Pregação, uma arte de divisão

Felipe Felix
Basileia
Published in
4 min readOct 30, 2017

por Peter J. Leithart

“É preciso que você profetize de novo acerca de muitos povos, nações, línguas e reis” uma voz diz a João (Ap. 10:11). Então alguém dá a ele um “caniço semelhante a uma vara” e o instrui a medir (11:1). Aparentemente, o caniço é a ferramenta que ele precisa para profetizar. Por que um profeta precisa de um caniço? De que forma profetizar é como medir?

As coisas medidas — o altar de bronze, a mesa do pão da proposição, o candelabro e o altar dourado, a arca — são coisas santas. Os espaços medidos são espaços santos, e os móveis medidos são móveis santos. O povo medido, isto é, o povo contado, é um povo santo. Com uma vara de medir, João é chamado para delimitar as fronteiras que demarcam o espaço santo.

O trabalho de João parece mais adequado a um sacerdote. Os sacerdotes eram especialistas em santidade, especialistas em medir o santo e o profano, distinguindo entre o puro e o impuro. É isto que a profecia de João realizará. A profecia, como uma medida sacerdotal, é uma arte de divisão. O trabalho profético de João, como toda profecia, é sacerdotal.

O caniço de João é como uma “vara”. A vara não é um dispositivo de medida, mas um símbolo de domínio. Pastores usam varas (Gn. 30), e a vara de Moisés é o instrumento do seu poder no Egito (Ex. 7). O filho entronizado por Yahweh carrega uma vara de ferro (Sl. 2), e o rei pastor do Salmo 23 guia seu rebanho com vara e cajado. Jesus empunha uma vara de ferro e promete a mesma autoridade aos vencedores (Ap. 2:27; 12:5; 19:15).

A medida sacerdotal sempre é um exercício de autoridade. Os sacerdotes dominam ao aplicar os padrões de santidade e pureza da Torá. Ao ver uma marca no braço de um homem, o sacerdote julga como “doença de pele” ou “lepra”, e sua aplicação da Torá determina a condição do homem em relação ao tabernáculo. Se o sacerdote o pronuncia como “impuro”, então impuro ele está, e permanecerá impuro até que execute o ritual prescrito e o sacerdote o declare puro.

João mede, mas o fato de que seu caniço é como uma vara indica que ele compartilha o domínio do Filho real. Ao falar e escrever, João domina. Como profeta, João também é sacerdote e rei.

Em seu ministério tríplice, João segue o caminho de Jesus. Jesus era um profeta “medidor” que trouxe a espada, não paz. Toda vez que ele falava, ele atraía alguns e repelia outros. Alguns ouviam e criam, outros ouviam e odiavam. Desta forma, Jesus reorganizou o povo de Israel e trouxe o reino de Deus. A fala profética de Jesus era um caniço sacerdotal e uma vara real.

Um pregador não é um profeta, um sacerdote, ou um rei, não exatamente. Mas o caniço-vara de João simboliza a tarefa de pregar. Como João, um pregador fala a palavra de Deus para cumprir a tarefa sacerdotal de distinguir o santo e o profano. Como João, um pregador é um instrumento do domínio de Jesus na Igreja e no mundo.

Os pregadores precisam falar com a retidão afiada de uma régua. Alguns ouvirão e obedecerão, submetendo-se à autoridade de Cristo. Outros ouvirão e resistirão, e se colocarão fora do povo santo de Deus. Apenas quando a palavra de Deus é comida, digerida no íntimo, e proclamada, as fronteiras se tornam claras. A pregação é, necessariamente, a arte da divisão.

O fracasso na pregação leva ao caos. Se não existem linhas claras, é porque a palavra não está sendo profetizada de forma fiel, porque os que receberam o caniço não medem linhas retas. As confusões obscuras da Igreja — sobre dinheiro, sexualidade, e política — resultam da negligência da topografia profética, e a confusão do mundo é um produto natural da confusão da Igreja. Nós recebemos um caniço-vara, mas estamos relutantes em utilizá-lo.

Os pregadores não medem, simplesmente. Em primeiro lugar, os pregadores estão entre os medidos. Se a Palavra é uma espada, ela antes de tudo divide aqueles que ousam proclamá-la. O Apocalipse é em si mesmo um caniço semelhante a uma vara, o produto escrito da profecia de João. Este livro executa o trabalho sacerdotal de distinguir entre o santo e o profano. Através do caniço que é o Apocalipse, o Espírito de Jesus ainda nos mede; através da vara que é o Apocalipse, Jesus o Pastor domina.

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