O Olhar do Apocalipse

Formação Cristã numa Era Apocalíptica (I)

Bruno Pasqualotto Cavalar
Basileia
5 min readAug 6, 2017

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Peter J. Leithart

Todo ano vemos uma nova enxurrada de filmes apocalípticos nos cinemas. O Godzilla emerge do mar. Um meteoro se choca contra a terra. Vulcões ameaçam cidades, vírus se espalham como fumaça; extraterrestres invadem o planeta. Robôs tomam o controle, e evoluem para ex machinas. Terroristas atacam a Casa Branca. Super-heróis fazem “super-heroísmos” no pano de fundo da paisagem cinzenta de Gotham. De todos os lugares, zumbis ocupam Pemberly, e é uma boa coisa que Elizabeth Bennet seja uma ninja [referência a Orgulho e Preconceito e Zumbis]. É como se todo estúdio de Hollywood tivesse contratado os criadores de Deixados Para Trás.

Escritores que não usam uma linguagem abertamente apocalíptica ainda assim nos avisam de que estamos numa era de mudanças catastróficas. Zygmunt Bauman argumenta em muitos livros que hoje vivemos numa sociedade “líquida”, em que todo o chão seguro se tornou instável. Distinções aparentemente baseadas na natureza das coisas — como macho e fêmea — são desconstruídas, e princípios morais que pareciam inescapáveis são desprezados. Tudo o que é sólido desmancha no ar.

Ameaças vêm de todas as direções de uma vez. Dependendo da suas visões políticas, você pode passar noites sem dormir se preocupando com o terrorismo islâmico ou com o aquecimento global. Dependendo de quem estiver falando com você, algum de vocês poderá trazer à conversa o FDMCNOC — “fim do mundo como nós o conhecemos”.

Alguns irão querer pular os detalhes e responder a pergunta “Nós vivemos numa era apocalíptica?” com uma única palavra: Trump.

O Dom da Calma

Eu não quero menosprezar esses medos. Muitas das ameaças são reais, e cumulativamente elas parecem abarcar o mundo todo. E nós estamos mal equipados de uma maneira singular para lidar com todas elas. Como Robert Joustra e Alissa Wilkinson apontam no livro How to Survive the Apocalypse [Como Sobreviver o Apocalipse], os modernos pensam que esses desastres são produzidos totalmente por nós, e portanto a salvação está totalmente nas nossas mãos. Se nós enfrentamos um fim, não se trata de um juízo divino, mas do resultado de nossas falhas políticas ou tecnológicas. Não podemos olhar para o céu em busca de ajuda; precisamos buscar soluções políticas e técnicas para problemas criados pela nossa tecnologia e política. Não somos a primeira civilização a ser abalada por um pavor apocalíptico, mas somos uma das primeiras a experimentar o pavor de um apocalipse secular.

Nessas circunstâncias, a Igreja oferece o dom da calma. Isso pode causar surpresa para alguns, mesmo entre Cristãos. Afinal, a Bíblia é uma das principais fontes do apocalíptico; o último livro da Bíblia Cristã é o primeiro livro a receber o título “Apocalipse.” Poucos textos apresentam um desfile tão inexorável de terrores como o livro do Apocalipse. As estrelas caem do céu e envenenam as fontes das aǵuas. Assustadores escorpiões-lagosta sobem do inferno para atormentar os homens. Uma besta como um dragão emerge do mar para perseguir os santos, vencê-los e matá-los. Terremotos, trovões e saraiva aparecem ao derramar dos cálices de vinho da ira.

Mas esses desastres não fazem do Apocalipse apocalíptico. De fato, no discurso do Monte das Oliveiras, Jesus repetidas vezes diz que essas coisas que pensamos como os sinais do fim não são sinais do fim. Guerras e rumores de guerras — ainda não é o fim. Nação contra nação, reino contre reinos, fomes e terremotos — são o começo das dores de parto. Perseguição, falsos profetas e apostasia nos levam para mais perto do fim, mas o fim de que Jesus está falando só vem depois que “o evangelho do reino for pregado no mundo todo, em testemunho a todas as nações.” (Mt 24:14). A tônica dos ensinos apocalípticos de Jesus são suas aparições após a Ressurreição: Não temam. Como Jesus disse aos Doze no Cenáculo depois de avisá-los da tribulação: “Tenho-vos dito estas coisas para que não tropeceis.” (Jo 16:1)

Apocalipse significa “desvelar” ou “revelação”. É o mesmo radical grego usado na Septuaginta [tradução da Bíblia Hebraico ao Grego] de Levítico 18 para a descoberta da nudez de uma mulher, e o verbo Hebraico descreve o despojar da terra quando Israel vai para o exílio. Um apocalipse não é apenas, nem principalmente, sobre destruição. Ele é também, primariamente, sobre revelação. Uma era apocalíptica é uma era na qual coisas escondidas são reveladas, segredos descobertos. O apocalipse traz desastres que são julgamentos divinos, mas esses desastres ocorrem tanto para revelação como para retribuição.

Os sinais e maravilhas que acompanham os eventos apocalípticos são teofânicos, manifestações da chegada de Deus. Guerras, fomes e terremotos anunciam o advento do Juiz, que faz brilhar luz em lugares escuros. A Igreja pode permanecer calma, e aconselhar calma, porque a parousia [chegada, em Grego] do Juiz são boas novas. Num mundo onde a perversidade habita em casas seguras, nenhuma notícia é melhor do que as palavras de Jesus:

Nada há encoberto que não venha a ser revelado; e oculto que não venha a ser conhecido. Porque tudo o que dissestes às escuras será ouvido em plena luz; e o que dissestes aos ouvidos no interior da casa será proclamado dos eirados. (Lc 12:2–3).

O apocalíptico anuncia um final, o final da ilusão e do encobrimento, e assim o desvendar da verdade.

Falando biblicamente, a pergunta “Nós vivemos numa era apocalíptica?” significa não apenas “o mundo está chegando ao fim?” mas também “coisas escondidas estão vindo à luz?” Pós-modernos respondem que sim. Poucas palavras são mais populares entre teóricos pós-modernos que “desmascarar.” Eles afirmam estar desmascarando as aspirações totalitárias da razão Iluminista, e a maquinaria bruta das suas expressões políticas e econômicas no capitalismo liberal. Nós não precisamos aceitar o niilismo no coração da teoria pós-moderna para concordar que os eventos recentes têm exposto a falência da nossa política e a crueldade e ganância que motivam a economia global. Todo dia, a revolução sexual chega a um novo nível de absurdo. Como Europeus recuperando-se da Grande Guerra, nós olhamos para o vazio abismal no coração da era moderna.

A Igreja também oferece o dom da calma porque sabemos que existe vida depois do apocalipse. Nenhum fim é final, nem mesmo o fim, porque o juízo final abre caminho para a descida do novo céu e nova terra. Como todos os fins, o fim, também, é um novo começo. Se nós enfrentarmos o FDMCNOC, podemos estar confiantes de que ele também nos levará ao começo de um mundo que ainda não conhecemos. E podemos estar confiantes de que esse mundo, também, pertence ao Criador que não desistiu da sua amada criação.

Nos próximos textos, vamos falar mais sobre a formação e o discipulado Cristão numa era apocalíptica.

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