O novo mercado de capitais: 20 ideias para fazer o Brasil voar
O crowdfunding de investimento teve início no Brasil, em 2015, quando lançamos o Broota — primeira plataforma eletrônica de investimento participativo do País — e que foi uma espécie de semente para o que é hoje o Basement. Ainda em maio daquele ano, realizamos a primeira captação online do mercado brasileiro, num total de R$ 300 mil e contando com cerca de 30 investidores. De lá para cá, muita coisa mudou, o mercado se sofisticou, ganhou novos atores e, sobretudo, uma regulação à altura da demanda de profissionalização e crescimento que vinham sendo exigidos.
Nesse sentido, o País ganhou, em 2017, uma norma específica para o assunto, a Instrução CVM 588, formulada por meio de um amplo processo de consulta ao mercado com vistas ao desenvolvimento de mecanismos de baixo custo, ágeis, seguros e, sobretudo, transparentes. Como pioneiros nesse mercado, contribuímos ativamente com o órgão regulador com sugestões para o desenvolvimento dessa norma, mas passados quase três anos de vigência da ICVM 588, entendemos que já é hora de atualizar tal regulação para que ela acompanhe o desenvolvimento desse mercado e suas novas demandas.
Por isso, formulamos 20 sugestões de aprimoramento à Instrução CVM nº 588 como forma de contribuir com o regulador indicando as novas demandas do mercado. Cabe destacar, antes de avançar, que consideramos animadora a notícia de que o crowdfunding faz parte dos assuntos presentes na agenda regulatória da CVM para 2020 e que, portanto, o tema deve ser objeto de audiência pública.
Nossa proposta contém sugestões que podem ser agrupadas em 4 partes:
I) expansão dos limites do crowdfunding;
II) qualificação dos processos de originação de empresas e criação de incentivos à diversificação de portfólio dos investidores;
III) proteção do investidor; e
IV) demais alterações e aprimoramentos gerais da regulação.
Em primeiro lugar, entendemos que o mais importante próximo passo a ser tomado pela regulação brasileira deve aumentar o acesso e o alcance desse mercado — tanto a novos investidores quanto a novos emissores. Enxergamos como etapa natural e necessária para tanto a criação de categorias de crowdfunding com faixas maiores de captação e tetos também maiores de faturamento. Atualmente, o limite para captação é de 5 milhões de reais e o faturamento máximo anual para uma empresa poder participar do processo, de 10 milhões. Avaliamos ser importante que empresas mais maduras também possam acessar investidores através da internet, considerando que o acesso ao mercado de capitais tradicional é, hoje, muito limitado.
Na última década vivemos no Brasil um cenário de estagnação no número de empresas listadas em bolsa[1], resultado de diversas consolidações, ofertas públicas de aquisição (OPAs) e mesmo liquidações. Aliado a isso, vimos que, ao longo da última década, a maior parte dos ganhos obtidos no mercado de capitais brasileiro se concentrou na etapa privada de investimentos, fenômeno que vem se aprofundando globalmente — a taxa interna de retorno bruto (TIR) média em dólares de fundos de venture capital (VC) e private equity (PE) captados entre 1994 e 2010 foi de 22%[2], enquanto a taxa de variação anual em dólares do Ibovespa entre 1994 e 2018 foi de 6,39%[3].
Segundo estudo publicado em 2019 pela Bain & Company, vivemos uma mudança de paradigmas sem precedentes no mercado financeiro mundial, em que mais e mais empresas optam por continuar ou se tornar privadas e fundos cada vez maiores de PE e VC são formados, de modo que o número de empresas públicas, mesmo nos EUA, diminuiu aproximadamente 45% desde seu auge de 20 anos atrás, embora o número total de empresas existentes no mercado tenha aumentado[4]. Conforme o referido estudo, tem se consolidado, entre as empresas, uma visão de que as vantagens de se abrir o capital já não mais justificam suas desvantagens, especialmente considerando os altos custos de comissões, taxas e honorários associados e as diversas despesas e custos relacionados à manutenção de tal estrutura ao longo do tempo, bem como os perversos incentivos advindos dos mercados públicos, demasiadamente focados no atingimento de metas de curto prazo.
Isso significa que as empresas que de fato abrem seu capital, cada vez mais o fazem como último recurso de saída e liquidez aos seus investidores e acionistas. Consolida-se, assim, um cenário em que os ganhos se concentram cada vez mais nas mãos dos investidores privados, restando aos investidores públicos acessar empresas crescentemente saturadas, muitas vezes incorrendo, inclusive, em prejuízos ou custos de oportunidade no médio e longo prazo ao participar de seus IPOs[5].
Diante de todo esse cenário, entendemos ser essencial a construção de caminhos, pela regulação brasileira, que possibilitem a democratização do acesso, tanto de empresas quanto de investidores, ao mercado de capitais. Enxergamos, aqui, dois objetivos principais: (i) garantir uma alocação mais eficiente da poupança pública, permitindo que mais investidores de varejo compartilhem dos ganhos obtidos por investidores-anjo e fundos de VC e PE, mitigando os efeitos da atual crescente tendência de disparidade entre os ganhos obtidos nos mercados públicos e privados de valores mobiliários; e (ii) estimular e fomentar o desenvolvimento do mercado de capitais brasileiro, ainda muito incipiente quando comparado à média internacional de países desenvolvidos[6], fomentando o empreendedorismo no país, incentivando boas práticas de governança corporativa e transparência das empresas de pequeno e médio porte nacionais e estimulando a inovação no País.
