Bancando a detetive

Renata Kotscho
Bebendo a morta
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5 min readApr 16, 2021

A musa desta semana é a novelista que mais vendeu livros na história dos romances, no mundo todo, contando homens e mulheres escritores. A número 1.

Só as peças de Shakespeare e a Bíblia foram mais impressas do que as suas histórias de ficção. Achou pouco? A lady ainda escreveu a peça mais longeva da história do teatro britânico, Mousetrap, apresentada em West End desde 1952 (só foi interrompida em 2020 devido a pandemia do covid-19, vejam só).

Dame Agatha Mary Clarissa Christie, Lady Mallowan, fez e ainda faz tanto sucesso que é o exemplo perfeito de que o mundo é justo e de que a igualdade entre homens e mulheres até existe, sabe? Çei…

(Mas vamos deixar a treta de lado e contar a história desta fodástica.)

Agatha Mary Clarissa Miller nasceu na Inglaterra em 1890, filha temporã de uma família abastada. Foi educada basicamente em casa, tutorada pelas irmãs mais velhas.

Menina muito curiosa, começou a ler aos 4 anos e não parou mais, aos 10 anos escreveu seu primeiro poema.

Mas a vida da menina iria mudar no ano seguinte. Com a morte do pai, a situação da família deteriorou-se e ela acabou sendo mandada para um colégio interno. Como não se adaptou à rígida disciplina das escolas britânicas, a mãe mandou a jovem para Paris estudar artes em uma escola moderninha na capital francesa. (chic!)

Em Paris, Agatha tentou a sorte como atriz e como cantora de ópera, mas logo percebeu que não tinha o talento necessário para as artes performáticas e começou então a tentar a vida como escritora.

Aos 18 anos, depois de voltar para a Inglaterra, escreveu seu primeiro conto “The House of Beauty” enquanto recuperava-se de uma febre infecciosa.

Logo em seguida começou a trabalhar no seu primeiro romance, escrevendo sob pseudônimo, rs. O livro foi rejeitado por todos os 6 editores para quem ela enviou o trabalho.

Enquanto levava essa vidinha de aspirante a escritora frustrada, Agatha frequentava festinhas animadas da high society inglesa, aconselhada por sua mãe a melhorar o seu network para ser aceita na panelinha dos escritores.

Foi num desses bailes que conheceu seu futuro marido, o oficial da aeronáutica de quem adotou o sobrenome, Archibald Christie.

Os pombinhos se apaixonaram perdidamente e em três meses estavam casados.

No ano seguinte, 1914, começa a Primeira Guerra Mundial e Archie é enviado para combater no sul da França, enquanto Agatha vai trabalhar no hospital, primeiro como enfermeira voluntária, depois como assistente de farmácia.

Foi assim que ela começou a aprender sobre os venenos que iria usar nas suas histórias de mistério.

Em 1916, a grande fã de Sherlock Holmes, escreveu sua primeira novela de detetives “The Mysterious affair at styles”, apresentando um de seus protagonistas mais queridos, um policial belga de bigode majestoso e cabeça no formato exato de um ovo, Hercule Poirot (pronuncia aê, Serjomoro)

O manuscrito foi rejeitado algumas vezes até finalmente ser aceito pela editora The Bodley Head, que sugeriu mudanças no desfecho da história e ofereceu um contrato de 5 livros para Agatha.

O sucesso de vendas foi tamanho que nossa heroína sentiu-se explorada pela editora. (deve ser culpa do neoliberalismo)

Nesse meio tempo acabou a guerra, Archie voltou para casa, deixou a aeronáutica e foi ser feliz no mercado financeiro. Em seguida, os dois tiveram a única filha de Agatha, Rosalind.

A vida do casalzinho foi melhorando, Agatha escrevendo e o conge farialimer londrino prosperando, até que em 1926 Archie pede o divórcio por ter se apaixonado pela ex-colega Nancy Neele.

Full putaça, Agatha não aceitou muito bem a situação e resolveu vingar-se do seu jeitinho. Armou para cima do ex no melhor estilo Gone Girl: simulou o próprio desaparecimento abandonando seu carro com roupas e uma carteira de motorista vencida.

O desaparecimento da escritora foi rapidamente para as manchetes dos jornais e não se falava em outra coisa no país. A polícia chegou até a oferecer recompensa para quem desse informações a respeito do seu paradeiro. Archie, claro, era considerado o principal suspeito.

Enquanto o bicho comia, Mrs Christie relaxava em um luxuoso spa, onde ela fez check-in usando o codinome da teúda e manteúda do conge.

Descoberta, ainda bancou a sonsa e alegou que tinha perdido a memória. (isso não se faz, dona Agatha).

No ano seguinte o casal divorciou-se e Agatha foi curtir a fossa fazendo uma viagenzinha até Istambul a bordo do Orient Express. Foi durante o passeio que conheceu seu segundo marido, o arqueologista Max Mallowan, 13 anos mais moço que a musa, que então estava com 38.

Foi viajando para lugares exóticos com seu Indiana Jones pessoal que Agatha reuniu material para os seus mistérios ambientados no Norte da África e no Oriente Médio.

As narrações dela são tão verossímeis que o serviço secreto inglês chegou a acreditar que ela tinha informantes espiões. Pura intriga, era vivência e pesquisa mesmo.

Agatha foi tão pioneira que criou a expressão “cena do crime”, um termo que surgiu na sua ficção e que passou a ser amplamente usado por detetives e policiais de verdade.

Suas histórias fazem sucesso até hoje e já foram adaptadas em inúmeras peças, filmes e até videogames.

A verdade é que todos nós queremos ser um pouco detetives. Quem não bancou o escafandrista tentando decifrar os títulos dos livros nas estantes das lives que atire a primeira pedra. E como diriam os poetas Chitãozinho e Xororó, muitas vezes é difícil negar as aparências e disfarçar as evidências.

O sucesso de Agatha vem não só do seu talento em deixar o leitor preso o tempo todo na história, mas também porque contraintuitivamente suas histórias de assassinato acalmam. A gente sabe que no final tudo será explicado e fará sentido (quem não quer isso pra vida?)

De tudo que eu pesquisei sobre a obra da Agatha Christie para escrever o brinde da semana, a história que eu achei mais fofa foi contada por um bisneto dela em um podcast. Ele falou que depois do jantar, a bisa reunia toda a família em volta da lareira para ler em primeira mão as páginas que tinha escrito no dia. Imaginem o privilégio.

Agatha continuou escrevendo quase até o fim da sua vida, aos 85 anos, quando morreu pacificamente em casa, de causas naturais.

Agatha era tímida, recatada e do lar. Não fumava, nem bebia. Eu até pensei em preparar um drink sem álcool para brindá-la, mas esta semana, sem condições.

Então lancei mão de um dos meus “confort drinks”, um Pimm ‘s (que é um tipo de sangria inglesa). Na versão de hoje com duas doses de Pimm ‘s No 1, suco de 1 limão espremido, gelo e água tônica até completar o copo.

Cheers!

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Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine