#03 Cartas que a gente nunca envia

Querido B,

Beatriz Coragem
Beatriz escreve
Published in
3 min readJan 12, 2018

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Photo by Josh Felise on Unsplash

Confesso. Errei. Você está sempre me dizendo que não assumo meus erros, que não sei pedir desculpas. Então estou aqui, te pedindo desculpa.

Eu me confundi toda e essa não é a primeira vez que faço isso. Semana passada eu estava ali perto da Vergueiro numa entrevista. Você sabe, às vezes jornalistas precisam fazer entrevistas. Minha fonte se chama Vanda ela é uma bruxa.

Não, você não leu errado. A sala da Vanda fica dentro de uma escola esotérica, um pequeno recinto quadrado com uma parede roxa entupido de objetos: uma vassoura presa na parede, na prateleira um Santo Antônio, as imagens de uma cigana, do deus Hindu Ganesha, de Durga e de Khali, uma naja, uma coruja, livros, um crânio, plantas, cristais e pedras por todos os cantos. Em oposição à porta, um espelho. Atrás da cadeira de Vanda, uma mandala de proteção.

Ela vestia preto da cabeça aos pés. Uma regata por baixo de um colete cheio de franjas e uma saia comprida e larga que arrastava no chão. O cabelo loiro platinado era cortado bem curto, o que destacava as bochechas cheias e redondas da bruxa. Assim que me sentei na cadeira e apoiei os braços na mesa, ela me apontou uma maçã. “Sabia que essa maçã já está aí há três meses?”, ela perguntou sem tirar os olhos de mim, tentando desvendar minha reação antes que eu pudesse responder. Seria curiosidade ou ceticismo?

A fruta estava vermelha e brilhante, apoiada sobre um pequeno pote arredondado na frente de um silfo, que ela faz questão de pontuar que são seres diferentes das fadas. O sol incidia diretamente sobre a maçã, mas ela permanecia intacta — congelada no tempo. No fim da entrevista, não me aguentei e perguntei se ela toparia tirar o tarô para mim.

— Você tem namorado?

— Não.

— Ele vai chegar. Em breve.

Vanda segurava uma carta na mão e começou a dizer que meu futuro namorado seria mais novo do que eu, provavelmente alguém que eu já conhecia. Torci o nariz na hora. Mais novo do que eu? Não sei se estou disposta. E se ela se confundiu? Talvez ela quisesse dizer que meu futuro namorado seria alguém que eu já conhecia, alguém que eu conheci quando era mais nova. Faz sentido, não faz?

A cabeça preenche as lacunas em instantes. De repente a história fica mais palatável. De repente, posso acreditar que é assim que as coisas vão ser daqui pra frente. De repente, posso acreditar que eu e você vamos dar certo. Eu me confundi toda e essa não é a primeira, nem a segunda vez que faço isso.

Lembra daquele filme que vimos juntos, 500 dias com ela? Logo no comecinho, a irmã mais nova do Tom, naquele tipo de profecia autorealizadora do cinema, explica para ele que não é só porque uma garota bonita gosta das mesmas porcarias que ele, que isso a torna sua alma gêmea.

Eu sei. Já deveria ter aprendido essa lição. Eu me confundi toda e essa não é a primeira, nem a segunda, nem a terceira vez que faço isso.

Acho que sentia a gente meio conectado, como se ter passado pela infância, adolescência e puberdade sentados lado a lado na escola tivesse nos transformado em mais do que um homem e uma mulher com tesão. Era legal conversar sobre aquelas pessoas do passado ou discutir os quadrinhos, filmes e livros com você. Lembra quando o Harry Potter e as Relíquias da Morte foi lançado? Eu acabei o livro antes de você e te disse que o Harry morria no fim. Você ficou revoltado.

Mas eu errei. Quando entrei no seu carro e sentei no banco do passageiro, eu soube que tinha me enganado. Você nunca superou sua ex, eu nunca superei minhas bobagens adolescentes e a Vanda só falou o que achava que eu queria ouvir. Desculpa por ter confundido suas gentilezas com afeto. Desculpa por te subestimar, por te achar meio ingênuo. A ingênua sou eu.

Até mais,

B.

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Este texto faz parte de uma série, já leu os outros? #01, #02.

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