Visando o Shalom, 1

Leonardo Daneu Lopes
Basileia
Published in
6 min readNov 28, 2017

por Rich Lusk

Parable of the Good Samaritan — Jan Wijnants

Charles Spurgeon uma vez brincou, “Se você entrega o evangelho a alguém, embrulhe-o em um sanduíche. Se você entrega um sanduíche a alguém, embrulhe-o no evangelho.” Com essas palavras, o grande pregador batista conseguiu capturar a essência da missão da Igreja no mundo.

A missão da Igreja é ser moldada a partir da missão do próprio Cristo. No evangelho de João, Jesus diz aos apóstolos, e portanto à Igreja, “Como o Pai me enviou, eu vos envio” (20:21). Claro, numa compreensão final, a missão de Cristo é única, e não pode ser duplicada. Jesus viveu uma vida sem pecado por seu povo; ele morreu e ressuscitou pela sua salvação. Ninguém pode reproduzir esse aspecto salvífico da obra do Filho.

Mas há um sentido em que a Igreja segue os passos de Cristo em sua missão para o mundo. Na verdade, a Igreja não simplesmente molda sua missão a partir daquela do Filho; pela fé e obra do Espírito, ela partilha e participa da missão de misericórdia e justiça do Filho. Em outras palavras, Cristo continua sua missão para o mundo da mão direita do Pai no céu, conforme trabalha na Igreja e através dela.

É por isso que somos o corpo de Cristo: somos mãos, pés, braços, pernas e coração de Cristo no mundo e para o mundo. Somos co-participantes em sua obra para trazer cura e renovação para a criação caída à base de Sua cruz e ressurreição. Somos a forma que sua presença amorosa toma nesta era; somos o Seu meio estender o Reino aos confins da terra até que Ele venha novamente em glória.

O ministério de Jesus era um ministério de serviço. Ele disse, “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir”, e “estou entre vós como quem serve” (Marcos 10:45; Lucas 22:27). É esta vida de serviço sacrificial que a Igreja é chamada a encarnar no mundo. Como aqueles que foram unidos a Cristo, devemos viver entre o mundo como uma comunidade de servos. Como nossa cabeça e representante, Jesus junta o nosso serviço sacrificial ao dele, e através de nós, traz vida e luz a um mundo morto e escuro. Cristo leva as nossa obras para Si mesmo, tornando-as aceitáveis ao Pai e efetivas na transformação da cultura da humanidade.

Então devemos perguntar: como Jesus serviu? E como a Igreja deve servir à maneira de Jesus? A vida de Cristo claramente juntava a pregação do evangelho com obras de amor e misericórdia. Jesus evangelizava tanto com suas palavras, quanto com seus atos. Pense no episódio do Cenáculo no evangelho de João: Jesus lavou os pés dos discípulos, os ensinou, os serviu uma refeição, e orou por eles. Seu serviço foi holístico.

Em outros lugares, Jesus descreve seu ministério como o cumprimento de várias profecias do Antigo Testamento. Em Mateus 11, ele confirma sua identidade a João Batista ao se referir a uma série de promessas em Isaías sobre o fim do exílio e um novo êxodo: “O cego vê e o coxo anda; as lepras são purificadas e o surdo ouve; os mortos são levantados e os pobres têm as boas novas pregadas a eles”.

Em Lucas 4, ele também descreve seu ministério na linguagem de Isaías: “O Espírito do Senhor está sobre mim, porque Ele me ungiu para pregar as boas novas aos pobres: Ele me enviou para proclamar liberdade aos cativos e recuperação da vista aos cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor.” Para ter certeza, as necessidades que Jesus descreve têm um referente “espiritual”: o espiritualmente cego, o espiritualmente aprisionado, o pobre de espírito, são aqueles que ele resgata.

Mas devemos ter em mente duas coisas. Primeiro, a profecia de Isaías era direcionada àqueles que estavam prestes a experimentar um desastre físico, a saber, o exílio, resultando em mais do que apenas pobreza e aprisionamento metafóricos. Jesus veio remediar essa situação. Segundo, o fato de que Jesus de fato operou milagres que restauraram deformidades físicas das pessoas demonstram que o seu reino abraça e transforma o mundo. Os milagres de Jesus são mais do que demonstrações de poder e misericórdia. Eles são sinais do reino que irrompia, inaugurando o prometido novo tempo.

