A encantadora de números

Renata Kotscho
Bebendo a morta
Published in
5 min readOct 23, 2020

Tem uns casais que a gente olha e pensa: como é que esses dois um dia pensaram que dariam certo? Assim eram os pais da nossa musa inspiradora de hoje, Ada Lovelace.

Augusta Ada Byron, nasceu em 1815 na Inglaterra. Seu pai, Lord Byron era um poeta romântico daqueles barra-pesada. Além de seus poemas, ficou famosos por tomar drinks em uma taça feita de crânio humano, tinha um urso de estimação e, lógico, muitas amantes (entre elas até uma meia-irmã).

Já a mãe de Ada, Anne Isabella Milbank, era uma nobre e recatada matemática e religiosa fervorosa.

Bom, 4 meses depois do nascimento de Ada os pombinhos se separaram e Annabela, como sua mãe era conhecida ficou com a guarda da menina, ao contrário do que era o costume na época.

Disposta a livrar a filha de tendências que a mãe via como “insanidades poéticas” ela fez de tudo para inserir a pequena Ada no mundo da matemática e das ciências.

Uma das suas tutoras, por exemplo, foi Mary Sommerville, uma astrônoma escocesa que foi a primeira mulher a ser aceita na Royal Astronomical Society e ganhou o título de “Rainha da Ciência do século XIX”.

Fato é que a pequena Ada pegou gosto pela matemática e seu pai apelidou a menina de “A Rainha dos Paralelogramos”.

Lord Byron mudou-se para sempre da Inglaterra quando Ada tinha 4 anos e morreu lutando na Guerra de Independência da Grécia quando a menina tinha 8.

Ada só foi conhecer o rosto do pai aos 20 anos, já que até então a mãe mantinha o retrato do ex coberto na casa da família.

A mãe de Ada tinha tanto medo que a filha sucumbisse a loucura poética que fazia a filha ficar por horas deitada imóvel para praticar auto-controle.

Ada também foi sempre uma menina com saúde frágil. Sofria de fortes dores de cabeça, tinha problemas de visão e aos 12 anos contraiu uma forma grave de sarampo que deixou a menina 1 ano de cama e outros dois sem conseguir andar.

Mas aos 16 anos, floresceu. Foi apresentada oficialmente `a corte britânica e extremamente culta e inteligente, além de formosa, encantou a todos. Foi eleita “Belle of the season” no ano de 1832.

A partir daí, era sempre convidada para festas e começou a fazer contatos sociais como o físico Michael Faraday e o autor Charles Dickens. No ano seguinte conheceu o famoso cientista e inventor Charles Babbage, que ficaria conhecido como o pai do computador.

Babbage estava dando uma festinha para mostrar o seu novo projeto o Difference Engine. Era uma geringonça enorme, a vapor, que funcionava como uma super calculadora e poderia acelerar cálculos importantes para construção de grandes obras de engenharia, entre outras aplicações da matemática.

Ada, então com 17 anos, foi a única dos presentes na festa que compreendeu a importância daquela máquina. Uma tecnologia que poderia revolucionar o desenvolvimento da humanidade.

Depois da festa, Ada apressou-se para pedir para que Babbage fosse seu tutor e ele prontamente aceitou.

Desde o início, Babbage reconheceu a capacidade intelectual da assistente e tratava Ada como uma igual. Os dois foram amigos a vida toda.

Em 1834, a dupla começou a trabalhar em um projeto ainda mais ambicioso: o Analytical Engine, que viria ser o primeiro projeto de computador.

No ano seguinte, Ada casou-se aos 19 anos com William 8th Baron King, e tornou-se Lady King e mais tarde conde e condessa de Lovelace.

Tiveram 3 filhos e Ada passou vários anos dedicando-se a ser mãe e a cuidar da casa e da família. Mas sempre fazia questão de tirar duas horas por dia para estudar e continuava contribuindo com Babbage.

Em 1843, ela traduziu um artigo do matemático Luigi Menabrea escrito em Francês em que o jovem engenheiro, que futuramente viria a ser primeiro-ministro da Itália, escreveu sobre o projeto de Babbage.

Mas Ada não limitou-se a traduzir o artigo. Ela adicionou suas notas pessoais, três vezes mais longas do que o artigo original. Nessas notas, ela inclusive corrige alguns cálculos do amigo Babbage.

Ada publicou esse trabalho com suas iniciais AAL. A parte mais inovadora, que lhe deu reconhecimento, foi o anexo G, onde ela detalha o primeiro programa de computador.

Neste anexo, Ada descreve um algoritmo com técnicas de condicional e looping usadas até hoje pelos programadores.

Babbage e Ada foram então atrás de patrocínio para construir a máquina. Mas Babbage era um gênio temperamental que não tinha muito tato para lidar com políticos. E o projeto era muito caro.

Ada por sua vez, como temia sua mãe, não se livrou das tendências poéticas perigosas do pai, teve inúmeros casos extraconjugais, era viciada em jogo e abusava de opióides para aplacar dor crônica.

Ada tentava sorte nos cavalos para levantar fundos para construir o Analytical Engine, mas seus cálculos no turfe não funcionaram e ela se deu mal.

O Analytical Engine nunca chegou a ser construído, mas hoje sabe-se que o projeto teria funcionado e antecipado uma tecnologia em quase 100 anos.

Ada morreu muito jovem, aos 36 anos, de câncer de útero. No seu leito de morte, fez alguma confissão ao marido que abandonou-a ali mesmo. Seu último pedido também foi surpreendente: desafiando a mãe, pediu para ser enterrada ao lado do pai que mal conheceu.

100 anos depois, seu trabalho foi descoberto por Alan Turing, o criador da máquina Enigma que quebrou o código nazista e teve um papel importante na vitória dos aliados na Segunda Guerra mundial.

Turing foi o primeiro a mencionar o trabalho de Ada que ficou esquecido por esse tempo todo.

Ainda que tardiamente, Ada Lovelace foi finalmente reconhecida, sendo considerada uma das figuras mais importantes na história da computação e da matemática. Áreas infelizmente até hoje com tão poucas mulheres.

Babbage foi um gênio que percebeu que seu invento poderia resolver qualquer problema matemático. Ada foi além, ela vislumbrou a inteligência artificial e percebeu que o computador poderia substituir qualquer raciocínio humano, funcionando como uma ferramenta para a nossa imaginação.

Para nós sobraria “apenas” o sentimento.

Para brindar essa musa um drink forte e delicado. Um Collins de Framboesa: duas doses de Gin, suco de meio limão, uma colher de açúcar, gelo e água com gás para completar o copo.

Cheers!

--

--

Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine