Constelação Familiar é a Cloroquina da Psicologia

E eu posso te provar.

Beatriz Coragem
Beatriz escreve
Published in
5 min readMay 9, 2021

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Homem olhando para o céu estrelado
Créditos: Greg Rakozy no Unsplash

Como tantos outros milennials, eu também tive uma fase mística. Fazer o mapa astral de amigos e contatinhos foi divertido por algum tempo.
Mas tudo tem limites.

Nos últimos anos, meu Instagram, meu Facebook, e a internet em geral foram invadidos por pseudoterapias que prometem curar depressão, ansiedade, traumas passados ou reprogramar o cérebro para ganhar dinheiro. Tudo isso em apenas 10 sessões de R$ 150.

Eu sei, parece propaganda da Polishop, mas se existe oferta, é porque existe procura.

A verdade é que esses pseudoterapeutas — que se dizem conectados com sabedorias milenares (cof, cof) — estão se aproveitando da vulnerabilidade alheia para lucrar e isso me deixa bem indignada.

O meu objetivo com este artigo é:

  1. explicar porque a Constelação Familiar não é confiável;
  2. te convencer a nunca mais dar dinheiro para pseudoterapeutas.

Vou começar pelo básico:

O Que é Constelação Familiar?

A Constelação Familiar é um tipo de terapia de grupo: o número de participantes pode variar e o grupo liderado por um constelador. Um “constelante” é selecionado para trabalhar numa questão pessoal. Os outros podem ser representantes ou observadores. Sueli Marino e Rosa Maria S. Macedo explicam:

Os problemas vividos por uma pessoa […] são denominados como ‘emaranhados’ e […] têm relação com algum tipo de exclusão, injustiça, luto, doença grave, rompimento de vínculos, adoção, suicídio e até brigas por herança. O papel do constelador será identificar o emaranhado e restabelecer no sistema familiar do constelante […] As pessoas do grupo que estão assistindo ao trabalho serão convidadas pelo próprio constelador ou pelo constelante para atuarem como representantes do sistema familiar e a dramatizarem situações onde foi percebido o problema. O constelador […] dirige a representação e direciona as falas dos atores com frases específicas predeterminadas como: ‘querida mamãe (ou papai), por favor, me olhe com carinho’, ‘eu te reconheço’, ‘você sempre terá um lugar no meu coração’, ‘eu te reverencio’; e faz intervenções a partir do que percebe desse campo de sabedoria ou movimento do espírito.

De acordo com Bert Hellinger (o criador do método), nós temos “ligações inconscientes” com os antepassados da família. Essas ligações inconscientes não são influências genéticas, nem são memórias reprimidas, elas são interpretadas como campos psíquicos de energia. Em resumo: a energia psíquica de uma pessoa deve estar em harmonia, e o seu desequilíbrio é a causa de doenças físicas e mentais. Assim como muitas dessas terapias New Age, a Constelação Familiar está de alguma forma relacionada com a física quântica.

O problema é: não existe nenhuma evidência científica que prove a relação entre teoria quântica e a psicologia. Qualquer terapia, cura ou promessa de prosperidade que se baseie em conceitos “quânticos” não passa de misticismo ou, melhor, charlatanismo.

Quem é Bert Hellinger?

Bert Hellinger (1925–2019) foi um filósofo alemão que estudou psicanálise, terapia gestalt, e análise transacional depois de deixar o sacerdócio.

Durante a II Guerra Mundial, Hellinger foi recrutado pelo exército alemão e, em 1945, foi capturado na Bélgica e enviado para um campo de prisioneiros de guerra. Após o fim da guerra, entrou para a Companhia de Jesus e, em seguida, foi enviado para a África do Sul onde se tornou missionário entre o povo Zulu. Hellinger viveu no país durante 16 anos e trabalhou como pároco, professor e diretor de escola.