Além das mudanças nos limites da Instrução CVM 588 para permitir que mais empresas utilizem o crowdfunding de investimento, enxergamos também a necessidade de revisão dos processos, incentivos e regras aplicáveis à originação de boas empresas e à diversificação de portfólio pelos investidores. Nessa seara, o atual mercado de crowdfunding sofre de dois problemas principais. Em primeiro lugar, originação e seleção adversa: muitas boas empresas deixam de financiar-se via crowdfunding por receio de irem a mercado e falharem, considerando que não há qualquer garantia ou previsibilidade de que o valor alvo da oferta será angariado. Afinal, o fracasso de uma oferta pública, aberta a todo o mercado, pode ser não somente embaraçoso, mas mesmo fatal para determinadas empresas, especialmente considerada toda a exposição associada ao processo.
Em segundo lugar, a diversificação de portfolio: a ICVM 588 dá, hoje, poucos incentivos à diversificação de portfólio pelos investidores. É notório no mercado de venture capital que a diversificação é o maior mitigador de riscos possível no contexto de investimentos em startups, dada a aplicação da lei de potência (power law): algumas pouquíssimas empresas investidas resultarão na maior parte dos lucros obtidos, enquanto as demais darão pouco ou mesmo nenhum retorno (vide gráfico II.1 abaixo). De acordo com dados internos da Plataforma Basement, cerca de 76,9% dos investidores ativos investiram em uma única empresa até hoje (vide gráfico II.2 abaixo), com ticket médio de R$ 8.991,19. Já os investidores que aportaram em ao menos cinco empresas representam apenas 3,6% do total de investidores ativos, com ticket médio de R$ 6.114,29.
Diante desse contexto, acreditamos que a regulação de crowdfunding pode criar mais estímulos e mecanismos que possibilitem a originação de melhores negócios e a diversificação dos investimentos realizados a mercado. Para tanto, entendemos que cabe a revisão e o aprimoramento das figuras do investidor-líder e do sindicato de investimento, criadas pela ICVM 588, bem como a criação de um mecanismo de “autoinvestimento” para as ofertas, conforme modelos vigentes em plataformas estrangeiras, como explicado abaixo (sugestão nº 5).
A ICVM 588 foi um importantíssimo passo na direção do desenvolvimento e evolução do mercado de capitais brasileiro. Não obstante, muito ainda há no que avançarmos. Esperamos que, por meio das propostas e sugestões elencadas abaixo, inspiradas em práticas internacionais e na análise das tendências de mercado, possamos contribuir para a construção de um mercado de capitais mais robusto, eficiente, inovador, inclusivo e democrático em nosso País.
I. EXPANSÃO DOS LIMITES DO CROWDFUNDING E DESENVOLVIMENTO DO MERCADO DE CAPITAIS BRASILEIRO
1.Abolir limite de faturamento dos emissores — Art. 2º, III c/c §§ 3º e 4º. Esse limite impede que empresas mais maduras, que apresentam menor risco de investimento e maior viabilidade econômica, captem via crowdfunding. O limite imposto para grupo econômico impede que empresas integrantes de estruturas societárias mais sofisticadas, com maiores níveis de governança e melhor administração, acessem o mercado. O Regulation A+ nos EUA, por exemplo, não define limite de faturamento como critério de elegibilidade dos emissores, argumentando o seguinte: “we also do not believe it is necessary to limit availability of the exemption to issuers of a certain size, as we agree with commenters that suggested that the annual offering limit will serve to limit the utility of the exemption for larger issuers in need of greater amounts of capital”[7].
Proposta: Aumentar o limite de faturamento anual para R$300 milhões[8] ou abolir esse teto de faturamento, especialmente quanto ao grupo econômico.
2. Aumentar limite de captação anual para R$ 50 milhões — Art. 3º, I c/c § 3º. O limite de captação anual de 5 milhões de reais mostrou-se um óbice para o financiamento de projetos mais robustos, como projetos industriais e imobiliários, ou para o financiamento de startups em estágios mais avançados de desenvolvimento, que precisam captar mais recursos e apresentam menor risco aos investidores do que as startups que ainda estão na fase de capital semente. Há uma tendência global de aumento do valor das captações, mesmo em séries semente (series seed) ou séries A (series A). Conforme análise publicada pelo Crunchbase sobre os mercados dos EUA e Canadá entre 2008 e 2018, tanto o valor-médio das ofertas como o número e o valor-médio captado em “super-rodadas” têm crescido na última década[9]. Segundo o estudo, em 2018 a média de captação em rodadas semente foi de aproximadamente USD 1,75 milhão, enquanto a média das “super-rodadas” semente (assim entendidas como as 10% maiores rodadas semente do ano) foi de pouco mais de USD 6 milhões. Já a média de captação das rodadas série A foi de cerca de USD 11,29 milhões, enquanto a média de captação das “super-rodadas” série A foi de USD 60milhões. No Brasil, não é muito diferente: a startup Yellow captou USD 63 milhões — R$ 262 milhões — em seu series A no final de 2018, depois de ter captado USD 12,3 milhões no início do mesmo ano, a maior rodada série A já realizada em toda a América Latina[10].
Proposta: Aumentar o limite de captação anual para 50 milhões de reais, podendo ser criadas faixas incrementais e gradativas de captações máximas com regras e limitações diferenciadas dentre si, de modo similar ao que já é feito pelo Regulation A+ nos EUA.
3. Permitir contratação de sociedades corretoras e distribuidoras de valores mobiliários pelas plataformas para auxiliá-las na distribuição das ofertas — Art. 5º. Com o desenvolvimento do mercado de crowdfunding no país e a realização de ofertas maiores e mais qualificadas, torna-se necessário rever o modelo de distribuição das ofertas, para que mais participantes possam contribuir com sua colocação, garantindo acesso a um maior número de investidores, mais diversos e melhor dispersos geográfica e socialmente. O modelo vigente, com distribuição restrita a apenas uma plataforma, embora adequado para o atual teto de captação, torna-se insuficiente à medida que tenhamos ofertas maiores no mercado. Nesse contexto, é essencial que se permita a contratação de sociedades corretoras ou distribuidoras de valores mobiliários, hoje já autorizadas a atuar no sistema de distribuição nacional, por plataformas para auxiliá-las na codistribuição de suas ofertas — contratação esta inclusive permitida pela regulação norte-americana de crowdfunding, conforme artigo 17 CFR §227.402b-7. Sob esse modelo, a figura da plataforma seria ainda central, sendo ela a responsável, perante a CVM e os investidores, pela validação da oferta e aprovação das informações e documentos do emissor. As corretoras e distribuidoras, por sua vez, hoje já reguladas pela CVM, responderiam perante a autarquia e seus respectivos investidores por suas próprias comunicações e promoções relativas à oferta. De qualquer forma, seria a plataforma a responsável pelo processamento e conciliação finais de todas as reservas, bem como pela guarda de todas as informações e dados relativos às ofertas concluídas em seu ambiente.
Proposta: Permitir a contratação, pelas plataformas, de sociedades corretoras e distribuidoras de valores mobiliários devidamente cadastradas na CVM para auxiliá-las na colocação de suas ofertas a mercado.
II. QUALIFICAÇÃO DOS PROCESSOS DE ORIGINAÇÃO E INCENTIVO À DIVERSIFICAÇÃO DE PORTFÓLIO
4. Remuneração do investidor-líder pela atuação junto à sociedade — Art. 37, I. O investidor-líder foi uma importantíssima criação da ICVM 588, concebida justamente para reduzir a assimetria informacional entre emissores e investidores, aumentar a qualidade das ofertas e empresas que acessam o mercado e auxiliá-las em suas atividades após a captação, “aplicando seus conhecimentos, experiência e rede de relacionamentos visando aumentar as chances de sucesso da sociedade”. Nesse sentido, a proibição de que o investidor-líder receba qualquer remuneração, a não ser a taxa de performance dos investidores, impede uma atuação profissional e estruturada junto aos investidores e às sociedades empresárias de pequeno porte, seja no processo de seleção e estruturação das ofertas, seja no acompanhamento e suporte pós-oferta, como administrador ou consultor da sociedade. Afinal, é bastante custoso manter uma estrutura operacional apta a fazer seleção de boas empresas e originação de bons negócios, cumprir com uma due diligence cuidadosa, encontrar investidores interessados e fazer o acompanhamento das empresas e dar suporte aos investidores pós-oferta, sendo a referida proibição praticamente impeditiva à existência de bons líderes neste mercado. Tanto o é que, desde a publicação da Instrução, pouquíssimas ofertas contaram com participação de investidores-líderes. Nesse sentido, entendemos que o ganho de qualidade e profissionalização do mercado a ser atingido com a permissão de cobrança de uma taxa de “estruturação” pelos investidores-líderes em muito superaria o potencial risco de conflito de interesse. Afinal, a reputação do investidor-líder é seu maior “ativo”, o que, juntamente com a cobrança de taxas de performance, funciona como estímulo à sua boa atuação e ao alinhamento de seus interesses com os demais investidores da oferta, além de desestímulo à atuação de “bad actors” no mercado. Com essas mudanças, esperamos que o líder se torne uma figura efetivamente utilizada no mercado, em benefício dos próprios investidores.
Proposta: Alterar o inciso I do artigo 37 para permitir que o investidor-líder seja remunerado por suas atividades junto aos investidores, aos emissores etc.
5. “Autoinvestimento” (AutoInvest) — Art. 28, XIII e XV. Algumas das maiores plataformas estrangeiras, como a Seedrs[11] e a SeedInvest[12], disponibilizam um programa de “autoinvestimento” aos seus investidores, de modo a auxiliá-los na diversificação de seu portfólio. Como já dito anteriormente, considerando ser a diversificação o maior mitigador de riscos possível no contexto de investimentos em startups, entendemos como extremamente positivo para o mercado e os próprios investidores que estes possam optar por participar de um programa que lhes permita diversificar seu portfólio de acordo com critérios pré-estabelecidos, incluindo montante investido por oferta e características da empresa e do setor de interesse. Por meio desse programa, o investidor pré-selecionaria os critérios a serem atendidos pelas empresas investidas e já depositaria em uma conta de pagamentos de sua titularidade, de livre movimentação, o montante que tivesse interesse em investir, podendo acompanhar seus investimentos automáticos na plataforma à medida que as ofertas fossem sendo divulgadas. Nesse contexto, ao invés de ter que fazer um “opt-in” a cada nova oferta, o que demanda grandes esforços de distribuição pelas plataformas e potencializa riscos de fricção, o investidor receberia uma notificação por e-mail sempre que um autoinvestimento fosse completado, tendo a possibilidade de fazer um “opt-out” caso não se interessasse pela oferta, cancelamento este que poderia ser feito sem custos até o seu encerramento. Esse programa traria dois grandes benefícios ao mercado de crowdfunding: (i) mitigaria os atuais riscos de seleção adversa de emissoras, visto que as plataformas e investidores-líderes teriam melhor previsibilidade sobre sua capacidade de angariar recursos para a oferta, mesmo antes de sua abertura; e (ii) estimularia a diversificação de portfólio dos investidores, os quais hoje em sua maioria concentram investimentos em uma única ou algumas poucas empresas, aumentando seu risco de perda de capital.
Proposta: Regular o funcionamento de programas de “autoinvestimento”, por meio dos quais as plataformas, ou mesmo os investidores-líderes, possibilitariam aos investidores pré-selecionar critérios de investimento e pré-alocar, em contas de pagamento de sua titularidade, quanto desejassem investir através da plataforma ou do sindicato, de modo que não precisassem aderir ativamente a cada nova oferta que se adequasse aos seus critérios de investimento, mas pudessem cancelar as reservas automáticas realizadas sempre que assim desejassem.
6. Possibilidade de estruturação dos sindicatos em forma de fundos para alocação em múltiplas ofertas. Uma das formas mais eficientes de se mitigar os problemas de originação e diversificação acima mencionados passa pela aproximação ou conformação da figura do sindicato de investimento participativo ao formato de fundo de investimento. Sob esse modelo, a adesão ao sindicato não precisaria ocorrer oferta a oferta, podendo o investidor aderir a uma tese de investimento pré-determinada, no âmbito de sindicato liderado por um gestor de carteira de valores mobiliários profissional, que poderia alocar os recursos do sindicato em ofertas de crowdfunding que se adequassem à sua tese de investimento pré-definida. Nesse caso, as empresas investidas continuariam devendo cumprir com todos os requisitos da ICVM 588, inclusive de divulgação das informações essenciais da oferta no âmbito da plataforma, as quais estariam sempre disponíveis à CVM, aos investidores do sindicato e a quaisquer outras pessoas que coinvistam na oferta. Esse modelo torna-se especialmente interessante quando falamos em aumento do limite de captação do crowdfunding: os líderes-gestores poderiam levantar fundos de até R$ 50 milhões junto aos investidores para investir naquelas ofertas que se adequassem à sua tese de investimentos. Como já explicitado, além de funcionar como enorme estímulo à originação de boas empresas e diversificação dos portfólios dos investidores, a revisão dos sindicatos para que possam se constituir como fundos permite: (i) uma maior proteção patrimonial aos investidores (uma vez que os veículos atualmente utilizados costumam ser constituídos no formato de SPEs ou SCPs); (ii) a cobrança da taxa de performance pelo líder/gestor sobre a média de retorno das empresas do portfólio, compensando prejuízos com ganhos, o que hoje é impossível no modelo de cobrança oferta a oferta; (iii) a criação de melhores níveis de governança nos sindicatos e na relação entre investidores e emissores, dado que fundos de investimento estão sujeitos a uma estrutura regulatória mais robusta e sofisticada; e (iv) um tratamento tributário mais benéfico aos investidores, já que a tributação dos ganhos recebidos via fundo costuma sofrer retenção de IRRF a alíquotas mais brandas que aquelas impostas à tributação de ganhos por pessoas jurídicas (SPEs e SCPs) ou mesmo físicas. Algumas das principais plataformas de investimento participativo estrangeiras, como o AngelList[13] e o OurCrowd[14], disponibilizam a seus investidores a opção de investir tanto diretamente nas empresas quanto por meio de fundos distribuídos pelas plataformas. No caso do AngelList, os fundos podem tanto investir em empresas pré-determinadas como em empresas ainda não conhecidas (blind pool). Já no caso do OurCrowd, os fundos coinvestem com os demais investidores de crowdfunding nas rodadas da plataforma ou investem em follow-ons de empresas bem-sucedidas do seu portfólio. O OurCrowd já anunciou seus planos de vir para o Brasil[15], onde competirá diretamente com as plataformas de crowdfunding nacionais pelas melhores empresas e negócios. Com claras vantagens competitivas, derivadas de seu modelo de coinvestimento via fundos, será difícil para as plataformas nacionais competirem por bons negócios, cujos ganhos muito provavelmente ficarão nas mãos de investidores estrangeiros. A constituição de sindicatos no formato de fundos de investimento funcionaria, nesse contexto, como uma alternativa de maior complexidade regulatória frente àquela exposta no item anterior — o “autoinvestimento” –, embora entendamos que ambos os modelos possam coexistir perfeitamente no mercado.
Proposta: Alterar o inciso I do artigo 33 da ICVM 588 para permitir que os sindicatos sejam constituídos no formato de fundos de modo a investirem em mais de uma oferta pública, devendo, neste caso, o investidor-líder ser credenciado junto à CVM como gestor de carteira de valores mobiliários, mantidas as obrigações já previstas na ICVM 588 e em outras normas aplicáveis sobre sua atuação.
III. PROTEÇÃO DO INVESTIDOR
7. Due diligence societária (cap table) — Anexo 8. Boa parte das empresas que quer captar recursos via crowdfunding já recebeu aportes de outros investidores, frequentemente sob a forma de mútuos conversíveis em participação ou outro tipo de contrato que impacte sua tabela de capitalização (cap table), afetando a distribuição futura do seu capital social. Ocorre que a maioria dessas empresas tem um histórico de capitalização baseado em contratos atípicos, que são, no mais das vezes, inconsistentes ou contradizentes uns aos outros, prevendo, por exemplo, termos de conversão incompatíveis entre si, tornando praticamente impossível a definição correta das participações societárias dos sócios e investidores. Ademais, falta à maioria das emissoras definição mais clara sobre a instituição de planos de opções e seu possível impacto diluidor sobre a participação dos investidores. Tal cenário implica insegurança jurídica aos investidores do crowdfunding em relação à futura conformação do quadro de sócios e suas participações. O único tratamento dado pela ICVM 588 a esse tópico consiste no item b) da seção 6 do Anexo 8, que é deveras genérico e não garante a conformidade do cap table a um padrão mínimo e claro. A falta de uma obrigação de due diligence sobre os contratos de capitalização e demais documentos societários da empresa pela plataforma e de uma previsão de planejamento claro referente a planos de opções futuros ou passados pode implicar informações incompletas na oferta e adesão dos investidores a uma estrutura de capital incerta e precária.
Proposta: Tratar a questão da diligência societária não como ponto incidental da seção 6 do Anexo 8, mas sim prever uma seção específica e à parte para veiculação da diligência societária da emissora, obrigando-a a apresentar a sua estrutura de capital atual e futura, já considerados o exercício ou conversão de todos os valores mobiliários de sua emissão — garantida a anonimização dos investidores minoritários –, com a devida definição de seu plano de opções e seu impacto sobre a participação dos investidores, a qual deverá ser devidamente analisada e validada pela plataforma ou escritório de advocacia especialmente contratado para tanto.
8. Arts. 8º, §2º, e 19, I: Necessidade de aprovação prévia da oferta por órgão societário deliberativo competente da emissora. Atualmente muitas empresas iniciam uma oferta pública sem passar pelos ritos societários necessários à devida aprovação e realização da oferta, considerando tratar-se de emissão de valores mobiliários que, na maioria das vezes, impacta diretamente o capital social dessa empresa. Dessa forma, cria-se uma situação de insegurança jurídica, na medida que os investidores não têm a devida segurança de que sua participação está de fato garantida e aprovada, com cumprimento de todos os trâmites societários necessários para tanto. Assim, seria importante haver previsão expressa na ICVM 588 vinculando as emissoras, na realização de ofertas públicas com dispensa de registro, à adequação prévia a todos os trâmites exigidos pela legislação societária para a correta aprovação e realização dessa oferta, o que deverá ser devidamente fiscalizado pela plataforma.
Proposta: Prever obrigação de prévia aprovação da oferta pública pelos órgãos deliberativos competentes da emissora, nos termos da legislação societária, a qual deverá ser devidamente fiscalizada pela plataforma, com divulgação da respectiva ata de AGE “o “Pacote de Documentos Jurídicos” da oferta.
9. Disclosure de processos e passivos — Anexo 8. Talvez a única insuficiência atual no Anexo 8 da ICVM 588 seja quanto ao disclosure de dívidas, processos e outros passivos relevantes de natureza cível e, principalmente, tributária ou trabalhista, da emissora e de seus sócios fundadores ou relevantes, i.e. aqueles com mais de 20% de participação no capital social — especialmente no contexto de sociedades limitadas. Essas informações são essenciais à tomada de decisão de investimento na empresa, já que podem impactar materialmente o futuro sucesso ou insucesso do empreendimento. Tais informações nem sempre estão refletidas no balanço patrimonial da empresa, especialmente no que se refere a processos administrativos ou judiciais em andamento. No que se refere a passivos dos sócios, principalmente tributários e trabalhistas, grandes são os riscos de que possam ser repassados à sociedade, como boa parte da jurisprudência já decide. Uma forma de proporcionar esse disclosure é exigir a divulgação, no Anexo 8, de certidões negativas, impondo a obrigação de prestar esclarecimentos sobre pendências que apareçam nos relatórios, informando suas origens e possíveis impactos nas atividades da empresa e em seu patrimônio, inclusive, se for o caso, por meio de eventuais provisionamentos.
Proposta: Exigir a publicação de certidões negativas (trabalhista, cível e tributária), tanto da emissora quanto de seus fundadores ou sócios com mais de 20% do capital da empresa como mecanismo de segurança adicional, para melhorar o disclosure da oferta e mitigar o risco de fraudes. Em caso de pendências, exigir sua devida explicação e contextualização, bem como análise de impacto sobre as atividades e patrimônio da empresa.
10. Possibilidade de alterar termos após início da oferta em benefício dos investidores. Em alguns casos, pode ser que a emissora verifique, no andamento da oferta, ao falar com investidores, que determinados termos da oferta, especialmente o valuation da empresa, foram mal precificados, ou que podem ser melhorados em favor dos investidores interessados. Seria importante haver posição da CVM quanto à possibilidade de realizar adaptações e mudanças no Anexo 8 no decorrer da oferta que sejam positivas/benéficas aos investidores, e quais os procedimentos para que isso possa ser feito (e.g. necessidade de aviso a todos os investidores que já reservaram; necessidade de aviso à CVM; etc.).
Proposta: Incluir dispositivo que regule a alteração de termos da oferta após sua abertura, identificando requisitos, limitações e consequências à emissora, aos investidores e à plataforma.
IV. DEMAIS ALTERAÇÕES E APRIMORAMENTOS DA REGULAÇÃO
11. Possibilidade de distribuição parcial após atingido o valor alvo mínimo em reservas confirmadas — Art. 5º, § 2º. Considerando que a oferta alcance o valor alvo mínimo em investimentos pagos e confirmados (passados os 7 dias de cancelamento), ela já poderá ser considerada bem-sucedida, e a distribuição parcial concluída, de modo que não há razão para se adiar a entrega desses recursos até o fim da oferta, forçando a sociedade emissora a esperar por prazo que, no mais das vezes, é igual ou próximo ao máximo de 180 dias. No modelo atual, ou a emissora antecipa o encerramento da oferta para receber os recursos, o que é ruim para a empresa e para os investidores, já que ela não consegue captar o valor total almejado, ou então espera até o final do prazo ou atingimento do valor alvo, o que também pode ser ruim, já que, para empresas em estágio inicial de desenvolvimento, a passagem de alguns meses ou mesmo semanas pode implicar prejuízos ou perdas de oportunidades de negócio irreparáveis.
Proposta: Alterar o art. 5º, §2º, para prever que os montantes relativos a investimentos já pagos e confirmados possam ser depositados na conta corrente do emissor quando for atingido o valor alvo mínimo da oferta em reservas pagas e confirmadas.
12. Possibilidade de lote adicional (hot issue) — Art. 5º, III. Em alguns casos, ofertas mais “quentes” podem gerar uma demanda maior que a originalmente prevista, superior ao valor alvo máximo de captação, pelo que é de interesse das sociedades empresárias de pequeno porte, e dos próprios investidores, que exista a possibilidade de investimento além do valor alvo máximo, tal como ocorre em ofertas públicas de valores mobiliários, nos termos do § 2º do art. 14 da ICVM 400. Segundo dados internos da Plataforma Basement, de todas as ofertas concluídas com sucesso por meio da plataforma após a entrada em vigor da ICVM 588, aproximadamente 57,69% atingiram o teto de captação, muitas das quais esgotadas em questão de dias, deixando de fora, portanto, diversos investidores interessados em participar dos negócios mais “quentes” do mercado.
Proposta: Adicionar dispositivo ao art. 5º que preveja a possibilidade de distribuição de valores mobiliários em montante superior ao valor alvo máximo da oferta, desde que tal possibilidade esteja prevista no Anexo 8 e que tenha sido aprovada por órgão societário deliberativo do emissor, limitada a até 20% valor alvo máximo e respeitado o limite de captação anual previsto no art. 3º, I.
13. Vedação ao trânsito dos recursos por arranjos de pagamento instituídos pela plataforma ou de pessoas a ela ligadas — Art. 5º, §1º, I a III. A vedação ao trânsito dos recursos dos investidores por arranjos de pagamento instituídos pela plataforma ou de pessoas a ela ligadas implica custos às plataformas na contratação de terceiros, como instituições de pagamento, o que, além de encarecer as ofertas, pode também gerar ineficiências no processamento das reservas. Desse modo, cremos por adequado que se autorize as plataformas ou empresas de seu grupo econômico a instituírem ou organizarem arranjos de pagamento próprios, permitindo-as criar contas de pagamento em nome dos investidores, por meio das quais possam transitar os seus recursos investidos, desde que garantida a segregação de tais recursos em relação ao patrimônio da plataforma e observadas as normas do Banco Central aplicáveis.
Proposta: Alterar a redação dos incisos do parágrafo 1º do art. 5º para permitir que os recursos transferidos por investidores transitem por arranjos de pagamento instituídos ou administrados pela plataforma ou por pessoas a ela ligadas, com previsão de segregação patrimonial.
14. Divulgação da oferta fora do ambiente da plataforma — Arts. 11, §1º, II, e 31. É excessivamente restritiva a condição prevista nos arts. 11, §1º, II, e 31, que limita toda comunicação acerca da oferta — feitas pelo emissor, líder ou plataforma em suas páginas na Internet, mídias sociais ou via e-mail — à simples informação de sua existência, com o redirecionamento para as informações essenciais da oferta na plataforma. Tal restrição impede que sejam divulgadas, em conexão à indicação acerca da existência da oferta, informações básicas sobre a sociedade emissora e a oferta que podem ser úteis para informar os investidores e motivá-los a acessar sua página no ambiente da plataforma, aumentando o seu alcance e atratividade junto ao mercado. Entendemos a preocupação da CVM quanto à dificuldade de fiscalização de comunicações fora do ambiente da plataforma, mas acreditamos que a mera contextualização da emissora e da oferta, com uma breve descrição de seu histórico e suas atividades e indicação de termos genéricos como valor alvo da captação, não fere o espírito da regulação e vai ao encontro do objetivo de democratização do acesso ao mercado de capitais objetivado pelo crowdfunding. A regulação de crowdfunding norte-americana, por exemplo, em seu artigo 17 CFR §227.204b permite a divulgação dos “terms of the offering” e “a brief description of the business of the issuer” em comunicações fora do ambiente da plataforma.
Proposta: Alterar o art. 11, §1º. II, e o art. 31 para permitir que sejam divulgadas pela emissora, pelo líder e pela plataforma informações básicas sobre a oferta (e.g. qual o valor mobiliário ofertado e os valores alvos mínimo e máximo da captação) e a emissora (e.g. breve histórico e descrição de atividades) fora do ambiente da plataforma, desde que consistentes com as informações constantes do perfil da oferta — mantendo-se a vedação à divulgação de material publicitário.
15. Utilização dos recursos para investir em controladas — Art. 3º, V. Há sociedades empresárias de pequeno porte que, por motivos de planejamento tributário, proteção patrimonial ou governança societária, organizam-se em arranjos societários que envolvem uma “holding” ou sociedade controladora. Nesses casos, seria do interesse dos empreendedores e dos próprios investidores que a captação dos recursos pudesse se dar via emissão de valores mobiliários da “holding” ou controladora, de modo que esta possa reinvestir os recursos na subsidiária, sociedade operacional, por meio de subscrição de aumento de capital ou outras formas de aquisição de participação societária.
Proposta: Alterar a redação do inciso V do artigo 3º para permitir a utilização dos recursos captados para aporte em sociedades controladas, desde que tal destinação e as informações operacionais e financeiras da investida final sejam devidamente divulgadas no Anexo 8 da oferta.
16. Utilização dos recursos captados para M&A — Art. 3º V, a. Muitas empresas de pequeno porte, no decorrer de seus negócios normais ou por consequência de uma operação estratégica, precisam adquirir ou unir-se a outras empresas. A vedação total da ICVM 588 pode atuar contra o melhor interesse dos investidores, uma vez que o desenvolvimento ou formação de um grupo econômico pode trazer sinergias horizontais e verticais, aumentando a eficiência do negócio. Seria mais interessante e benéfico ao mercado que, ao invés de impor uma proibição total e inflexível, a regulação buscasse coibir casos de abuso, fraude, ou de captações por emissores sem plano de negócios definido. A regulação de crowdfunding dos EUA, por exemplo, em seu artigo 17 CFR §227.100b, define que não poderá utilizar da dispensa da instrução o emissor que “is an investment company” ou “has no specific business plan or has indicated that its business plan is to engage in a merger or acquisition with an unidentified company or companies”. Entendemos a preocupação da CVM em querer proteger o investidor de varejo, que não necessariamente possui o “nível de sofisticação e diligência” necessário para analisar as empresas envolvidas, “suas estruturas societárias, suas operações, risco de crédito etc.” (citações extraídas do relatório de análise da Audiência Pública SDM nº 06/16), mas entendemos que o prejuízo potencial às emissoras e aos próprios investidores em razão de uma proibição total a fusões, incorporações ou aquisições societárias pode ser muito maior que os potenciais riscos de avaliação e diligência relativos à complexidade dos negócios. Acreditamos que o melhor caminho normativo a ser tomado nesse caso perpassa pela regulação, com imposição de regras e limitações, ao invés de uma proibição indiscriminada.
