O conto a seguir foi resgatado do antigo site do SoMos, um grupo paulista de BDSM, fundado em 1992 pela Rainha Bárbara Reine, e que tinha o propósito de conectar praticantes, por meio de encontros socais (munchies) e workshop educativos. O texto está reproduzido na íntegra e você pode encontrar a postagem original aqui.
Para saber mais sobre a história do BDSM no Brasil: Desejo Secreto e a história do BDSM no Brasil, por Equina Nur
Aquele era o famoso convento onde o pároco Urbain Grandier levara ao delírio dezenas de noviças na França de Richelieu. Tratava-se do convento de Loudun, na França. Em 1634, num período em que o demônio era uma realidade tão inquestionável quanto Deus, e o ódio tão intenso quanto a fé, Urbain Grandier, devasso e poderoso cura de Loudun, foi acusado de enfeitiçar e tornar possessas a madre superiora e todas as freiras do convento das Ursulinas.
Seu destino: a tortura da bota escocesa e, diante da não confissão, a fogueira. A manhã de inverno contemplava os olhos do jovem casal com tênues emanações de vapor, fruto da incidência apolínica na relva congelada. Ao fundo, vegetação morta, poucas aves se aventuravam pelo ar denso e inóspito. Uma janela para um inferno nórdico, o inferno do deus Loki. O local fora cuidadosamente escolhido: quiçá o mais profano dos solos da Europa. Um convento onde, quase quatrocentos anos antes, setenta e duas noviças luxuriosas, revoltadas com o desprezo de um belíssimo e jovem pároco, em histeria sexual coletiva fizeram crer às autoridades que as blasfêmias escatológicas que expeliam devia-se ao feitiço daquele bruxo.
Em verdade, hoje se sabe, tratava-se de reação paranóica a uma repressão sexual hipócrita. Os demônios, por óbvio, eram os seus próprios, mórbidos e reprimidos desejos sexuais, despertados pela beleza do jovem cura. À Urbain Grandier, que além de belíssimo tivera uma educação primorosa, dividindo os bancos escolares com René Descartes, os favores das mulheres nunca foram recusados. O sexo, em verdade, não era vedado aos religiosos. Existia até mesmo um código de regras, datado de 1668, determinando que os monges da Ordem dos Mínimos não seriam excomungados se “quando em via de ceder às tentações da carne, ou cometer roubo, prudentemente se despojassem do hábito monástico”. Ao que parece, ainda que não positivada em 1634, tal regra já gozava de popularidade entre os religiosos.
Assim o jovem e recém ordenado Josué narrava a história do que ocorrera no congregação de Saint-Pierre-du-Marché, em Loudun. Sua irmã, Fátima, uma bela noviça, ouvia a tudo com atenção, tremendo com o frio que trespassava as finas vestes que Josué lhe obrigara a vestir. Durante a narrativa a menina impressionou-se particularmente com a descrição que Josué fazia de Urbain Grandier: um homem no vigor da mocidade, alto, forte, com um ar de sóbria autoridade, dignamente majestático. Seus olhos eram grandes e negros e sob seu barrete de clérigo os abundantes cabelos eram pretos e ondulados; a fronte alta; nariz aquilino; lábios rubros, cheios e expressivos.
Era a imagem e semelhança de seu irmão! Ele a puxou pela mãozinha pálida e gelada, veias azuis serpenteando em direção aos finos pulsos. — Venha, vamos entrar. O jovem casal acabara de chegar de Paris, onde foram a principal atração do mais famoso clube fetichista da França: o “Souffrez Vous”. No estreito mundo das almas luxuriosas, não lhes fora difícil encontrar um como que mecenas francês para custear-lhes a viagem. Afinal, eram exóticos: irmão padre e irmã freira; uma relação de amor proibido por todas as confissões.
O incesto, a exposição duma dor infinda numa alvidez tão jovem e inocente, a crueldade do um jovem com nome bíblico, na carne da própria e infinitamente submissa irmã: era a devassidão suprema. No entanto, por óbvio, os poucos dias no clube francês foram um mero pagamento pela viagem que receberam: tinham em mente algo muito mais sórdido. Queriam profanar o mais profano dos solos: queriam o moribundo, vetusto e abandonado convento das ursulinas de Loudun. ***** Uma vez dentro das ruínas Josué, deixando cair sobre o chão de pedras a maleta que trazia consigo, ordenou à sua irmã que se despisse.
Obediente, teve apenas que puxar por sobre a cabeça a fina túnica de linho, passando a caminhar descalça atrás do irmão, que deliciava-se com o lúgubre sítio medieval. O código ético dos dois irmãos era bastante rígido, aprendido quando, ainda crianças de tenra idade, eram obrigados a presenciar as purificações dos seus pais. Filhos do um pai asceta e de uma mãe imersa numa religiosidade doentia, eram por ambos obrigados a segurar a mãe firmemente presa ao chão enquanto ela rezava todo um longo rosário, sendo chibateada pelo impiedoso pai. As punições, de uma sonoridade que passou a compor a substância dos seus mais terríveis pesadelos, por vezes se estendia por quase uma hora. E eram insuportavelmente freqüentes.
