Isadora, essa menina solta

Renata Kotscho
Bebendo a morta
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5 min readOct 2, 2020

Angela Isadora Duncan, nasceu em (onde mais poderia ser?) San Francisco em maio de 1877. A menina teve uma vida tão trágica quanto a sua morte, não se pode negar. Mas a nossa musa da semana também aprontou das suas e se divertiu.

Isadora nasceu com o que o paulistano chamaria de “berço”. O pai, um ambicioso banqueiro e a mãe uma culta professora de música; ela foi a caçula de quatro filhos.

Mal tinha Isadora aprendido a andar, o pai foi pego em cambalachos no mercado financeiro (que surpresa!). A família ficou na miséria, o casamento acabou e Isadora mudou-se com a mãe e os irmãos para Oakland, uma área mais barata da região.

Em Oakland, Isadora foi para escola dos 6 aos 10 anos, mas não conseguia ficar parada na sala de aula, achava a escola insuportável, abandonou os estudos formais aos 10 anos e virou…professora de dança.

Antes de entrar na adolescência, a menina já ajudava a família dando aulas de dança em casa. Isadora criava as coreografias e ensinava as meninas do bairro a dançar como ela.

Mais velha, já no fim da adolescência, tentou participar de vários conservatórios de dança, mas era sempre rejeitada. Até que enfim foi aceita em um importante estúdio em NYC, mas mesmo assim se decepcionou.

Isadora achava tudo careta e puritano demais na América e se mandou para Europa aos 21 anos.

Em Londres, Isadora começou a apresentar as suas coreografias, inspiradas em vasos gregos, dentro do British Museum.

Dois anos depois, participou da famosa Exposição Universal de 1900 em Paris, apresentando coreografias dentro do Louvre.

O estilo de dança de Isadora era popular e polêmico. Contrária as coreografias rígidas do ballet, ela advogava por uma dança mais orgânica. Para ela “movimentos podem ser tão eloquentes quanto palavras”.

Enquanto sua contemporânea russa Anna Pavlova (que já foi musa aqui) criou a sapatilha de ponta para aprimorar o ballet, Isadora dançava descalça.

A beleza e a sensualidade da sua arte inspirou diversos outros artistas, como o escultor Rodin, de quem falamos semana passada.

Isadora dizia que sua missão era criar beleza e educar a juventude. A bela nunca gostou da parte comercial do que fazia, odiava lidar com contratos e dinheiro.

Em 1904, aos 27 anos mudou-se para Berlim, onde criou sua companhia de dança e teve dois filhos: uma menina, Deidre em 1906 e um menino, Patrick em 1910. Os dois de pais diferentes fora do casamento.

Deidre filha do designer Gordon Craig e Patrick fruto do relacionamento da dançarina com o empresário Paul Singer, o famoso criador das máquinas de costura.

Isadora e Singer foram amantes por muitos anos e dizem as más línguas que ela foi o pivô do fim de dois casamentos do ricaço, que para ajudar a amante promovia festas em sua mansão em que Isadora cobrava altos cachês para fazer apresentações de dança particular.

Nessa época, Isadora vivia entre Berlim, Paris e Londres, na balbúrdia. Uma das festas que ficou famosa aconteceu em 1911 em Paris, quando o designer Paul Poiret deu uma festa de arromba inspirada nos bacanais de Versalhes, onde foram consumidas 900 garrafas de champagne.

Mas em 1913, os dois filhos de Isadora morreram tragicamente. Enquanto estavam sendo cuidados por uma babá, o carro com a menina de 7 anos e o menino de 3 perdeu o controle e caiu nas águas frias do rio Sena, afogando as crianças.

Abalada, Isadora mudou-se para um retiro perto do mar onde implorou para que um amigo, o escultor Romano Romanelli, a engravidasse. Ele aceitou, Isadora engravidou, mas o filho morreu logo depois do nascimento.

Depois desta dupla tragédia e com o início da Primeira Guerra Mundial, Isadora voltou para os EUA em 1914, então com 37 anos e abriu seu estúdio em NYC.

Isadora não curtia muito a cultura americana e queria ir embora logo no ano seguinte. Em 1915 era para ela ter embarcado no famoso RMS Lusitania que naufragou na viagem entre NYC e Londres torpedeado por um submarino alemão. Ela só não estava a bordo porque não conseguiu juntar dinheiro suficiente para a viagem.

Em 1919, Isadora finalmente consegue voltar para Berlim onde decide adotar legalmente as 6 dançarinas do seu estúdio, que passaram a usar o sobrenome da dançarina e ajudavam a ensinar a técnica artística da mãe.

A técnica de Isadora tem como base o “solar plexus” uma energia vital que vem do centro da caixa torácica onde começam seus movimentos da dança.

Isadora sempre foi “dizquerda” e era simpatizante do regime da União Soviética, até que mudou-se para Moscou em 1921, durante a Revolução Russa. Mas nossa mocinha não curtiu muito o stalinismo real e picou a mula dois anos depois de volta para os EUA, recém casada com o poeta russo Sergei Yesenin, 18 anos mais novo que ela.

Sergei foi o único marido oficial de Isadora e o casamento só aconteceu para que o boy tivesse autorização para emigrar para os EUA. Na terra do tio Sam, o romance não prosperou e Sergei voltou para sua terra natal em 1923 e se suicidou dois anos depois.

Isadora continuou comunistinha na América. Ainda em 1923, apresentou-se com os seios à mostra em Boston balançando uma bandeira vermelha e proclamando “essa bandeira é vermelha e eu também sou”.

No ano seguinte, voltou para Paris e deixou sua terra natal mandando beijinho no ombro “Tchau, América. Espero nunca mais te ver”.

Isadora passou os anos seguintes, entre 1924 e 1927 entre Paris e o Mediterrâneo apresentando sua arte, e entrando nas maiores bebedeiras e confusões financeiras.

Quem gostava dela era Zelda Fitzgerald que uma vez escreveu “a dança de Isadora Duncan hipnotiza tanto a platéia que eu consigo roubar o sal e a pimenta das mesas sem ninguém perceber”. (que dupla!)

Abertamente atéia e bissexual, Isadora teve um caliente relacionamento com Mercedes de Acosta, a poeta americana que também pegou Greta Garbo e Marlene Dietrich.

A morte de Isadora talvez seja o episódio mais conhecido da sua vida. 1927, ela subiu no icônico conversível Amílcar CGSs, pilotado pelo bonitão Benoît Falchetto.

Ao embarcar no carro em um dia frio, levando no pescoço um luxuoso lenço de seda pura pintado a mão pelo russo Roman Chatov, Isadora confidenciou “Adeus meus amigos, estou indo em direção do amor”.

Durante a viagem, próximo a Nice, o longo echarpe de Isadora enroscou na roda do carro e a dançarina morreu com o pescoço quebrado.

Azinimiga não perdoaram, Gertrude Stein teria dito quando soube das circunstâncias da morte da dançarina “pois é, a afetação tem seu preço”

(Se pudesse, acredito que Isadora teria respondido com sua frase “uma vez selvagem, sempre selvagem” e provavelmente mostrado a língua ou o dedo do meio.)

Para brindar nossa musa eu decidi preparar um Mai Tai, um drink delícia que foi inventado em Oakland, onde Isadora cresceu. Na receita que eu faço, vai 2 doses de rum envelhecido, 1 dose de suco de limão siciliano, ½ dose de Curaçao de laranja (Grand Marnier), 1 colher de xarope de amêndoas de orchata, 1 colher de açúcar. Chacoalha tudo com gelo picado e sirva com uma casca de limão sicilano.

Cheers!

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Renata Kotscho
Bebendo a morta

Médica formada pela UNICAMP, especializada em Medicina Estética pela American Board of Aesthetic Medicine