Olhos Apocalípticos

Leonardo Daneu Lopes
Basileia
Published in
6 min readOct 7, 2018

Por Toby Sumpter

Pergaminhos voadores. Cavalos vermelhos. Bestas saindo do mar. Mulheres aladas. A lista continua. Literatura apocalíptica na Bíblia é como uma junção de ficção científica e quadrinhos da Marvel. E a Bíblia tem um bocado desse tipo de coisa. Daniel tem visões na Babilônia, Zacarias tem visões nas ruínas de Jerusalém depois do exílio, e João tem visões na ilha de Patmos.

Apocalipse significa “revelação”, mas muitos cristãos têm a sensação de na realidade saberem ainda menos depois de lerem passagens apocalípticas das Escrituras. Se esta literatura é de fato reveladora, uma revelação da verdade, por que é tão difícil? Por que é tão obscura? E se essas passagens são tão ininteligíveis, tão confusas, por que Deus nos deu essas partes da Bíblia? E por que chamá-las de “revelação”? Por que não “muito estranho” ou “obscuro sagrado”?

A Bíblia nos dá várias dicas para essas questões. Primeiro, a linguagem apocalíptica não é completamente diferente de qualquer outro gênero nas Escrituras. Ela pode ser uma forma concentrada de imagens, simbolismo e poesia, mas a Bíblia é cheia desses elementos em várias concentrações. Desde o simbolismo do ritual sacrificial a temas literários recorrentes, a parábolas, a tipologia e alegoria explícitas, passagens apocalípticas não são tão atípicas. Ao longo das Escrituras, Deus está rotineiramente apontando para o mundo, para a história, às pessoas e vendo mais do que conseguimos ver, mais do que se consegue ver.

Segundo, e relacionado ao ponto anterior, há algumas passagens nas Escrituras que nos apontam para a própria criação. Todo simbolismo, todo ritual, e toda linguagem, na verdade, nascem dos contornos da criação. Deus cria o sol, a lua e as estrelas e os chama de “governantes” desde a primeira semana da criação; um rio flui jardim afora e se divide em quatro, correndo para o mundo. Há um formato cravado no mundo, e Adão é implicitamente convidado a explorá-lo, a navegá-lo, a imaginá-lo e imaginar-se nele de uma perspectiva.

Até a criação da primeira mulher sugere algo nessa linha: o homem tem seu corpo aberto e a mulher é criada a partir de sua costela. Ela é chamada mulher porque veio do homem. A linguagem imita a realidade, ela ecoa a criação, e há um formato, um padrão, padrões recorrentes que cercam a história. O salmista diz que o céus declaram a glória de Deus, um dia fala disso a outro dia, uma noite o revela a outra noite. Em outras palavras, o mundo inteiro está constantemente falando, sussurrando, gritando a respeito de Deus e de Sua glória. Então, devemos perguntar: O que é a glória de Deus? Bem, ao menos uma resposta bíblica é que é a glória de Deus ocultar certas coisas (Pv 25: 2). E tentar descobri-las é a glória dos reis.

Terceiro, há muito na história que é apocalíptico. E eu não quero dizer apocalíptico como no sentido de Tim LaHaye [escritor da série “Deixados para Trás”], eu quero dizer que a realidade é cheia de camadas de sentidos, repleta de nuances e complexidade, densa. Mas falando em LaHaye, mesmo que eu considerasse ”Last Days Madness” uma teologia ruim (e eu considero), suspeito que haja um resquício de verdade enterrado neste gênero ”fim dos tempos” — e se trata do fato de que Deus se preocupa com a história real e viva.

Eu posso não estar compelido a acreditar que os gafanhotos de Apocalipse 9 sejam helicópteros nos dando um sinal do fim do mundo, mas não porque Deus nunca abordaria eventos históricos ou helicópteros, e sim porque acredito que há bons motivos exegéticos para se concluir que João teve uma visão de alguma outra coisa. Mas esta é uma boa intuição: devemos olhar para o mundo e tentar enxergá-lo através de lentes apocalípticas. Não somos crassos materialistas, e cremos que esta história tem um Autor.