O filósofo deixou a igreja católica para se casar e, depois, criar seu próprio método terapêutoco. Muitas de suas ideias retrógradas são conceitos aplicados na Constelação Familiar. As afirmações controversas de Hellinger incluem:

Controvérsia

Não é difícil encontrar relatos na internet de pessoas que passaram por experiências extremamente negativas durante e após participarem de uma sessão. Deixo aqui apenas dois:

Captura de tela do seguinte texto: Sofro de TAG, faço tratamento para mantê-lo controlado, minha ex-psicóloga inventou uma vez de constelar comigo. 
 Se meu marido não tivesse em casa, eu teria praticado suicídio. Me perturbou por meses, o fato de um transtorno meu, jogar a culpa em minha mãe que não tem responsabilidade sobre isso.
 Só sei que o profissional deve ser responsável, por abertura de feridas que temos, e nem sempre serão cicatrizadas. Graças à Deus, estou bem, para seguir a
Captura de tela sem identificação para proteger o autor do comentário

Não sei nem por onde começar e me sinto muito frustrada em saber que existe um psicólogo atendendo por aí e utilizando um método pseudocientífico sem eficácia comprovada. Ou seja, a profissional que deveria estar ali para ajudar a paciente a lidar com feridas que não foram totalmente cicatrizadas acaba sendo a responsável por piorar o estado mental dela. Muito bom.

A Constelação Familiar não é reconhecida pelo CFP (Conselho Federal de Psicologia), nem pelo CFM (Conselho Federal de Medicina). Ou seja, psicólogos habilitados não podem utilizar esse tipo de terapia em seus pacientes.

Apesar disso, o método está disponível pelo SUS desde março de 2018 como uma prática complementar de saúde. Isso significa que qualquer pessoa pode buscar esse tratamento de forma gratuita (ou seja, graças aos impostos que pagamos) através do Estado.

Oi fui submetida a essa constelação familiar dentro da comarca da minha cidade, pois fui, vítima de violência doméstica, sempre tive problemas com minha mãe desde mais nova e no caso associaram esses problemas com ela ao fato de ter me relacionado com um homem abusivo e possessivo. na sessão, que foi vista por muitas mulheres que ali estavam, quase tive um mal súbito, por ter que lembrar de toda a omissão sofrida na infância por parte da minha mãe, fiquei dias confusa, mas como faço tratamento c
Autoria anônima, depoimento postado por @bibibailas

Sim, o depoimento ao lado é verdade. Promotores, advogados e juízes têm aderido à Constelação Familiar como uma forma de estimular a resolução de casos. Unidades de Justiça de pelo menos 16 Estados e o Distrito Federal já utilizam a técnica criada por Hellinger.

A medida está alinhada à Resolução CNJ n. 125/2010 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), destinada a estimular práticas que proporcionam tratamento adequado dos conflitos, assim como ao novo Código de Processo Civil, que estimula medidas que promovam o apaziguamento entre opostos.

Para quem se interessou pelo assunto e quer saber mais sobre, indico o vídeo abaixo:

Constelação Familiar: uma prática perigosa. Canal: Física e Afins

Constelação Familiar Funciona?

Em uma palavra: não.

A Constelação Familiar se tornou popular no Brasil e no resto do mundo porque é muito fácil se tornar um “constelador” — não é necessário ser psicólogo ou ter qualquer tipo de formação superior. No Brasil, é possível encontrar desde workshops gratuitos até cursos por R$1.200 ou mais. A carga horária pode variar entre 20h e 120h.

Já um curso “oficial”, oferecido pelo site de Hellinger, consiste em 18 módulos, cada um por €800. O preço total do curso? €14.400 (cerca de R$91.700). Uma pechincha, não é?

Para quem procura este tipo de tratamento alternativo, a Constelação Familiar pode custar entre R$120 e R$200. Ou seja, tão ou mais caro que uma sessão de terapia com um profissional — isto é, alguém que estudou por muito mais do que 120h — e com o CRP em dia.

Muitos dos supostos resultados obtidos com o tratamento podem atribuídos ao efeito placebo. Reviver traumas pode ser extremamente desestabilizante para um paciente e, portanto, deve ser feito com muito cuidado por um psicólogo ou psiquiatra habilitado.

Saúde mental é coisa séria. Não existe um método fácil de curar todos os nossos problemas. É difícil, é demorado e depende de muito esforço do paciente e dos profissionais de saúde. Seria incrível poder estalar os dedos e resolver todas as nossas dores em instantes, mas eu acho que, se fosse assim tão simples, as nossas conquistas não seriam tão gratificantes.

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