Proclamando a morte do sacerdote

por Peter J. Leithart

Bruno Pasqualotto Cavalar
Basileia
4 min readFeb 17, 2019

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City of Refuge

“Depois da morte do sumo sacerdote, o homicida voltará à terra da sua possessão.” (Num. 35:28)

Desde o tempo de Noé, foi um princípio básico da justiça bíblica que “se alguém derramar o sangue do homem, pelo homem se derramará o seu”, e esse princípio está embasado na natureza do homem como “imagem de Deus” (Gn. 9:6). Sob o sistema mosaico, não apenas o assassinato mas outros crimes estavam sujeitos à pena de morte, tais como adultério e sodomia e ofensas religiosas como transgredir o solo sagrado, blasfemar e certas formas de violação do Sábado. Pode-se até argumentar que a pena de morte estava no coração de todo o sistema do Antigo Testamento. Porque Israel era uma possessão santa de Deus, a nação no meio de quem Deus habitava, qualquer coisa que poluísse Yahweh ou Sua casa devia ser eliminada de Israel. Com Deus vivendo no seu meio, Israel deveria ser extremamente cuidadosa em expurgar o pecado. Não é de admirar que Paulo tenha chamado a Lei de “ministério de morte” e “ministério da condenação” (2 Cor. 3:7–11).

Embora o sistema Mosaico de justiça seja rigoroso para padrões modernos, um número de provisões moderava os seus efeitos. Uma delas era a instituição da “cidade de refúgio.” Quando Israel entrou na terra, eles separaram seis cidades que serviriam para esse propósito, três na Transjordânia e três na Canaã propriamente dita (Num. 35:14–15). Quando alguém era morto, um parente próximo servia como “vingador de sangue.” Como agente da terra, sua tarefa era executar a pena capital e, assim, expurgar a terra da culpa do sangue inocente. Mas a Bíblia faz uma firme distinção entre assassinato premeditado e homicídio acidental. Um Israelita culpado de homicídio poderia fugir para a cidade de refúgio mais próxima para ser julgado. Se os oficiais da cidade determinassem que ele era inocente de assassinato, ele teria permissão para viver na cidade de refúgio, protegido do vingador de sangue enquanto ele permanecesse dentro da cidade. Quando o Sumo Sacerdote morresse, o homicida teria permissão de sair da cidade de refúgio e voltar para sua terra (Num. 35:28). A morte do Sumo Sacerdote limpava a terra do sangue inocente, permitindo ao fugitivo voltar para a sua herança e escapar a pena de morte.

Essa lei joga uma luz intrigante sobre a peregrinação de Israel no deserto. Por quarenta anos depois da recusa de entrar na terra, Israel não teve permissão de cruzar o Jordão e entrar em Canaã. Imediatamente após a morte de Arão, porém, Israel lutou com o rei de Arade e foram grandemente vitoriosos (Num 20:22–21:3). Suas provações e tentações estavam longe de acabar, pois imediatamente após esse triunfo eles murmuraram contra o Senhor e foram atacados por serpentes (Num. 21:4–9). Mas a conquista de Canaã tinha começado — após a morte do Sumo Sacerdote. O deserto era uma forma de “cidade de refúgio.”, onde Israel estava confinada até à morte de Arão. Uma vez que o Sumo Sacerdote havia morrido, ela começou a entrar na sua herança.

A morte do líder é normalmente um momento de crise, um momento perigoso de interrupção e incerteza. Quando Moisés morreu, Yahweh passou por grandes dores para demonstrar que Josué era um sucessor digno. Quando Josué morreu, Israel recaiu em complacência e não conquistou boa parte da terra. Após a morte de cada juíz, Israel rapidamente voltava-se aos ídolos, e quando Saul morreu, os Filisteus tomaram as cidades de Israel (1 Sam. 31:7). Mas a morte do Sumo Sacerdote contradiz todas as expectativas normais. Mesmo a morte de Eli, o Sumo Sacerdote que se engordou com carne sacrificial roubada e honrou seus filhos acima de Yahweh, marcou um ponto de virada na história de Israel. Embora os Filisteus tenham capturado a arca no dia da morte de Eli, eles logo voltaram com espólios (1 Sam. 4–6), e na batalha seguinte com os Filisteus, os Israelitas retomaram as cidades que os Filisteus haviam capturado (1 Sam 7:14). Não importa que Eli era um sacerdote inútil: na morte do Sumo Sacerdote, o favor de Deus começava a cair sobre Israel.

Na mesa do Senhor, Paulo disse, proclamamos uma morte (1 Cor 11:26), mas isso é boas novas somente se a morte que proclamamos é a morte de um Sumo Sacerdote. E é: nessa refeição, proclamamos a morte do Sacerdote segundo a ordem de Melquisedeque. Pela Sua morte, o ministério da condenação e morte deu lugar ao ministério da justiça e da vida. Pela Sua morte, a sentença de morte que estava contra nós foi rasgada e jogada fora (Col. 2:14). Pela Sua morte, Ele limpou a terra e nos livrou do deserto de refúgio para que entremos na nossa herança. Tudo isso, e muito mais, nós proclamamos quando comemos este pão e bebemos deste cálice.

Texto original: Capítulo 6 de Blessed Are The Hungry

Tradução: Bruno Pasqualotto Cavalar

Revisão: Thais Lima

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