04. Quando a dor não é dor?

Margot
BDSM.Ed
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3 min readApr 18, 2021

Esse texto faz parte de uma lista de perguntas frequentes (alt.sex.bondageFAQ) respondidas por Rob Jellinghaus, e postadas no fórum soc.subculture.bondage-BDSM entre 1995 e 1997 (originais disponíveis aqui). Os textos foram traduzidos pela equipe do site Desejos Secretos e revisado pelo BDSM.Ed.

Com frequência as pessoas de fora da cena (do “meio BDSM”) não vêem o apelo de nenhum dos jogos, aparentemente dolorosos, praticados pelo pessoal SM. O que há de agradável em ser golpeado? Qual a graça em ser machucado?

Bem, pense nisso. Você já teve sexo intenso e depois notou marcas de mordidas no seu pescoço, mordidas que você nem se lembrava que tinha levado? O que aconteceu foi que seu parceiro mordeu você, COM FORÇA, com força suficiente para te marcar, e tudo o que você sentiu foi um arrepio de prazer. Se te mordessem assim tão forte, numa ocasião em que não existisse sexo, você gritaria “AI!!”, porque isso machucaria muito!! Mas, quando você está sexualmente estimulado, a sua tolerância à dor aumenta, e o estímulo que habitualmente você sente como dor se torna, então, prazeroso.

Isto é cultura geral. Outra explicação comum é que o cérebro produz endorfinas, anestésicos naturais, para compensar a dor. E você, na verdade, acaba se livrando da sensação de dor. A sensação de bem-estar, extremamente gostosa que vem junto com o exercício físico continuado, o chamado runner’s high, vem de forçar o corpo dolorosamente por tanto tempo que as endorfinas acabam por arrebatá-lo; a sensação que você tem depois de comer chili apimentado vem da mesma origem; e é isso que faz com que os praticantes de SM sintam prazer em serem açoitados ou espancados, ou seja lá o que for. Não é dor; é prazer! Todos os atletas que são “doidos por exercícios” são essencialmente masoquistas que gostam de forçar seus corpos para terem a resposta química. Então, aquele seu amigo que adora ser espancado pode, na verdade, estar sendo muito menos masoquista do que você é quando faz uma corrida!

Em função disso, uma dominadora que conheço, usa a dor como uma recompensa quando está comandando um masoquista. A dor como uma punição pode ter efeito inverso, quando seu “bottom” gosta de ser açoitado!

As endorfinas não são, de maneira alguma, A Única Explicação do porquê de os masoquistas acharem que essa sensação intensa seja desejável. Nem todo masoquista flutua cheio de felicidade quando está sendo açoitado, e nem todo masoquista gosta de ser açoitados. As maneiras para se experimentar intensas sensações variam do sonhado prazer ao grito agudo, da queimadura que irrita enlouquecedoramente ao calor suave das lágrimas que vertem dos olhos… e qualquer que seja a sensação, há provavelmente alguém que goste dela. Além disso, a dor é contínua. Há diversas sensações diferentes que você pode usar em seu parceiro — leves arranhões com as unhas, espancamento com a mão aberta, beliscões, apertões… há muitas e muitas maneiras de tocar alguém, e todas elas podem ser agradáveis.

Pessoas diferentes curtem níveis diferentes de sensações; “Different strokes for different folks” (Pancadas diferentes para galeras diferentes). O que é um carinho maravilhosamente sensual para uma pessoa, para outra pode ser passar praticamente despercebido para outra, e o que poderia ser deliciosamente fustigante para alguém, pode não ser DE MANEIRA NENHUMA para outro. A negociação contínua é o segredo para que cheguem a um denominador comum de felicidade.

Algumas pessoas acham tudo isso absurdo. “Como pode você querer a dor?” A melhor resposta que posso dar é que algumas pessoas simplesmente parecem ser calibradas de maneira diferente. Elas querem mais sensações; elas acham a intensidade emocionante e excitante, mesmo que outros achem que essas mesmas sensações sejam abusivas ou agonizantes. As pessoas gostam de quantidades diferentes de pimenta na sua comida; porque não nos seus encontros sexuais? Cada pessoa experimenta as mesmas sensações de maneira diferente e, se você quiser mais, há maneiras seguras de conseguir isso. Conseguir o que se quer, com segurança, pode tornar sua vida muito mais feliz.

(Para saber muito mais sobre sensações e brincadeiras com sensações, eu recomendo o livro Sensuous Magic, de Pat Califia.)

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