Por último, o maior momento apocalíptico na Bíblia muitas vezes é passado despercebido. É uma cena em que poderes malignos se reúnem num conselho contra o Senhor e Seu Ungido. Há espíritos de mentira e falsos testemunhos, todos na calada da noite. A vítima inocente é espancada brutalmente e uma coroa de espinhos retorcidos é cravada em Seu crânio. Ele é declarado culpado de heresia, traição, revolução, e um assassino é liberto. Ele carrega Sua cruz subindo uma colina chamada lugar da caveira, e lá o Criador do universo é pregado a uma árvore. O céu escurece no meio do dia, e a terra treme, e muitos dos santos saem de suas sepulturas e andam como zumbis amigáveis a caminho de Jerusalém para ver seus velhos amigos. E no templo o véu é rasgado de alto à baixo.

Este é o maior apocalipse da Bíblia, o centro da revelação de Deus, o desvelar: perdão dos pecados, reconciliação com Deus, todas as coisas feitas novas. Mas para os judeus é um escândalo, e para os gregos, loucura.

Por que Deus nos dá passagens difíceis? Pelas mesmas razões que Ele nos dá dificuldades na vida. Pelas mesmas razões que Ele nos dá chefes difíceis, filhos que dão trabalho, parentes complicados e doenças dolorosas. Em outras palavras, a literatura apocalíptica não é tão mais estranha que a vida. Podemos nos acostumar com os horrores e estranhezas do mundo, mas raramente são menos obscuros.

Você realmente entende a política mundial? Você realmente entende a economia global? Você realmente entende a sua esposa? Seus filhos? Mas o ponto não é te desencorajar. O ponto não é frustrar todas as suas tentativas de compreender. O ponto é um rio que flui do Éden para os quatro cantos da terra. O ponto é um mapa, um mapa do tesouro, e o mundo que se estende à sua frente.

Por que Deus nos dá a dificuldade? Porque Ele quer que nós lutemos com ela. Ou melhor: Ele quer que lutemos com Ele. Ele quer que nós cresçamos persistentes em nossos estudos, desenvolver músculos intelectuais e espirituais, determinação, vigor, curiosidade, apetite. E a glória é que isto não é meramente um exercício. Não se tratam de meros treinamentos. Existe um tipo de relativismo pós-moderno que se excita com a noção de aventura, com a noção de vasculhar nos textos e procurar significado na galáxia de palavras, símbolos e sinais. Mas para estes pseudo-pesquisadores, tudo está em disputa, significado está sempre em processo, a verdade não está realmente lá fora, certamente não é nada que você possa realmente compreender.

Mas para o cristão, para o homem ou mulher que conheceram Jesus, o mundo passou a ser infinitamente mais real, mais sólido, mais amável. E o Deus que o fez é infinitamente bondoso, infinitamente glorioso. Mas o caminho para a presença do Deus Infinito não é pavimentado com ilusões ou símbolos tribais aleatórios e fontes Celtas só para que todos façam especulações. Não, quando Deus nos entrega um enigma, uma visão, um sonho, um símbolo, uma dificuldade, um emaranhado, até mesmo um fracasso: é uma verdadeira dádiva, um pedaço da realidade, alguma pequena verdade embrulhada para que nós a encontremos, uma dica, um entrelaçado, um rastro de migalhas de pão, ou mulheres aladas, ou trombetas, ou bestas saindo do mar.

Jesus veio curando os cegos, e em uma ocasião Ele explicou que cegos não são aqueles que sabem que são cegos, mas sim aqueles que acham que não são. Precisamos de Jesus para nos dar novos olhos, nova visão. Precisamos de nossos olhos abertos pelo poder de Seu Espírito para ver a Palavra de Deus e o mundo como realmente é. Isto quer dizer que precisamos de olhos apocalípticos. Precisamos enxergar os horrores do mal e as glórias da bondade de Deus. Precisamos enxergar a cruz pela verdadeira revelação do amor e justiça de Deus.

Quando um bebê é batizado, precisamos ver Deus subjugando impérios e exaltando Seus santos para governarem em tronos. Quando ouvimos um homem proclamando o evangelho destemidamente, devemos ouvir trombetas ressoando, montanhas se partindo e rios de água fluindo pelas ruas. Quando banqueteamos na mesa do Senhor, devemos ver um banquete de casamento, uma noiva linda além da imaginação, todas as lágrimas sendo enxugadas, e árvores da vida surgindo em todos os cantos, esbanjando frutos e trazendo cura às nações.

Esta não é a nossa imaginação fugindo de nós; é a verdade de Deus ensinando nossas imaginações a buscar Sua glória.

E encontrá-la.

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