A Amélia que editava livros

Renata Kotscho
Bebendo a morta
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3 min readAug 21, 2020

Isabella Beeton nasceu em 1836 na Inglaterra. Filha mais velha de uma família que viria a ter outros 16 filhos entre irmãos e meio-irmãos, a mocinha teve que aprender cedo como criar filhos e cuidar de uma casa.

Adolescente, teve umas merecidas férias e foi estudar em Heidelberg. Foi nessa época que ela conheceu e se apaixonou pelo ambicioso e sonhador Samuel Orchart Beeton. O rapaz era irmão de uma das coleguinhas inglesas de Isabella que estudava com ela na Alemanha.

Durante esse tempo, os pombinhos trocavam cartas apaixonadas de amor, enquanto levavam o namorico `a distância.

Quando Isabella voltou para Inglaterra, Samuel foi logo pedindo sua mão em casamento. O pai a princípio foi contra porque esperava casar a tão prendada filha com um nobre e o rapaz não parecia muito promissor. Onde já se viu? Queria empreender na área de livros e revistas e popularizar o acesso ao conhecimento. A causa era nobre, mas o papai não se convenceu.

Isabella então propôs ao pai que ele desse um ano de chance para que o jovem estabelecesse seu negócio, caso fosse bem sucedido eles então de casariam.

Acordo fechado, Isabella e Samuel trabalharam dia e noite na incipiente editora. Um dos projetos era uma revista feminina. A Inglaterra vivia a era Vitoriana com uma classe média emergente e a revista serviria de modelo para essas mulheres.

Com toda a sabedoria que ela tinha acumulado na prática mais o conhecimento que tinha de francês e alemão, Isabella editava a revista com dicas de moda, maternidade, animais, relacionamentos, empregados domésticos, ciência, religião, primeiros socorros. Enfim, tinha de tudo…

Em 1861, ela resolveu editar seu mais ambicioso projeto: uma série em fascículos com 24 volumes mensais, o Book of Household Management, uma espécie de guia de administração doméstica.

No prefácio, Isabella conta a sua motivação para escrever o manual, para ela não havia nada que trazia mais desconforto do que comida ruim e uma casa mal cuidada. Ela confessa também que se soubesse a trabalheira que o projeto daria, não teria feito.

É `a culinária que ela dedica a maior parte do livro. Isabella colecionava receitas de livros e revistas estrangeiras, (chegou inclusive a ser acusada de plágio por isso).

Mas além de traduzir as receitas ela organizava a lista de ingredientes antes do modo de preparo (uma inovação na época), testava todas as receitas em sua cozinha e além disso ao final de cada receita ela colocava uma estimativa de custo do prato. Economia doméstica era uma valor importante para ela e para a moral da época.

Na seção de carnes, Isabella além de trazer as receitas ensinava também a criar, alimentar e abater os animais em casa, uma prática comum na época.

Isabella também participava de atividades beneficentes e a única receita criada originalmente por ela para o livro é justamente uma sopa que ela servia aos moradores de rua numa cozinha onde trabalhava como voluntária.

Isabella e Samuel eram parceiros e sócios na editora e tinham um relacionamento de igual para igual, algo incomum na época.

O sonho de Isabella era ser mãe, acabou sofrendo vários abortamentos espontâneos antes de conseguir ter um bebê e perdeu dois dos quatro filhos que nasceram vivos, ainda muito pequenos. Isabella também morreu muito jovem, aos 28 anos de febre puerperal após dar à luz ao seu quarto filho.

Hoje acredita-se que ela sofria de sífilis, que teria contraído do marido que teve relações com uma prostituta antes dos casamento com Isabella.

Para brindar mais essa beleza de musa inspiradora e aquecer um pouco o coração (e esperar a frente fria que parece que vem po aí) escolhi uma receita do livro da própria Isabella, um hot punch: vai uma dose de rum, uma dose de conhaque, suco de meio limão, uma colher de açúcar, água fervendo até completar o copo e noz moscada para temperar.

Cheers!

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Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine