Uma Igreja Política

Talyta Kim
Basileia
Published in
5 min readJul 23, 2018

Por Peter Leithart

Saint Rose Historic Church Perrysburg — Michelle Arnold Paine

A igreja é uma nova forma política que irrompe no mundo assim como o Filho de Deus veio ao mundo. É uma alternativa política do mundo real para as políticas do mundo antigo. Resolve muitos dos dilemas políticos do mundo antigo, apesar de não resolvê-los apenas chegando a um meio-termo.

A cidade-estado grega foi construída no contraste entre o lar e a cidade. Esse é um dos temas subjacentes da obra Oresteia, de Ésquilo, e é o tema central da Antígona, segunda peça da Trilogia Tebana de Sófocles. O conflito da peça está entre as demandas de lealdade ao sangue e à casa versus as demandas de lealdade à cidade. O conflito é trágico. É necessário escolher entre o lar ou a cidade, mas ambas escolhas são mortais.

O contraste entre oikos/polis estava relacionado à diversas outras dualidades na política clássica grega. O lar era um lugar de produção; a polis era para disputa e guerra. O lar era governado pelo pai; a polis era democrática. O lar era para as mulheres e escravos; as instituições públicas da polis para os cidadãos. Isso demonstrava uma divisão entre o trabalho manual esperado pelos criados e escravos, e o ócio ou guerra buscado pelos homens na ágora. A polis era o lugar para a cultivação e exibição de virtude; escravos, mulheres e crianças não entravam nesse domínio.

A igreja é os dois, cidade e lar. Paulo considera a igreja como uma “fraternidade” e a ele mesmo como “pai” das igrejas. Porém, a igreja é também uma entidade política, uma eclésia e uma colônia do império de Jesus. Isso desfaz o dualismo da cidade grega, e por consequência desfaz os outros dualismos associados a ela. Mulheres são parte dessa polis/oikos, assim como crianças e escravos. Isso eleva o trabalho, depreciado pelos gregos: Todos são chamados para trabalhar com as suas mãos, incluindo Paulo, o fabricante de tendas. Todos podem buscar piedade; a virtude não está mais confinada à homens adultos livres.

Seguindo a mesma lógica, a igreja reconcilia império e etnia, um desafio enfrentado por todos os impérios da antiguidade tardia: Como pode um império ser uma unidade política e ao mesmo tempo englobar muitas culturas, tradições, deuses? Alguns impérios rearranjaram populações para destruir laços pré-existentes que pudessem virar ameaças; outros incorporaram os deuses das etnias conquistadas no seu próprio panteão; alguns eram mais tolerantes, outros intolerantes. Unindo a relação sanguínea do oikos com a comunidade de cidadãos da polis, a igreja também integra etnias em um império global. As etnias não perdem seu caráter distintivo, que são considerados presentes para a edificação do todo. Mas são unidas por um Espírito sob um Senhor, e em parte por seus ritos relativizadores: o batismo e Eucaristia.

A infusão da polis no lar (e vice-versa) não faz a igreja igualitária e puramente democrática, o que é provavelmente impossível em qualquer caso. Antes, a combinação oikos/polis na igreja a torna a realização da antiga esperança por uma política misturada.É um mix político com uma diferença, um mix político enraizado na encarnação do Filho e na dádiva do Espírito.

Há uma dimensão “democrática” na vida e estrutura da igreja. O Espírito é dado a todos, para que todos recebam os dons que podem ser usados para a edificação da igreja. O Espírito dá voz a todos os membros da igreja. Até escravos podem profetizar ou dar uma palavra de conhecimento, porque o Espírito não se submete à estruturas de classe.

Mas essa dimensão democrática é confrontada, necessariamente, por um aspecto “aristocrático”. Aqueles que vêm com uma palavra de conhecimento são julgados pelos outros. Aqueles que são espirituais — os sábios — corrigem os outros (Gálatas 6). Todos têm voz, mas nem todos são professores. Ensinar é uma tarefa necessariamente hierárquica, embora, como John Milbank coloca, seja uma tarefa oscilante no sentido de que a hierarquia existe para ser superada, como o discípulo vira o mestre. Sem essa liderança aristocrática, a “democracia” da igreja não pode funcionar bem, porque as pessoas precisam ser guiada à maturidade e sabedoria pelos sábios e maduros.

Acima de tudo, a igreja é uma monarquia, as pessoas são governadas pelo Rei dos reis e quem reconhece o Seu reinado. Jesus é, em alguns aspectos, um monarca ausente, cuja vinda futura como Juiz é a base para viver de acordo com os Seus mandamentos. Por ora, Ele vem em parousia [grego: presença] nos encontros da igreja, para esquadrinhar e julgar, talvez para remover um candelabro de uma igreja infiel. Mais precisamente, Ele governa através do dom, distribuindo os dons do Seu Espírito para a igreja. Ele é o “único” que coordena os “muitos” por meio da entrega de dons para “alguns”.

Por ser uma política mixada, a igreja serve como um modelo político extra-eclesial. Isso não é um ponto meramente teórico: Na verdade, a monarquia papal da igreja medieval era um modelo infeliz para os absolutistas. Mais positivamente, o movimento conciliarista apresentou um modelo para a monarquia constitucional com seu exemplo de autoridade Papal abaixo do concílio.

Apesar de um modelo para as outras políticas, a igreja detém um caráter único. Isto é imediatamente óbvio na rejeição do uso de força pela igreja: Governadores comandam a igreja, mas não pela espada ou pela ameaça de guerra. Isso não significa que governadores civis deveriam guardar suas espadas; Paulo diz que governadores carregam a espada para executar a vingança de Deus.

A razão para esta divisão entre modelo eclesial e cópia política é escatológica. Nenhuma ordem política, desde o primeiro século, incorporou o reino e o povo de Deus. Esse privilégio pertence apenas à igreja, a sociedade escatológica, uma cidade presente que será aperfeiçoada no futuro, uma cidade que já é um embrião da era vindoura.

Isso confere à igreja um caráter inerentemente profético. Em sua própria existência, e em sua vida de fidelidade ao Senhor, a igreja profetiza sobre uma ordem de justiça e paz que virá. E pelo mesmo símbolo, a igreja destaca a fragilidade da paz e justiça dos regimes atuais. Por ser um posto avançado e um símbolo de uma cidade escatológica, a igreja, como Oliver O’Donovan enfatiza, relativiza o status das políticas deste tempo e deste mundo. A própria existência da igreja é um lembrete profético de que as outras políticas fazem parte de um mundo que está passando. A própria existência da igreja é uma garantia que haverá uma cidade de luz e vida no final, a cidade aberta a todos os reis e nações.

E, de novo, em seu caráter escatológico, a igreja alcança as esperanças mal orientadas das ordens antigas e modernas. A igreja é o verdadeiro imperium sine fine [latim: império sem fim], um eterno Reich [alemão: reinado] sob o comando de Jesus. Como uma bigorna na qual muitos martelos foram quebrados, a própria existência da igreja censura as pretensões dos construtores do Estado que lutam por um nome e um reino eternos.

Em suma, a política exclusiva da igreja rompeu as políticas do mundo antigo, mesmo realizando seus desejos e sonhos mais profundos. Esse rompimento e realização é parte do evangelho, as boas novas de que o Juiz da terra comprometeu que Ele mesmo, Seu Filho e Espírito, estão trazendo shalom para o Seu mundo quebrado.

Texto original: Political Church

Tradução: Talyta Kim

Revisão: Felipe Felix

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