Que Modelo? Qual Ciência?

Peter J. Leithart

Evandro Rosa
Basileia
3 min readApr 28, 2020

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Que modelo? Qual ciência?

“Siga a ciência” tem sido o basso continuo da epidemia de coronavírus.
Seguindo a ciência, diversas nações entraram em paralisações mais ou menos severas. Essas mesmas nações pretendem seguir a ciência ao decidir quando reabrir, para permitir que empresas, escolas e igrejas comecem a operar novamente.

Os céticos que questionam as paralizações são chamados de “anticiência”. Ou pior, assassinos.

Já deve estar claro, porém, que a “ciência” não fala a uma só voz sobre o assunto. Até os modeladores admitem que os modelos originais exageraram bastante a taxa de mortalidade.

Já em meados de Março, John Ioannidis, de Stanford, argumentou que nos faltavam dados suficientes para tomar as decisões drásticas que estávamos tomando. Desde então, ele publica relatórios para estimar a taxa de mortalidade e a taxa de infecção (aqui, e.g.).

O epidemiologista sueco Anders Tegnell, cujos modelos moldaram as políticas da Suécia, conta como cientista?

Os médicos documentaram taxas de infecção muito mais altas do que o esperado e uma taxa de mortalidade muito menor (veja aqui e aqui). Eles começaram a questionar se os lockdowns ainda são uma boa ideia. Alguns até emitem as palavras proibidas: COVID-19 tem uma taxa de mortalidade semelhante à de uma grave temporada de gripe.

O trabalho de Ioannidis tem sido questionado por outros cientistas, e as autoridades de saúde pública continuam a alertar sobre picos de infecções e mortes se os bloqueios forem suspensos muito cedo ou rapidamente.

Não anseio resolver essas interpretações conflitantes. Os críticos de Ioannidis podem muito bem estar corretos; a seu favor, Ioannidis tem acolhido tais críticas. As advertências de saúde pública podem ser exatamente o que precisamos. Tenho suspeitas, mas não sei o suficiente para apresentar uma opinião abalizada.

Meu ponto é sobre “ciência”: por sua própria natureza, a “ciência” é um domínio contestado. Existem teorias predominantes em muitas ciências (“ciência normal”, na frase de Kuhn), mas mesmo as teorias predominantes estão, teoricamente, sempre sujeitas a revisão ou substituição, com base em novas evidências ou em teorias mais imaginativas.

A “ciência” também é uma empreitada humana, plenamente humana, marcada pela mesma dinâmica de poder e paixões que marcam qualquer outra empreitada humana. Um cientista que rejeita um consenso pode estar certo; sua voz pode ser suprimida não por ser considerado falho, mas por razões políticas ou pessoais.

A ciência nunca nos dará certeza absoluta sobre esse coronavírus. Não é que tenhamos que esperar pelos estudos revisados por pares. É que teríamos que esperar por toda a eternidade. Por definição, a ciência nunca oferece certeza absoluta.

A ciência não nos salva das limitações e riscos da condição humana.

Nada disso equivale a um rebaixamento da investigação científica. Precisamos deflacionar a ciência, mas somente porque sua envergadura foi inflacionada, como se a prática da ciência de alguma forma elevasse seus praticantes e suas descobertas para além do humano.

Meu ponto é estimular a modéstia entre os cientistas e o ceticismo entre os não-cientistas, especialmente em resposta a frases como “Siga a ciência” ou “A ciência afirma”. Precisamos sempre perguntar: Que modelo? Qual ciência?

Virá o tempo, muito provavelmente, em que a “ciência” exigirá ajustes permanentes na vida cotidiana com base na modelagem de clima global. Quando esse dia chegar, ainda nos lembraremos de 2020? A intensidade das interpretações conflitantes da epidemia de coronavírus deixará os cientistas com traços mais modestos e o restante de nós, com traços muito mais céticos?

Texto original: Whose Model? What Science?
Tradução: Evandro Rosa

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