Jesus, o Templo Encarnado

Bruno Pasqualotto Cavalar
Basileia
Published in
7 min readDec 31, 2020
L’adoration des Bergers (Georges de La Tour)

Embora creiam na encarnação, muitos Cristãos podem achá-la inesperada, talvez em desarmonia com o Deus que se revelou no antigo testamento. O que tem a ver o Deus que habita em luz inacessível, o Todo-Poderoso, com o verbo encarnado numa manjedoura? Alguns acadêmicos sem fé chegam a negar que os primeiros cristãos, judeus que eram, seriam capazes de crer em tal coisa, e que a doutrina da encarnação não passa de uma lenda inventada depois, talvez por alguns cristãos gregos sem mais o que fazer. Embora não cheguem a negar a fé, cristãos que veem alguma dicotomia entre o Deus da encarnação e o “Deus do Antigo Testamento” não estão muito longe destes acadêmicos, pois partilham da mesma cegueira. O Antigo Testamento nos apresenta, sim, uma noção de encarnação, a presença de Deus no meio dos homens: trata-se do templo e o seu antecessor, o tabernáculo.

A razão pela qual Deus estabeleceu os santuários da antiga aliança era para estar perto do seu povo. Desde a expulsão do jardim, a humanidade estava excluída da presença de Deus, e o santuário buscava reestabelecer alguma forma de proximidade. Por meio dos sacrifícios, o povo podia obter o perdão dos seus pecados, achegar-se à presença de Deus, e comungar com Ele numa mesma mesa. Ainda antes da encarnação de Jesus, a história do santuário era a história de um Deus que se aproxima.

Uma sugestão feita por N. T. Wright várias vezes é a de que Jesus agia como se ele fosse, de fato, um novo templo. O que o povo antes esperava do templo, os discípulos esperavam de Jesus: ensino sobre Deus e a Torá, perdão dos pecados, encontro com a presença de Deus, festividade e comida. Jesus era um novo templo, reunindo em torno de si o corpo de uma nova Israel.

Com isto em mente, uma pincelada na rica teologia bíblica do tabernáculo e do templo nos permitirá entender melhor a profundidade da encarnação e a glória do que recebemos em Cristo.

O tabernáculo era um retorno ao jardim do Éden

Muitos aspectos do Tabernáculo remontavam ao jardim do Éden. Ao entrar na tenda, os véus e as cortinas estavam repletos de querubins bordados, como o querubim que guardava o jardim com espadas flamejantes. A entrada do santuário era pelo oriente, assim como a entrada do jardim. O jardim era regado por rios, como as águas da bacia de bronze no pátio do Tabernáculo. Estas alusões ao jardim significavam que o Tabernáculo era um retorno ao jardim do Éden, um novo encontro, mesmo que limitado, com a presença de Deus.

Como o novo templo, Jesus é a presença de Deus no meio do povo, uma presença tão real e densa que, quando se davam conta dela, os discípulos só conseguiam ajoelhar e confessar os seus pecados. A glória do templo era apenas um vislumbre, uma sombra, da glória do filho de Deus encarnado.

Em Cristo, recuperamos o que perdemos no jardim, algo que o Templo jamais foi capaz de realizar. Mas não apenas isso: Jesus é também a árvore da vida, Aquele que, se O comermos, viveremos eternamente (Jo. 6:51).

O templo era um lugar de encontro para Yahweh e sua esposa

Em frente ao templo de Salomão ficavam duas colunas de bronze, chamadas Boaz e Jaquim, cujos capitéis tinham o formato de lírios e romãs (1 Rs. 7). Isso remonta ao Cântico dos Cânticos, onde romãs e lírios figuram proeminentemente no jardim de amores. Por isso, o templo tinha também a conotação de um jardim romântico, onde Yahweh, o marido de Israel, encontrava-se com a Sua esposa, com quem casou no Sinai.

Similarmente, a encarnação de Jesus é a vinda do noivo (Jo 3:29), o verdadeiro marido de Israel. É isto que está por trás da discussão sobre maridos e lugar de culto com a mulher samaritana (Jo 4). Jesus, o templo vivo, era o marido de uma nova Israel, formada de judeus, samaritanos e gentios — o que significava que o templo velho e corrupto estava para acabar.

O tabernáculo era uma extensão viva do Sinai

No Monte Sinai, o povo de Deus pôde ver a nuvem da glória de Deus que pousava sobre o monte, ao qual apenas Moisés subia. Ao terminarem a construção do Tabernáculo, a nuvem da glória de Deus agora aparece sobre a tenda (Êxodo 40) e depois no templo (1 Reis 7). Na plenitude dos tempos, esta nuvem de glória, que significava o Espírito Santo, pousou sobre Jesus. Como o templo vivo, Jesus era a glória de Deus no meio de nós, o Verbo vivo que “tabernaculou entre nós” (Jo 1:14). Não por acaso, Jesus revela sua glória a Pedro, Tiago e João em um monte (Lc 9:28).

A igreja se reúne em torno do Templo

Após a construção do templo, Salomão convocou uma assembleia de todo o povo de Israel, que se achega para orar, sacrificar e festejar (1 Rs 8). Na tradução da Bíblia hebraica para o grego (Septuaginta), a palavra “assembleia” quer dizer “igreja”. Isto quer dizer que o templo era o lugar em torno do qual a “igreja” de Israel se reunia para adorar. Também Jesus, nosso templo, é aquele em torno do qual o corpo de Cristo se reúne.

Significativamente, Salomão dedica o templo para ser uma casa de oração não apenas para o povo de Israel, mas também ao estrangeiro (1 Rs. 8:41–43). Isto apontava para o fato de que Jesus, o último templo, é o cabeça de um corpo em que ambos judeus e gentios são coerdeiros.

O templo era um mediador

O templo era a casa de Deus, e a presença de Deus ali é consistentemente descrita como “nome de Deus” (Dt. 12, 1 Rs 8:16). O modo como Deus habitava o santuário era colocando ali o seu nome. Isso demonstrava uma forma de diferenciação dentro do próprio Deus. O nome de Yahweh identificava-se com Yahweh, mas ao mesmo tempo não era Yahweh. De igual modo, Jesus não é o Pai, mas ele se identifica com o Pai de tal modo que ele e o Pai são um (Jo 10:30). Jesus é a “imagem do Deus invisível” (Col. 2), o nome final pelo qual conhecemos a Deus.

O nome de Deus habitava no templo, e isso significava que, ao orarem em direção ao templo, Deus ouviria nos céus. O templo era um mediador, ligando o céu e a terra. De igual modo, ao orarmos em nome de Jesus, em quem o nome de Deus habita, nossas orações são ouvidas pelo Pai celeste.

O templo era o centro de arrependimento

Ainda na oração de dedicação, Salomão pede para que Deus escute o povo quando, arrependido e oprimido pelos seus inimigos, orar para Deus voltado para o templo (1 Rs 8:46–53). Jesus pregava “arrependam-se, pois o reino de Deus está perto”. Jesus era o templo para o qual Israel deveria se voltar em arrependimento, para escapar da condenação que viria a Israel naquela geração, quando os romanos destruiriam o templo (70 d.C.). Ainda hoje, Jesus é para todos o centro do arrependimento. Aquele que se voltar para ele e confessar os seus pecados será salvo, e encontrará uma nova vida.

Um templo em julgamento

Quando Jesus, o templo vivo de Deus, se encontrou com o templo de pedras de Herodes, um conflito naturalmente surgiu. Quando o verdadeiro templo apareceu, o velho templo deveria dar lugar para a presença viva de Deus. Infelizmente, o templo de Deus foi rejeitado — o povo “não reconheceu o dia da sua visitação” (Lc 19:44). Jesus limpa o templo, que se tornou um “covil de salteadores” e pronuncia sobre o templo de Herodes o juízo vindouro.

O templo rejeitado e ressurreto

O templo era o centro de arrependimento, um canal de comunicação aberto entre Deus e o seu povo. No templo, Deus chegou perto de Israel, e de braços abertos dava oportunidades de arrependimento e salvação. Não surpreende que esse mesmo Deus encarnasse em Jesus. Para um Deus que se aproximava do seu povo para ouvir suas orações e clamores, a encarnação é a coisa mais natural do mundo.

No entanto, o templo foi rejeitado. Durante a história de Israel, poucas vezes o povo e os seus reis buscaram a Deus no templo quando oprimidos pelos seus inimigos. Antes, confiaram em deuses falsos e na ajuda de nações pagãs. Por isso, o templo foi destruído e o povo enviado para o exílio.

Quando Jesus veio, ele também foi rejeitado pelos seus. Ele foi morto, e desceu ao Sheol por nossa causa. Mas assim como o templo um dia foi reerguido e o povo ressurgiu da morte do exílio, Jesus ressuscitou por nós, inaugurando de uma vez por todas a nova criação no seu corpo.

“A glória da segunda casa será maior que a primeira” (Ag 2:9). De fato, a glória do corpo ressurreto de Cristo é maior do que qualquer edifício de ouro e pedras que os homens pudessem erigir. E nós também, hoje, pelo poder do Espírito Santo, que desceu sobre nós, somos junto com Cristo o templo vivo de Deus, a presença de Jesus no meio dos homens.

Referências

As observações acima são baseadas nas seguintes referências.

  • Peter Leithart, 1 & 2 Kings (Brazos Theological Commentary on the Bible)
  • Peter Leithart, A House for My Name
  • N. T. Wright, Incarnation and Establishment

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