Este reino, é claro, não é consumado até a ressurreição, quando todo a fragilidade física e espiritual do povo de Deus é curada perfeitamente e permanentemente. Mas no meio tempo, Jesus nos mostrou que o reino já está presente. Como seu povo, devemos ser os portadores das bênçãos do mundo vindouro na presente era. Devemos incorporar a vida e o poder do futuro aqui e agora. Desta forma, o seu cumprimento da esperança profética por um novo mundo continua a acontecer através dos nossos ministérios de justiça e misericórdia.

Isso quer dizer que a Igreja deve penetrar o mundo, proclamando a mensagem de salvação em Cristo e mostrando sua misericórdia em atos de gentileza e amor. Sem dúvida, em muitos casos seria mais fácil “pregar e sair correndo” — simplesmente contar às pessoas a respeito do evangelho sem tomar o tempo de se envolver profundamente em suas vidas.

Muito da Cristandade pós-Reforma espiritualizou a missão da Igreja de forma que “salvar almas” é tudo que importa. Mas a Bíblia não nos libera tão facilmente. Geralmente é difícil convencer pessoas vivendo em favelas infestadas de ratos de que ”suas almas precisam de salvação”. Em tais situações, atender às tristes necessidades físicas é um pré-requisito necessário para direcionar o problema de seus relacionamentos quebrados com Deus. Ministrar às necessidades temporais muitas vezes é o caminho para ministrar às necessidades eternas.

Havia mais no ministério de Jesus do que palavras, e deve haver mais no nosso ministério também. Jesus é o Verbo feito carne; como seu povo, devemos incorporar o verbo do evangelho vivendo vidas de serviço sacrificial. Nossas obras interpretarão e explicarão nossas ações; nossas ações incorporarão e encarnarão nossas palavras. Esta é a missão da Igreja.

Não podemos separar o ministério de misericórdia do evangelismo como não podemos separar uma pessoa de sua alma. Tal separação é de fato morte, e uma igreja que separa palavras de obras é de fato morta, segundo o próprio Deus (Tiago 2:14). Amor verdadeiro requer que nós compartilhemos o evangelho com aqueles ao nosso redor; mas não pára (ou começa) aí. Devemos ministrar às pessoas holisticamente, incluindo necessidades físicas e psicológicas. Se colocarmos uma ênfase exclusiva no evangelismo, nós vamos minar a credibilidade do nosso testemunho e as nossas palavras soarão vazias e hipócritas. Se tratarmos o ministério de misericórdia como substituto do evangelismo, vamos falhar em levar os outros ao único que pode verdadeiramente resgatá-los da miséria, Jesus Cristo. Como um pastor uma vez disse “evangelismo é justiça social é evangelismo.” Exatamente.

Combinar evangelismo em obras de serviço com palavras de graça é uma tradição bíblica. A Torá colocava bastante ênfase e cuidar do pobre e incluir o “estrangeiro” que vivia fora das fronteiras da comunidades da aliança. Outras leis protegiam os pobres (empréstimos aos pobres sem usura), mas também exigiam que as pessoas saudáveis e capacitadas trabalhassem para que eles fossem reintegrados na sociedade (leis de colheita).

Os apóstolos também deram ênfase em ministérios de misericórdia. João insistia que o amor genuíno incluía tanto palavras quanto atos (1 João 3:17, 18). Paulo via a Igreja como a carta de amor de Deus para o mundo (2 Coríntios 3:2–4). Através de nosso discurso e ações, testemunhamos o evangelho e a nova criação (2 Coríntios 5:17). Certamente não é coincidência que pelo menos dois dos sete diáconos originais, Estêvão e Filipe, não eram apenas engajados no ministério de misericórdia como também eram efetivos evangelistas (Atos 6–8).

Texto original: Aiming at Shalom, 1

Tradução: Leonardo Daneu Lopes

Revisão: Felipe Felix

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