Apertem os cintos

Renata Kotscho
Bebendo a morta
Published in
5 min readApr 23, 2021

Que a musa da semana é nada mais, nada menos, que “A Malvada”, Bette Davis.

Aconteceu assim: eu, menina chucra nascida e criada em uma chácara em Cotia, não tinha muito contato com. o mundo glamuroso das artes como a juventude dourada dos jardins paulistanos, ou mesmo dos altos pinheiros que frequentava o The Gallery (rs).

Até que a Magali, a jornalista carioca descolada que alugava a casa dos fundos no terreno dos meus pais, começou a me dar dicas de filmes clássicos que eu poderia alugar baratinho na locadora do bairro.

Foi assim que eu conheci A Malvada.

Bette é a protagonista deste clássico e a história da sua vida confunde-se com a da personagem Margo, uma estrela decadente com fama de má.

Temperamental, difícil, perfeccionista também eram adjetivos que gostavam de dar para Bette, que queria simplesmente ser lembrada como uma boa trabalhadora, uma atriz conhecedora do seu ofício.

E ela não fugia de nenhum papel, mesmo os menos glamourosos, que as divas de Hollywood recusavam para não afetar suas belas imagens.

Bette nasceu em uma família abastada de Boston, seu pai era um promissor jovem advogado e a mãe uma bela aspirante a atriz.

Como vocês podem imaginar a combinação não deu muito certo e Harlow, o pai, abandonou a família quando Bette tinha apenas 10 anos. O fofo se mandou para a Flórida e nunca mais voltou.

A mãe solteira logo percebeu o talento especial da filha mais velha e apostou todas as suas fichas em Bette, chegando a negligenciar a caçula Barbara.

Assim, contando com o apoio da mãe, Bette estudou teatro, enturmou-se com o mundinho da Broadway que estava surgindo naquele período e começou a fazer sucesso nos palcos da costa leste dos EUA.

Em seguida, no início dos anos 30 do século passado, tomou o caminho natural para jovens atrizes daquela época e foi tentar a sorte em Hollywood.

Bette não teve uma vida fácil na Califórnia. Logo no seu primeiro teste para o cinema foi dispensada por engano porque a recepcionista achou que ela não tinha cara de uma aspirante a atriz.

Diziam que lhe faltava sex appeal, imaginem.

Mesmo assim, em um dos testes a que se submeteu, colocaram Bette deitada em um colchão e 15 homens subiram em cima dela para beijá-la “cenograficamente” e testar o quanto ela estava disposta ao papel.

Mas Bette sabia o seu valor e devido a sua experiência nos palcos acabou conseguindo um contrato de verdade em Hollywood.

Mesmo assim, a carreira da jovem demorou para decolar e ela era obrigada a fazer pontas em filmes de qualidade duvidosa.

Poucos anos depois, quando estava de malas prontas para voltar para Nova York, Bette recebeu, enfim, um telefonema com um convite para estrelar o filme The Man Who Played God.

Foi um grande sucesso e com isso a nossa musa assinou um contrato com a Warner Brothers por mais 5 anos e acabou ficando na firma por mais 18.

No mesmo ano ela reatou um romance com o seu namoradinho do ensino médio, Harmon Oscar Nelson, e os dois se casaram em agosto de 1932.

O enlace foi um escândalo na época porque Bette ganhava muito mais do que o conge e isso não era bem visto pelos cidadãos de bem. Sem falar que, apesar de ter dinheiro, Bette só poderia comprar uma casa com a autorização do maridão, que não dava para não se sentir mais humilhado. (tadinho)

Mas pelo menos com o casamento a atriz finalmente conseguiu perder a virgindade aos 26 anos “não aguentava mais esperar”, confessou em entrevista décadas mais tarde.

Famosa por seus olhos gigantescos que hipnotizavam a audiência, Bette tentou se livrar das amarras do contrato com Hollywood e estrelou um filme com uma produtora inglesa. Perdeu o processo, mas acabou ganhando respeito.

Em seguida, ganhou os dois papéis que lhe renderam o Oscar de melhor atriz, o primeiro por Joyce Heath em Dangerous e depois por Julie Marsden, em Jezebel. No mesmo ano divorciou-se do ex-namoradinho da escola.

Começa a Segunda Guerra Mundial e Bette se engaja na arrecadação de fundos para o esforço de guerra e também coordena a cantina de Hollywood, que recebia gratuitamente os soldados que estavam de partida para lutar na Europa.

Durante esse período, Bette casou-se pela segunda vez, agora com o advogado Arthur Farnsworth. Mas pouco tempo depois, quando ela tinha apenas 35 anos, ficou viúva. O marido faleceu repentinamente, caindo nas calçadas de Los Angeles.

Mas Bette não desiste do amor e dois anos depois casa-se novamente, desta vez com o belo artista plástico William Grant Sherry, 7 anos mais moço do que a musa. Para Bette Davis “a vida de uma mulher não está completa sem acordar com um homem ao seu lado”.

Foi com ele que Bette teve sua filha Barbara e passou a dedicar-se a um de seus papéis preferidos, o de mãe e dona de casa. Ela adorava cuidar da filha, planejar as refeições da família, participar das reuniões da escola e assim por diante.

Até que em 1950, aos 42 anos, recebe o convite para interpretar a Margo de A Malvada, o filme que eu falei no começo e que me apaixonei.

De quebra ela ainda arrumou o quarto marido em cena, o também bonitão Gary Merrill, com quem ficou casada por, (uau!), um recorde pessoal de 10 anos.

Com o galã, Bette adotou mais dois filhos e tentou outra vez viver uma vida pacata de cidadã de bem suburbana, bela, recatada e do lar, mas novamente não durou muito.

Em 1962, aceitou o convite para estrelar o filme de terror “What Ever Happened to Baby Jane?”, junto com a sua arquiinimiga Joan Crawford. No filme, Bette vai ficando a cada cena mais feia e assustadora em cena enquanto Joan, por contraste, parece mais bonita.

Pelo papel, Bette recebeu a sua última indicação para o Oscar (foram 10 no total). Joan ficou fora das indicações, mas vingou-se da rival ao subir ao palco do Oscar, gloriosa e trifunfante para receber o prêmio em nome da principiante Anne Bancroft, que ela tinha convencido a não ir à cerimônia.

(isso é que é inimiga que se preze, não as mocorongas de hoje em dia)

Depois de mais esse sucesso, Bette continuou trabalhando, mas em papéis cada vez menores. Sem emprego, chegou a colocar um anúncio no jornal pedindo papéis interessantes.

Mas depois de muito trabalho, acabou sendo reconhecida no final da vida como uma das maiores lendas da história de Hollywood. Recebeu diversos prêmios pelo conjunto da sua obra, lançou uma biografia e até um disco como cantora.

Morreu subitamente em Paris, cidade que estava visitando para mais uma premiação, aos 81 anos e foi enterrada em Los Angeles ao lado da sua mãe e de sua irmã caçula.

Para brindar esse espetáculo de mulher perfeccionista, dedicada, temperamental e extremamente talentosa, eu escolhi um Bloody Mary: Vai duas partes de suco de tomate para uma parte de vodka, molho inglês, tabasco, sal, suco de limão e gelo.

Cheers!

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Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine