E o Santo dos Santos se fez carne

James B. Jordan

Leonardo Daneu Lopes
Basileia
5 min readDec 24, 2020

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Christmas Nativity — Diane Wigstone

E o verbo se tornou carne e armou tenda entre nós, e nós vimos a Sua glória … (João 1:14)

Comentários em João, discutindo o Verbo ou o Logos em João 1, frequentemente recorrem à filosofia grega e dizem que João está usando um termo, e ao menos parte de uma ideia, já conhecida no mundo antigo. João está mostrando a verdade Cristã que é vagamente vista nestes conceitos filosóficos.

A fascinação por este suposto contexto grego da palavra Logos tem cegado estes homens com relação à suas profundas raízes bíblicas. Nesta curta redação não tenho a intenção de me aprofundar em todas as ramificações de Verbo-Logos em João 1 e na Bíblia. Só quero apontar para um aspecto significativo que, até onde sei, tem sido negligenciado por todos.

O termo hebraico para “palavra” é “dabar”, e uma variante é “debir”. A palavra “debir” é usada para o Santo dos Santos ou para o santuário interno, a sala do trono de Deus, no Templo (mas não no Tabernáculo). Em algumas traduções aparece a palavra “oráculo”, enquanto outras versões mais modernas trazem a tradução “santuário interior” (1Re 6:5–31; 7:49; 8:6–8; 2Cr 3:116; 4:20; :7–9; Sl 28:2). Uma passada por estas passagens indica que o debir se trata do recinto em si, não apenas da Arca e do Propiciatório.

Agora, quando voltamos para João 1 e traduzimos a palavra grega logos como “santo dos santos”, conseguimos uma surpreendentemente fértil série de associações e significados:

No princípio era o Santo dos Santos. E o Santo dos Santos estava com Deus, e o Santo dos Santos era Deus. No princípio estava Ele com Deus (vv. 1–2)

Jesus é o Santo dos Santos. Entrar no Santo dos Santos é entrar no próprio Cristo, tornar-se um com Ele. O Santo dos Santos, o lugar em que Deus habita, é o próprio Deus. Deus habita em Si mesmo.

Todas as coisas foram feitas por intermédio Dele, e sem Ele nada do que foi feito se fez (v. 3).

O Santo dos Santos é o arquétipo de toda a criação. É o padrão. O universo é modelado a partir do próprio Deus como Criador. É por isso, que no simbolismo bíblico, o Santo dos Santos é replicado no lugar Santíssimo, que retrata a câmara do firmamento entre o céu e a terra. Então o Santo dos Santos é replicado no pátio, que é o topo da montanha, o lugar alto da terra. E o Santo dos Santos é replicado no mundo e no próprio cosmos. Todas estas coisas são retratadas como “quadrangulares” no simbolismo bíblico, a partir do Santo dos Santos original. E claro, o próprio homem é criado à imagem do Santo dos Santos.

Nele estava a vida, e a vida era a luz dos homens. E a luz resplandece nas trevas, mas as trevas não a compreenderam (vv. 4–5)

A Luz no Santo dos Santos é glória da shekinah de Deus, que, como Meredith Kline mostrou em Images of the Spirit, trata-se da manifestação do Espírito Santo. Em Gênesis 1:2, tanto o Espírito quanto as trevas pairavam sobre o abismo, mas a luz do Espírito sobrepujou as trevas nesta “disputa” primordial. Deus soprou o Espírito de Vida em Adão, e em todos os homens. Todo homem é um santo dos santos criado, contendo a luz do Espírito, que em pecado tenta sufocar com suas próprias trevas.

E o Santo dos Santos se fez carne, e armou Tabernáculo entre nós, e vimos a Sua glória, a glória de Unigênito do Pai, cheio de graça e verdade (v. 14)

Uma vez que vemos que o Verbo é o Santo dos Santos, não é surpresa que Ele tenha “armado tabernáculo” entre nós. O Tabernáculo e o Templo são imagens não apenas do cosmos, mas também do ser humano, com Deus entronizado em nosso centro. Ao se tornar homem, o Santo dos Santos pôs o Tabernáculo ao Seu redor. A glória da shekinah que estava resguardada no Tabernáculo fora resguardada na carne humana. O Evangelho de João, como mostrei em Through New Eyes, procede então num tour pelo Tabernáculo, mostrando como o Santo dos Santos completou seu significado.

Logo, ao invés de pensar num abstrato ”conceito de logos” e categorias filosóficas quando lemos João 1, devemos pensar em termos do simbolismo concreto do Santo dos Santos. O que estava dentro do Santo dos Santos?

Primeiro, o Trono de Deus, apresentado pelo Propiciatório na Arca com seus dois querubins, em cujas asas Deus assentava entronizado. Jesus é o Propiciatório da Arca. Ele é o Trono, que glorifica o Pai e o segura eternamente. É isto que é o Verbo, e é isto que nós como verbinhos, epístolas vivas, devemos também ser.

Segundo, a própria Arca, um baú contendo três itens. Dentro do baú estavam os três aspectos da vida humana, que são cópias da vida divina do próprio Santo dos Santos.

Terceiro, as Tábuas da Lei, dentro da Arca, são o Verbo linguístico de Deus. Geralmente isto é tudo que comentaristas enxergam em João 1, embora, como podemos ver, há muito mais. Jesus é o eterno Verbo de Deus, que é parte do Santo dos Santos, e nós somos feitos segundo Sua imagem. Logo, devemos ser epístolas vivas também.

Quarto, a Urna de ouro contendo o Maná, dentro da arca, é o dom da vida, mediada através de comida. O eterno Logos, o Santo dos Santos, carrega a vida de Deus, que ilumina todos os homens.

Por último, a vara de Arão que floresceu, dentro da Arca, representa o homem glorificado, envelhecido com flores em sua cabeça. O Logos Santo dos Santos é a imagem dos Dias Antigos. Ele é eternamente maduro, e eternamente um governador.

Quando chegamos à Igreja para adorar, vemos os mais velhos, ouvimos a Palavra / Verbo, e comemos o maná sacramental. Logo, temos contato com as manifestações criadas do eterno Santo dos Santos.

Limitar o Verbo ou o Logos de João 1 apenas à linguagem ou a algum conceito filosófico abstrato é um erro. O Logos é o Santo dos Santos, e tudo o que abrange.

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