Proposta: Permitir que os recursos captados nos termos da ICVM 588 sejam utilizados para a fusão, incorporação ou aquisição estratégica de outras empresas, desde que a referida operação seja destacada nos materiais da oferta e que sejam fornecidas informações acerca da empresa visada e detalhadas as sinergias e ganhos de eficiência pretendidos e potenciais riscos relativos à operação. Ainda, seria importante prever expressamente que os recursos captados possam ser utilizados pela emissora para a consecução de operações societárias que venham a se mostrar estrategicamente relevantes no decorrer de suas atividades, desde que haja integral disclosure das operações aos investidores anteriormente à sua realização, com a devida informação das sinergias e ganhos de eficiência pretendidos, além dos potenciais riscos atrelados.
17. Oferta de distribuição secundária de valores mobiliários. Atualmente, a ICVM 588 não regula a possibilidade de realização de uma oferta secundária de valores mobiliários de emissão das sociedades empresárias de pequeno porte no âmbito de suas ofertas de crowdfunding, deixando parecer implícito que as ofertas no escopo da referida instrução limitam-se a distribuições primárias, de modo que não nos parece possível, sob a regulação atual, a realização de uma oferta secundária concomitante a uma primária, tal como é admitido em ofertas públicas sob a ICVM 400. Permitir a distribuição secundária pode ser importante para garantir janelas de liquidez a investidores-anjo e de capital semente, ou mesmo investidores de crowdfundings anteriores, mecanismo essencial ao fomento e sofisticação do mercado de capitais. Ademais, essas operações podem funcionar como importante mecanismo de mitigação de diluição dos fundadores, os quais muitas vezes renunciam a parcela excessiva de suas participações em rodadas semente, de modo que, ao chegarem em rodadas subsequentes, já estão demasiadamente diluídos, o que vai de encontro ao interesse da sociedade e dos próprios investidores. Tal possibilidade faz-se especialmente importante no contexto de realização de ofertas maiores, dado que as estruturas de capital tendem a se tornar mais complexas conforme o amadurecimento das emissoras.
Proposta: Regular a possibilidade de oferta secundária paralela à oferta primária, podendo limitá-la a um percentual do valor alvo de captação (e.g. 30%), como faz o Regulation A+ nos EUA, conforme artigo 17 CFR §ª30.251a-3.
18. Negociação secundária — Art. 28, IX, X e XI. Dado o atual estágio de maturidade do mercado de crowdfunding no País, o volume de recursos já captados e a quantidade de ofertas realizadas, acreditamos já ser tempo de darmos os primeiros passos no sentido de desenvolver um mercado secundário regulamentado para valores mobiliários distribuídos nos termos da ICVM 588. Um mercado secundário aumentaria a liquidez do mercado e de seus investidores e estimularia a entrada de novos participantes, que muitas vezes deixam de investir pela iliquidez dos ativos ofertados. Um mercado secundário regulamentado também pode servir ao combate de abusos, fraudes e manipulações de preço que podem ocorrer em transações privadas, bem como reduzir custos de transação para os investidores que hoje já negociam seus ativos privadamente. Um mercado secundário pode, ainda, estimular a manutenção de um bom relacionamento entre as sociedades emissoras e seus investidores, elevando os níveis de transparência e governança, considerando os seus reflexos na precificação dos valores mobiliários e na percepção pública da empresa. Dadas as complexidades regulatórias inerentes ao funcionamento de um mercado organizado de valores mobiliários, entendemos que uma possível estratégia a ser adotada pela CVM em sua revisão da Instrução 588 possa passar por uma autorização restritiva da negociação dos títulos ofertados via crowdfunding com intermédio das plataformas. Sob esse modelo, a negociação secundária estaria limitada apenas aos investidores ativos e cadastrados na plataforma, i.e., que já investiram em ao menos uma oferta de crowdfunding e que, portanto, conhecem os riscos e implicações associados. Para evitar entrar em complexos debates sobre o funcionamento de um mercado organizado, e de como funcionaria a compensação e a liquidação dos ativos, poderia a CVM optar por um caminho inicial mais simples, restringindo as negociações ao formato de confirmação de manifestação de interesse, atuando aqui a plataforma como mera facilitadora do envio e confirmação de tais manifestações.
Proposta: Permitir a negociação secundária restrita de valores mobiliários de emissão de sociedades empresárias de pequeno porte, limitada a investidores ativos e já cadastrados na plataforma, sob modelo de manifestação de interesse, atuando a plataforma como facilitadora do envio e confirmação de tais manifestações.
19. Estimativa de faturamento mensal para próximos 5 anos — Anexo 8, Seção 2, g. Uma previsão de faturamento colocada em termos mensais para prazo tão longo tende a ser essencialmente especulativa, especialmente considerando empresas nascentes, de modo que sua divulgação pode se mostrar fantasiosa e, principalmente, enganosa para os investidores.
Proposta: Alterar a redação do item g) da seção 2 do Anexo 8 para “faturamento anual estimado para os 5 (cinco) anos subsequentes”.
20. Período de desistência e prazo de 5 dias para transferência dos aportes após encerramento — Arts. 3º, III, e 5º, V. Como o prazo de desistência para cancelamento da reserva conferido aos investidores é de 7 dias, pode ocorrer que, encerrada a oferta em razão de atingimento do seu prazo de captação, a plataforma seja obrigada a fazer a transferência dos valores sem que a prerrogativa de cancelamento dos últimos investidores tenha expirado.
Proposta: Aumentar prazo de transferência para 8 dias após o encerramento da oferta, ou então estipular que o prazo de desistência expire com o atingimento do prazo de captação inicialmente definido para a oferta.
