Não havia mais verdade em nome deles, e tudo parecia ter perdido o sentido.

E tudo mudou quando o mundo mudou.

Falun Gong, o mais frágil de todos, foi morto, como já dito. Dele poucos se lembram, e aqui em nossas terras, poucos admitem conhecê-lo. Perdeu a importância, o status, foi deixado de lado e morreu na pobreza, praticamente enterrado como indigente. Compaixão e Tolerância não foram no enterro, também estavam na pobreza. Logo depois Compaixão desapareceu, sendo lembrado de vez em quando por poucas pessoas, mas, isolado em terras distantes, também parece ter nos esquecido. Tolerância se tornou uma piada de mau gosto, e também desapareceu. Há poucos que se lembram, e a maioria hoje em dia nem sequer ouviu falar dele. Pobre coitado.

Eu, seu cronista, não me esqueço de nenhum dos três, apesar de, admito, nunca ter flertado muito com eles. Falun Gong pouco conheci, apenas em posts na internet, quando ainda era vivo. Já Tolerância e Compaixão, bom, acenei pra eles da janela do ônibus uma vez. Procurei por eles nos últimos tempos, mas seguem desaparecidos. Mas confessemos todos, ninguém dava muita bola pra eles quando estavam presentes. Se o novo mundo trouxe algo de positivo, talvez tenha sido o fato de termos admitido o quanto os tratávamos mal.

O tempo vai passando e com ele somos atropelados assim como Falun Gong e seus discípulos, enterrados pela nova realidade e dilacerados pelas novas meias verdades que cuspimos uns nos outros. Se eu tenho pena deles? Bom, tenho pena de todos nós que não aproveitamos a presença deles quando ainda se faziam presentes. Se estão mortos ou apenas sumidos eu não sei, mas olhando hoje, eles nunca se encaixariam nesse mundo. É tudo muito cruel pra eles.

Mais do que nunca, após o falecimento de Falun Gong e seu ego, precisamos ver que estamos seguindo o mesmo caminho dele, do crescimento à queda. Em um mundo de raridades, as coisas raras estão cada vez mais… raras. Será difícil, mas em um mundo onde Compaixão e Tolerância desaparecem ao menor sinal de crise, viver sem Falun Gong parece doer mais do que deveria. Mais do que nunca, temos que aprender a viver sem eles. Por mais duro e cruel que pareça.

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