A punição física, ensinavam os pais, era a única forma de atingir o reino de Deus. Os filhos assimilaram a lição. Fátima estava com o corpo bastante castigado: marcas de chicote cruzavam-se nas costas, coxas, nádegas e seios. Os anzóis de aço, presente de um admirador que os assistira no clube parisiense, pendiam soltos e gelados dos bicos rosados dos seus seios. Dos grandes lábios, que nela pareciam tão pequenos e delicados, dependuravam-se grossas argolas de ouro, como que deformando-lhe o sexo num espetáculo mephistófilo.
Josué pousou sobre ela seu olhar mais tenro, os olhos brilhando, como que a reter lágrimas. Olhos como os de Loyola, avermelhados por emoções contidas, fruto dos poemas de Barthes. Não podia mais esperar, sabia que sua irmã desfaleceria em poucos minutos tal o frio que fazia. Abriu sua maleta e mandou-a deitar no chão de pedras geladas. Fátima tremia descontroladamente. Num gesto de piedade, Josué deitou seu corpo sobre o dela, irradiando ao franzino corpo da irmã um pouco do seu calor masculino. Carinhosamente beijou-a nos lábios. — — Por toda a nossa vida esperamos por este momento, minha irmã. É a consagração final, a redenção dos nossos pecados mais imundos… Prepara-te. Fátima nada respondeu: estava, em verdade, à beira do colapso.
Conseguiu, no entanto, sorrir. Amava seu irmão e sentia uma felicidade infinda por poder servi-lhe daquela forma tão extrema, tão insana. — — Faça… — — conseguiu por fim balbuciar a menina. Josué levantou-se e deixou, por alguns minutos, a irmã deitada sobre as pedras. Tinha que pegar algo no carro. Quando voltou, arrastava duas grandes tábuas. Soltando-as no chão, encaixou-as em forma de uma grande cruz, sobre a qual deitou sua irmã de braços abertos. — — Como tu, minha irmã, grandes santos e santas foram honrados com as chagas de Cristo. Santa Rita de Cássia, Santa Catarina de Gênova, Santa Maria Madalena de Pazzi, Santa Clara de Montefalco e poucas outras. Como tu, minha irmã, eram elas depravadas pecadoras. Adoravam o demônio, rolavam sobre fezes, ingeriam urina e deitavam-se com íncubos e súcubos. Mas todas se purificaram nas chagas de Cristo! Prepara-te para a suprema comunhão com o espírito divino.
E assim dizendo, Josué tirou da maleta três grandes pregos e um pesado martelo. Fátima, com a respiração já acelerada pela excitação, apertou firmemente as costas das mãos contra a madeira da cruz, distendendo os finos dedos para fora. Primeiro foi a mão direita. À primeira martelada o som estridente do metal foi abafado pelo grito de dor da delicada criança. Ecoando pelos tempos, os gritos e choros da menina evocavam os demônios que levaram à fogueira o cura Grandier. Os golpes sucediam impiedosos. Um após o outro, esmagando os ossinhos da mão, faziam minar um sangue rosado e gentil. Seguiu-se a mão esquerda. Jamais se ouvira gritos assim!
Como que emergindo das profundezas de um inferno de devassidão, eram um misto de dor sobre-humana com orgasmos órficos. Josué chorava, mirando nos olhos a pequena irmã que, entre berros de dor e prazer imortal, conseguia, entrementes, lançar-lhe sorrisos de um amor sem limites. Os pés foram pregados de modo a que os joelhos permanecessem flexionados. Um único prego, grosso e comprido, cravou-se até que fosse transposta toda a carne e toda a madeira. Ela estava pronta: o grande momento estava próximo.
Despindo-se finalmente, tomado de excitação tamanha que esqueceu-se mesmo do frio intenso, Josué, como Fátima abrisse para ele seus joelhos, conseguiu enfiar-se por entre as pernas da irmã. Penetrou-a tão profundamente quanto sua natureza o permitia, machucando-lhe o útero a cada estocada. Puxando a maleta para perto de si, dela tirou a esperada coroa de espinhos, segurando-a com as duas mãos rente à cabeça da irmã. — — Receba a vida nas suas vergonhas! Toma no útero e nos intestinos a salvação do leite que te derramo! Agora!! E assim dizendo, Josué ejaculou violentamente dentro da irmã, ato contínuo, coroando-a com a coroa de espinhos. Fátima estava transfigurada. Um prazer como ser humano algum jamais sentira, coroado na dor, profanando solo outrora sagrado mas também palco de orgias sacras.
O sangue, escorrendo sobre seus olhos, atingiu-lhe os lábios e fez-lhe a fronte tigrar-se dum vermelho intenso e vital. Beijavam-se furiosamente, mordiam-se, blasfemavam palavras intraduzíveis. Se amavam. Um orgasmo que não existia de intenso se foi, pouco a pouco, suavemente, transformando-se na brisa grácil do hálito próximo. Duas bocas, bocas irmãs, seus gládios tocando-se no calor dos corpos extasiados. Olhos fechados… E houve a luz.
Autor: GOG