CONTRAPARTIDAS
Cabe ressaltar, aqui, que propomos o alargamento dos limites do equity crowdfunding, mas entendemos que, em razão da complexidade inerente à implementação dessas mudanças, com especial atenção a seus impactos regulatórios, determinadas contrapartidas, regras e limitações deveriam ser exigidas das plataformas e das emissoras que atuassem nesse novo mercado de crowdfunding expandido. De modo geral, vemos como especialmente importantes a (i) observância de normas mais sofisticadas de diligência e disclosure para realização das ofertas, adicionando novos campos e aprofundando os níveis de dados e informações hoje exigidos pelo Anexo 8 da ICVM 588; (ii) obrigatoriedade de cumprimento, pelas plataformas e corretoras/distribuidoras, de normas mais rigorosas de KYC/AML e de adequação ao perfil do cliente (suitability); (iii) imposição de auditoria independente das demonstrações financeiras dos emissores; e (iv) eventual exigência de contratação, pelos emissores, dos serviços de escrituração ou central depositária prestados por pessoa jurídica autorizada para tal, nos termos das ICVM 541 e 543. Essas e outras eventuais novas regras certamente dependerão de estudos mais aprofundados e discussões que envolvam demais entidades do mercado, a serem devidamente pautadas em âmbito de audiência pública acerca do tema.
Por fim, as sugestões de aprimoramento relacionadas nestes documento têm como objetivo contribuir com a CVM e, de maneira mais ampla, com o mercado como um todo, para o aprimoramento da regulação, de modo a permitir a continuidade de seu desenvolvimento refletindo os eventuais aperfeiçoamentos que se fazem necessários por conta desse crescimento além de referências do que há de mais moderno em termos regulatórios no mercado de capitais para pequenas e médias empresas.
[1] NÚMERO de companhias listadas em bolsa volta para o patamar de 2005. Estadão, 2018. Disponível em: <https://economia.estadao.com.br/noticias/seu-dinheiro,numero-de-companhias-listadas-em-bolsa-volta-para-o-patamar-de-2005,70002194495>. Acesso em: 28 de out. de 2019.
[2] PERFORMANCE Of The Private Equity And Venture Capital Industry In Brazil: Insper, Spectra and ABVCAP Analysis — September 2018. ABVCAP, 2018. Disponível em: <https://www.abvcap.com.br/Download/Estudos/4075.pdf>. Acesso em: 28 de out. de 2019.
[3] VARIAÇÃO anual (R$/US$). BMFBovespa, 2019. Disponível em: <http://bvmf.bmfbovespa.com.br/indices/ResumoVariacaoAnual.aspx?Indice=IBOV&idioma=pt-br>. Acesso em: 28 de out. de 2019.
[4] GLOBAL Private Equity Report 2019. Bain & CO, 2019. Disponível em: <https://www.bain.com/contentassets/875a49e26e9c4775942ec5b86084df0a/bain_report_private_equity_report_2019.pdf>. Acesso em: 28 de out. de 2019.
[5] Cf. OLIVEIRA, Bruno Cals de; KAYO, Eduardo Kazuo. Desempenho de Ações de Empresas Brasileiras Após Seu IPO: Evidências de Curto e de Longo Prazo. In: REGE, São Paulo — SP, v. 22, n. 2, abr./jun. 2015, pp. 173–186.
[6] IMPACTOS Socioeconômicos do Fortalecimento do Mercado de Capitais no Brasil: Relatório Final. Anbima, 2018. Disponível em:<https://www.anbima.com.br/data/files/1A/D4/9B/D8/1845661086B1AE5678A80AC2/ImpactoSocio_ANBIMA_AccentureVF.pdf>. Acesso em: 29 de out. de 2019.
[7] FINAL Rules: Amendments to Regulation A. Securities Exchange Comission, 2015. Disponível em: <https://www.sec.gov/rules/final/2015/33-9741.pdf>. Acesso em: 29 de out. de 2019.
[8] Este é o limite utilizado pelo Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES) para definir empresas de médio porte no Brasil. PORTE de empresa. BNDES, 2016. Disponível em: <https://www.bndes.gov.br/wps/portal/site/home/financiamento/guia/porte-de-empresa>. Acesso em: 29 de out. de 2019.
[9] THE Rise And Rise Of Supergiant Rounds. Crunchbase, 2018. Disponível em: <https://news.crunchbase.com/news/rise-rise-supergiant-rounds/>. Acesso em: 31 de out. de 2019.
[10] BRAZILIAN startup Yellow raises $63M — the largest Series A ever for a Latin American startup. Techcrunch, 2018. Disponível em: <https://techcrunch.com/2018/09/13/brazilian-startup-yellow-raises-63m-the-largest-series-a-ever-for-a-latin-american-startup/>. Acesso em: 31 de out. de 2019.
[11] AutoInvest FAQ — What and how. Seedrs, 2019. Disponível em: <https://help.seedrs.com/en/articles/2241797-autoinvest-faq-what-and-how>. Acesso em: 29 de out. de 2019.
[12] BUILD a diversified startup portfolio with ease: Get started with Auto Invest. Seedinvest, 2019. Disponível em: <https://www.seedinvest.com/auto>. Acesso em: 29 de out. de 2019.
[13] INVESTING on AngelList. AngelList, 2019. Disponível em: <https://angel.co/invest/start>. Acesso em: 29 de out. de 2019.
[14] OURCROWD Funds. OurCrowd, 2019. Disponível em: <https://www.ourcrowd.com/funds>. Acesso em: 29 de out. de 2019.
[15] GIGANTE de equity crowdfunding de Israel chega no Brasil e já procura startups. Valor Investe, 2019. Disponível em: <https://valorinveste.globo.com/objetivo/empreenda-se/noticia/2019/10/29/gigante-de-equity-crowdfunding-de-israel-chega-no-brasil-e-ja-procura-startups.ghtml>. Acesso em: 30 de out. de 2019.